O presente ensaio tem o objetivo de estudar o exílio nas literaturas de João Guimarães Rosa e de Thomas Mann, a partir da análise de suas produções finais, Tutaméia (Terceiras Estórias), de 1967, e Confissões do Impostor Félix Krull, de 1954, que são, respectivamente, suas últimas criações, consideradas aqui como obras-limite do pensamento dos escritores. Thomas Mann e Guimarães Rosa valem-se da perspectiva mítica com a qual leem o homem, a arte e seus países no Século XX, perturbam as dicotomias dentro/fora, instaurando uma zona de conflito de aproximação/distanciamento entre tempos e lugares, e encontram-se inseridos e apartados das linguagens artísticas de suas épocas, problematizando, por suas situações ambíguas com as vanguardas, o novo, que surge atrelado aos discursos de modernização. É nesse cenário de discussões que os escritores são tratados, no presente estudo, como produtores tardios e exilados que colocam a temporalidade em xeque, interrogam o tempo presente, por meio do deslocamento do código artístico aceito e propagado, e trazem à cena o problema da linguagem.
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da UFBA
O presente estudo comparado põe em diálogo as narrativas Grande sertão: veredas de Guimarães Rosa e A Morte em Veneza de Thomas Mann, a partir das simbólicas travessias dos protagonistas Riobaldo e Aschenbach. As cenas de travessia sintetizam as experiências dramáticas dos protagonistas que aprendem acerca da existência marcada pelo paradoxo e instabilidade assustadora. Considera-se, inicialmente, o modo como cada um dos escritores teceu um imaginário acerca da cultura do outro e como esses trânsitos culturais encontram-se representados em suas literaturas. Partindo das cenas de travessia, destacam-se os aspectos épico-dramáticos em ambas as narrativas e os principais leitmotive e simbologias presentes nas cenas que se desdobram nas aprendizagens existenciais dos protagonistas. O trabalho discute como os dois escritores elaboram seus discursos sob o signo da limiaridade, relacionando as experiências de Riobaldo e Aschenbach com as atuais configurações do conceito de devir propostas por Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Esta pesquisa busca compreender como a arte rosiana possibilita efeito que dinamize experiências de emancipação no leitor e na cultura. Trata-se de observar como a linguagem de três prototípicos textos da obra Tutaméia (1967) – perpassada pelas forças da ironia, do paradoxo e da poiésis, outrossim elaborada no vigor da experiência da Transcendência – põe-se como temática da libertação que engendra dialógica ascensional capaz de fazer a leitura dispor-se para vivência que supera o peso da temporalidade, ou seja, para o advento da Graça.
A partir das sugestões de leitura que o autor João Guimarães Rosa oferece em Tutaméia (1967), esta pesquisa dissertativa busca compreender como a arte roasina é capaz de gerar efeito que dinamize experiências de emancipação do leitor e na cultura...
O presente trabalho discute as oscilações do protagonista-narrador do Grande sertão: veredas entre sua tentativa de estabelecer um nome próprio – como lugar seguro das designações – e sua inserção nas instáveis veredas de uma identidade infinita e tem como referencial teórico as discussões dos chamados pós-estruturalistas franceses. Ao levantar um mapeamento das posturas do personagem, este estudo objetiva tomar as suas experiências paradoxais como chave de leitura para reflexão sobre a destituição das identidades fixas, o saber nômade da contemporaneidade e as tensões inerentes a tais processos. O mapeamento revela as relações de embate e articulação entre nome próprio e identidade infinita que têm repercussões para as questões relativas à identidade propriamente dita, aos episódios da chefia, à metafísica riobaldiana e às estratégias narrativas do protagonista. Este estudo investiga se o caráter indagador do personagem impulsiona a instabilidade e a desterritorialização, ou se corresponde a uma tentativa desesperada de constituir os territórios de um nome próprio delimitado. Conclui que o personagem desenvolve um tipo relativo de desterritorialização, no qual nome próprio e identidade infinita conjugam-se em um processo dinâmico entre desterritorialização e reterritorialização que, ao invés de deter, colabora para manter ativo o movimento. Para melhor ilustrar e refletir sobre tal questão, compara as posturas do protagonista do Grande sertão: veredas com as de outros três personagens rosianos: Nininha, Brejeirinha e o narrador do conto “Famigerado” de Primeiras estórias. Salienta, também, o caráter heterogêneo e indagador que liga obra, crítica e teoria em contribuições recíprocas.
