A comunicação persegue o percu rso do olhar do narrador ficcional, dos mundos masculino e feminino. O percurso vai de sua infância ao momento da interlocução com o visitante, quando a narração se materializa. Discute-se a presença de Diadorim no triângulo elas mulheres amadas por Riobaldo e as imagens que as acompanham. Discute-se também por que, sendo ponto de convergência do olhar do narrador, Diadorim é também seu ponto cego. É o que ele persegue, mas não vê.
O ensaio apresenta algumas constatações resultantes do cotejo dos testemunhos de elaboração de GSV apontando a direção das alterações mediante exemplos significativos.
Apresentam-se o Arquivo Guimarães Rosa do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo e as partes que o constituem, destacando-se, em especial, a sub série Estudos para a obra. O aproveitamento de material de arquivo na obra do escritor é assinalado ao mesmo tempo em que se mostra de que maneira pode ocorrer tal operação.
Guimarães Rosa insistiu sempre sobre o valor metafísico e religioso de seus escritos. Com base nas chaves que Rosa daria no seu discursode posse na Academia - o Hermetismo da tradição ocidental e o Taoísmo da tradição oriemal, pretende-se analisar o percurso do protagonista de Grande sertão: veredas em função dos três grandes rios de Minas: o São Francisco, o Rio das Velhas e Urucuia. Para além da geografia"realista", decripta-se o substrato transcendental.
Focalizando um micromodelo do sertão, o "Liso do Sussuarão", este ensaio es tuda a construção da paisagem em Grande sertão: veredas como componente de um retrato do Brasil. Partindo do confronto entregeografia inventada e geografia rea l, examina-se a tese rosiana do sertão como um "pensamento" que "se forma mais forte do que o poder do lugar", comparando essa tese com o paradigma dos viajantes naturalistas, o determinismo positivista de Euclides da Cunha e a nova historiografia. Como traço estilístico dominante é detectado um modo de escreverque S€ pode chamar de "poética da dissolução", pela qual o romance de Rosa se configura como um poderoso dissolvente de outros tipos de discursos sobre o Brasil.
Trata-se de, através de alguns exemplos retirados da ficção rosiana,discutir as reflexões aí existentes sobre o processo na rrativo como necessidade da própria matéria narrada e expressão da ambigüidade queconstitu i o seu universo: entre o popular e o cu lto, o oral e o escrito, o rústico e o citadino, a região e o mundo. Essa ambigüidade, por sua vez, é constitutiva do Brasil e de certo modo, da vida do próprio autor.
Em "O recado do morro" o percurso da viagem secreta sentidos através de uma mensagem que transita entre sete destinatários-destinadores. Ao mesmo tempo, a novela cifra múltiplos níveis de leitura, que envolvem de maneira inseparável o significante, a mímese social, a cosmologia alquímica, a cultura popular e o enigma.
A publicação quase simultânea de Corpo de baile e Grande sertão: veredas, que marcaram a fase das experiências mais audaciosas da obra de João Guimarães Rosa, provocou enciumada reação de importantes ficcionistas brasileiros que sentiram o impacto do confronto estabelecido. Uma geração em início de carreira, que afetava tendência construtivista, deixou-se empolgar e ganhou ânimo novo com o aparecimento daquele trabalho de exigências estéticas verdadeiras. João Guimarães Rosa promoveu uma espécie de atualização do modernismo como um todo, podendo ser isoladas, na sua obra, três linhas criativas que já vinham constituindo tradição e foram por ele levadas àssuas últimas consequências: a recriação da forma de narrar dos contadores de estória do folclore; a estilização da fala dialetal do sertanejo; a pesquisa da linguagem ao nível da langue. Em todas essas direções, o autor de Grande sertão: veredas faria escola. A proposta de uma dicção estruturalmente renovada e sem comprometimentos regionalistas, que aparece visível em Primeiras estórias, por estar em consonância com a forma de expressão do contingente maior da população brasileira, possivelmente será de resultados mais positivos para a evolução da nossa narrativa literária.
