A novela “Campo Geral”, de João Guimarães Rosa, utiliza a técnica da onisciência seletiva - fruto
das tentativas do romance moderno de prismar o ponto de vista do personagem junto à voz do
narrador -, para representar o olhar de Miguilim sem, no entanto, posicioná-lo como narrador autodiegético
da história. A adaptação cinematográfica dessa obra, o filme “Mutum” (2007, dir.
Sandra Kogut), se depara com o desafio de construir esse olhar do personagem, de modo a representar
o mundo diegético através de seu ponto de vista infantil. Diante disso, essa comunicação
pretende demonstrar como “Mutum” desenvolve formas primárias e secundárias de planos pontode-vista,
articuladas a movimentos e posicionamentos de câmera, para construir a mise-en-scène a
partir do olhar embaciado de Miguilim.
O trabalho apresenta a importância da natureza para o percurso de aprendizagem da
personagem Miguilim de "Campo geral". Tal percurso permite, entre outras características,
aproximar esse romance do bildungsroman. Em seu percurso de formação, Miguilim procura
vencer os obstáculos de passagem da infância para o mundo dos adultos e precisa encontrar dentro
de si a força para ultrapassá-los, em meio às angústias que o atormentam e sob condições
agravantes da pobreza do sertão. A magia da natureza, fruto de superstições ou contada em causos
de terceiros, que se encontra no limite, sempre rosiano, da razão e está presente nessa e em outras
narrativas de Guimarães Rosa, tem participação ativa no trânsito da personagem Miguilim entre o
mundo da infância e seu imaginário para a realidade do mundo dos adultos.
A obra mundialmente conhecida de Guimarães Rosa tem no transitar entre o
popular e o erudito, o oral e a escrita, uma de suas características determinantes. Por meio
dessa fusão, o autor transpõe e recria na ficção, na figura do sertanejo do interior dos
Gerais, os medos e incertezas humanos, no que diz respeito à compreensão de si mesmo e
do mundo. Nosso trabalho objetiva analisar a presença da oralidade em Corpo de baile
(1956), a partir de “Campo Geral” e “Uma estória de amor”, a primeira porque “contém,
em germe, os motivos e temas de todas as outras” (ROSA, 2003, 91), a segunda porque
“trata das “estórias”, sua origem, seu poder” e do “papel, quase sacerdotal” (idem) de seus
porta-vozes. Para tal, recorreremos aos contributos de Paul Zumthor e Câmara Cascudo,
dentre outros.
Este artigo propõe-se a tarefa de tecer reflexões sobre o filme “Mutum”, adaptação para o cinema da novela “Campo Geral”, que integra a obra Corpo de Baile, do escritor mineiro João Guimarães Rosa, desenvolvida pela diretora Sandra Kogut. Para tanto, discorreremos sobre os elementos narrativos que foram alterados na adaptação, bem como sobre as possíveis razões conceituais que possam justificar tais alterações, com especial destaque para a presença marcante do plástico nas cenas de filmagem, em desconformidade com a realidade que se pode supor para o momento histórico da publicação da obra
literária. Debateremos a adaptação do ponto de vista da atemporalidade do texto rosiano, em contraste com as condições socioculturais do sertão mineiro e teceremos reflexões sobre a trama do ponto de vista do protagonista, Miguilim (Thiago, no filme), verificando ainda os elementos artísticos e as técnicas de filmagem que foram adotadas para recriar a intimidade do personagem central. Concluiremos d
A novela “Campo geral”, publicada originalmente em Corpo de baile (1956), de João Guimarães Rosa, narra a estória de um menino míope e absorto em seu mundo de pequenos animais, formigas, besouros e aves, companheiros de sua infância, tendo como cenário o sertão dos “Gerais”. Os dramas familiares conduzem a vida e o crescimento do personagem principal Miguilim que encontra na contação de estórias um meio que lhe será muito útil para lidar com a sua realidade; assim, a narrativa “Campo geral” é entremeada pelas descrições, memória, percepção, imaginação e pelo vivido do homem sertanejo. É nesse bioma do cerrado que se concentra o “sertão dos Gerais” ou os “Gerais” ou “Campos gerais”, com os chapadões, de grandes extensões de terra cercados por veredas. Território de paisagens naturais e culturais, povoado por pessoas simples que habitam esse lugar rústico tomado pela força da ação, da relação homem e natureza. Para tanto, escolhemos como marco teórico a Estética da Recepção que nos mostra ser imprescindível a participação do leitor em qualquer texto, porque, desde o momento que lança seu olhar sobre a obra, invoca uma consciência crítica. O sujeito receptor e o objeto estético exercem papéis específicos para o sentido da obra, não ligado apenas à significação nomeada ou mesmo sugerida pelo autor, nem exclusivamente à atribuição de sentido por parte do leitor no ato de leitura. Dessa forma, destacamos o trabalho de Claudia Campos Soares (2002) sob uma perspectiva sociológica da novela “Campo geral”, pelo ponto de vista de um menino, que projeta no leitor uma visão cartográfica simbólica de um espaço, com traços de cultura, de história e de valores do cotidiano vivenciados pelo homem sertanejo.