Logotesis e eironeia na prática dos Prefácios de Tutaméia. O criador e a rebeldia da criatura: "Desenredo" e seus palimpsestos, em especial Joyce (Rosa versus Joyce) e o livro de Job (40, 1-10). "A terceira margem do rio" como hipotexto de duas estórias de Mia Couto. Processos de formação de novas palavras e português vernáculo: neologismos e regionalismos. Comparação de alguns processos rosianos com os dos seusprecursores em língua portuguesa (Fernão Mendes Pinto e Machado de Assis, Simões Lopes Neto, Mário de Andrade c Aquilino Ribeiro); osprocessos rosianos c os de Luandino Vieira (Angola); José Craveirinha, Grabato Dias e Mia Couto (Moçambique). O Segredo intransmissível do fazer poético: Humor, Alegria e Loucura. Os mendes pintores e amaka de Babel.
João Guimarães Rosa e José Luandino Vieira revelaram extraordináriota lento para inventar linguagens. As vozes, respectivamente "brasileiras" e angolanas", portadoras das histórias de João e de José, são tão engenhosamente criadas quanto os eventos concebidos com os agentes de sua dramatização. Se é imediatamente visível esse traço comum aos dois ficcionistas, as marcas diferenciais entre ambos não são menos flagrantes, ficando, desde logo, perceptível que as falas, na obra de um e de outro, têm pontos de origem distintos/distantes, e vêm identifi car falantescujos universos, estritamente linguísticos ou genericamente culturais,onde se projetam suas particularidades pessoais e nacionais, são suigeneris. Examinar alguns pontos desse ângulo de criatividade na ficção dos dois escritores é o objetivo des te trabalho.
O autor interpreta a obra de arte Grande sertão: veredas como um viático que abrange ensinamentos úteis acerca do viver. Demonstra o esforço literário de Guimarães Rosa indicar os colominhantes caminhos que permitem a nós, seres humanos, faltos e incompletos, avançar rumo à edificação de nossa humanidade, até alcançar nossa dimensão espiritual. O autor lê o Grande sertão: veredas como uma imprescindível Bíblia sobre a existência. Lança a tese de que, o maior empecilho ao crescimento do homem humano é dado pela resistência de cada um em assumir, integralmente, sua centelha de espírito.
O objetivo deste texto é ler os três grandes encontros do narrador Riobaldo em sua narrativa do Grande sertão: veredas como representações da busca de sua ide ntidade, da busca de uma resposta ao sempre enigma do sujeito: "Quem sou eu?". Ao perscrutar-se como sujeito na triangulação dos encontros, Riobaldo também se encontra como narrador.
A proposta é uma leitura a ristoté lico-psicanalítica do conto "O homem do Pinguelo" de 'Estas estórias' de Guimarães Rosa. Com efeito,este texto agencia os temas de identid ade e alteridade, de sorte e destino,de solidariedade e de desejos humanos. Parte-se das categorias deanagnorisis (reconhecimento = " passagem do ignorar ao conhecer") ede peripécia ("inversão da ação no sentido con trário") presentes na poética de Aristóteles, e chega-se à articulação entre identidade e destino,tão decisivos nesse conto. Recorre-se também à Antropologia Psicana líticapara elucidar alguns motivos folclóricos que pontuam o texto, sobretudoa apotropaica figura do "H omem do Pinguelo", que traz sorte.E finalmente, aponta-se o procedimento caro a Guimarães Rosa, de revestirde dignidade trágica a vida dos homens do povo, dos rudes sertanejos.
Neste traba lho tenta-se fazer uma leitura da correspondência trocada entre Guimarães Rosa e Edoardo Bizzarri, seu tradutor ita liano,com o objetivo de analisar o discurso metalingüístico do autor de Corpo de baile, discurso que se caracteriza, finalmente, como uma espéciede metalinguagem poética.
Refletindo sobre a vinculação da forma romanesca com o mito, este estudo identifica na obra de Guimarães Rosa um estilo mítico de contar, como "estilo de velhice", a que se refere Hermann Broch -aquele que começa na poesia para acabar no mito. Grande sertão: veredas é considerado um romance mitomórfico - da imagem do Sertão à visão da natureza, dos objetos simbólicos às referências ocultistas.
Tema pouco lembrado pela crítica, porque presença discreta no conjuntoda obra rosiana, a maternidade alca nça contornos literárioscomoventes, para os q uais o olhar psicanalítico pode sugerir um de seus"sentidos". Entre outros, "A benfazeja" e "Sinhá Secada" constituemtextos exemplares dos afetos maternos a resgatarem questões como luto,renúncia, barreira à sexualidade, desamparo, demanda etc. - pontos deintersecção primorosos entre Literatura e Psicanálise.
O trabalho consiste num depoimento do autor-tradutor alemão de Guimarães Rosa - que, utilizando-se de trechos de sua correspondência com o escritor, reflete sobre o processo de escrita da obra rosiana e sobre a concepção de tradução como uma "irmã gêmea da criação", como uma atividade de "transplantação homológica" da "cosmovisão" construída pelo autor, no texto original.
Em entrevista feita a Guimarães Rosa, publicada sob o título de "Diálogo com Guimarães Rosa", Günter Lorenz relata a anedota de um tradutor, que, para se recomendar a um editor, declara "dominar certa quantidade de línguas vivas e mortas, inclusive a de Guimarães Rosa". E complementa: "Sua linguagem, sem dúvida, é algo único, algo onde se pode cair e quebrar os dentes; mas, principalmente por causa dela, depois de ler seus livros, a gente acredita ter descoberto um mundo completamente novo". Partindo de um exame do processo de desconstrução da linguagem empreendido por Guimarães Rosa ao longo de toda a sua obra, que lança por terra tudo o que se apresenta cristalizado pelo hábito e instituído como verdade inquestionável, este texto é uma reflexão sobre o caráter singular da linguagem rosiana e sobre o desafio que esta singularidade e riqueza de expressão têm constituído para todos aqueles que se aventuram à árdua tarefa de traduzi-la.
A comunicação visa a apresentar elementos que interessam à história da tradução da obra rosiana. Trata-se de focalizar as traduções para o castelhano realizadas por Àngel Crespo, bem como fornecer dados que testemunham o diálogo estabelecido entre os dois escritores, tendo por base a correspondência inédita entre Àngel Crespo e Guimarães Rosa (conservada no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidadede São Paulo), um longo depoimento da viúva do poeta e tradutor espanhol, Pilar Gómez Bedate (sobre a viagem que ambos rea lizaram ao Brasil em 1965), além de trecho do diário inédiro de Crespo que elatambém nos facultou.
Guimarães Rosa, numa carta a João Condé publicada no Jornal de Letras e Artes de 21 de Julho de 1946 deixou esta sugestão: "Mas, ainda haveria mais, se possível (sonhar é fácil, João Condé, realizar é que são elas ...): além dos estados líquidos e sólidos, porque não tentartrabalhar a língua em estado gasoso?!"
Nesta comunicação tratarei de averiguar o que possa ser o estado gasoso da língua quer sob o ponto de vista físico quer sob o ponto de vista metafórico.
Sob o ponto de vista físico devem ser considerados dois momentos: o da ciência geralmente divulgada na época em que Guimarães Rosa fez essa sugestão, e o da atual ciência do Caos, tendo em consideração os movimentos brownianos das moléculas descritos na teoria cinética dos gases. Sob o ponto de vista metafórico, o uso de uma terminologia interd isciplinar, à luz dos referidos conceitos da ciência, pode contribu ir para delinearuma possível concepção linguística que esteja de acordo com a prática e o uso criativo diferenciados da língua portuguesa, não só no Brasil e em Portugal, mas também nos países africanos de língua portuguesa, configurando-se ass im uma possível teoria cinética da língua.
Em Grande sertão: veredas, o tempo da estória aparenta, por um lado, abolir o tempo histórico e, pelo outro, resumir, dentro de si, a História toda. Os limites textuais se tornam, por isso, as margens ilusórias dentro das quais se encena - ou melhor, encontra o seu espaço e o seu tempo improváveis- uma dialética histórica paradoxal e inacabada, produto, por sua vez, de uma mistura inextricável de cronologias e detopologias diferentes ou até divergentes, cujo centro é ocupado apenas pela neutralidade daquilo que é duas coisas ao mesmo tempo (e no mesmo lugar), sem ser, porém, nem uma coisa nem outra. O tempo da narraçãoq ue, no ato de se fechar, se reabre sem fim, corresponde, nessesentido, a um espaço que o na rrador tenta abarcar e abraçar dentro deuma definição, mas q ue se subtrai todavia a qualquer localização. A presente comunicação procurará justamente investigar a(s) forma(s)do Tempo na obra-prima de Guimarães Rosa e a relação peculiar entre Geografia e História que nela se engendra.
O presente estudo investiga o símbolo do rio e das margens nos textos "A terceira margem do rio", de Guimarães Rosa e "Judas/Asvero", de Euclides da Cunha. Revela tanto o lado intimista e metafísico do primeiro, quanto o aspecto conflituoso e social do segundo. Aponta afinidades estilísticas entre os dois grandes artistas da prosa brasileira e seu relacionamento com os estratagemas retóricos da literatura universal.
Este artigo tem por objetivo discutir as matrizes histórico-políticas de interpretação do Brasil contemporâneo a partir da obra literária Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. O projeto literário de Guimarães Rosa será analisado como uma proposta possível de releiturade um país que ambiciona a todo custo encontrar um caminho própriode passagem para o moderno.
O presente artigo tenta determinar de que forma Guimarães Rosa recebeu, criticou e transformou o pensamento de Platão, conforme alusões ao filósofo, encontradas no primeiro prefácio e nos contos de Tutaméia. Verifica-se que Guimarães Rosa critica justamente o núcleo central do platonismo, isto é, a teoria das idéias - tal como apresentada, miticamente, no relato do Mito da Caverna, no livro VII da República - e o que dela decorre, a concepção platônica do ser e do não-ser. Esta concepção leva, por sua vez, à q uestão da verdade e do erro, da realidade eda fals idade. Guimarães Rosa baseia-se, para sua crítica, em Protágoras,sofista do século V a.C., e em Aristóteles, discípulo, por mais de vinte anos, de Platão. Nesse sentido, o artigo examina a teoria do erro e do falso em Protágoras, conforme citada no diálogo de Platão, Eutidemo, e passa em revista o mesmo tema, no próprio Platão, como surge no diálogo Sofista. Examina, igualmente, a crítica que Aristóteles faz à teoriadas idéias, do modo como surge, principalmente, na sua Ética a Nicômaco. A partir da determinação desta base teórica, o artigo analisa o conto "Uai, eu?", de Tutaméia, que contém uma pormenorizada e profundameditação sobre o ser e o não-ser, sobre o erro e a verdade, sobre o real e a imitação, sobre a realidade e a aparência.
É bem conhecida a importância que Aristóteles atribui ao "reto prazer" simultaneamente sensível e cognitivo - na Poética. Rosa transforma este elemento no tema aparentemente tão brasileiro e rosiano da "alegria". Elucidaremos, de um lado, as estratégias com as quais Rosa se inscreve firmemente numa longa tradição filosófica e estética; do outro, seu gênio de inovador-despistador, que esconde os problemas filosófico se funde a reflexão nas figuras concretas de suas histórias. elas, apanhamos apenas a lógica implícita do pensamento discursivo, que se apoderade nós com a leveza do prazer - da alegria.
Há alguns anos publiquei uma análise do conto "Nenhum, nenhuma", na qual procurei demonstrar que, na topografia rosiana, há um lugar que é "nenhures". Prossegu indo na mesma linha, pretendo analisar o conto "Lá, nas campinas" (Tutaméia), cujo núcleo é uma lembrança obsessiva da infância da personagem. Essa análise será articuladaa outros textos de Guimarães Rosa, em que o autor especifica vários tipos de "saudades". Procurarei demonstrar que, entre a "saudadede idéia" e a "saudade de coração" (Grande sertão: veredas), o segundo tipo é uma abertura para o conhecimento do inconsciente, e que os contos centrados nesse tipo de saudade convidam o crítico a recorrer à psicanálise.