A partir da noção de limiar, o presente trabalho analisa as estratégias narrativas do romance Grande sertão: veredas de João Guimarães Rosa e do filme Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha, avaliando os efeitos desestabilizadores que essas narrativas-limiar exercem sobre as noções contemporâneas de tempo, espaço e identidade. Utilizando-se do conceito de corte cinematográfico como imagem de pensamento, metáfora do limiar, examina a tensão estabelecida por narradores que se posicionam entre a ordenação verossimilhante de uma narrativa contínua e a errância de uma narrativa elaborada sob a ação subversiva do simulacro, responsável por instaurar o tempo não cronológico, o espaço desterritorializado e a identidade paradoxal. Com o objetivo de melhor refletir sobre essa tensão entre verossimilhança e simulacro, analisa também alguns contos do livro Primeiras estórias de João Guimarães Rosa, o romance PanAmérica de José Agrippino de Paula e os filmes Psicose de Alfred Hichtcock, A Idade da terra e O dragão da maldade contra o santo guerreiro de Glauber Rocha, além de Corra Lola, corra de Tom Tykwer, estabelecendo um diálogo entre as estratégias narrativas dessas obras e as narrativas-limiar de Grande sertão: veredas e Deus e o diabo na terra do sol. Conclui que o caráter movente de uma narrativa-limiar se desenvolve pela ação de desvio do simulacro em processos de desterritorialização que remetem a um agenciamento incessante entre estratégias de codificação e de descodificação sígnicas.
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da UFBA
Esta dissertação figura o percurso de um desejo de articulação entre a metacrítica dos saberes sobre o corpo sexuado a partir do século XVIII até a contemporaneidade e a crítica da narrativa de Guimarães Rosa ? Grande sertão: veredas. Nesse sentido, a trajetória discursiva do corpo se espelha na análise da obra através do diálogo que se instaura entre ciência e poética, a partir do que se defende a tese em favor da possibilidade de leitura da voz narrativa como a voz de um desejo de confissão, que busca tanto a perpetuação do prazer erótico no contar a história, bem como a compreensão da experiência via imagens do corpo.
Após as repercussivas transformações dos campos investigativos das ciências humanas ocorridas mais intensa e explicitamente a partir da segunda metade do século XX, e da qual resultou a colocação do conceito de “multiplicidade” no eixo das reflexões epistemológicas, quaisquer tentativas de acionar um modo de organização múltiplo passaram a ser vistas com máxima desconfiança, já que ao denunciar a arbitrariedade da fixação de um centro regulador em sistemas discursivos e propor uma investigação das estratégias de afirmação e manutenção desses sistemas arbitrários, a leitura predominante das emergentes teorias do múltiplo tendeu a associar o próprio conceito de organização a um potencial instrumento de corrupção, ou um mero conjunto de estratagemas de poder. Daí uma das principais questões que norteiam a contemporaneidade é examinar a possibilidade de se organizar o múltiplo sem que o modo de organização composto venha a se tornar um instrumento de dominação a ser manipulado pelos grupos que detenham as formações de saber, isto é, o poder. Impulsionados por tal reflexão-chave do pensamento sobre a organização descentrada do múltiplo na atual episteme de passagem, este trabalho se debruçará sobre cinco conceitos ou linhas de força (“relação”, “paradoxo”, “sistema”, “estrutura” e “processo”) cujo pormenorizado exame nos permitirá refletir sobre o modo como o pensamento tendeu a ser condicionado dualmente e para onde apontam os ímpetos de reconfiguração da forma hegemonizada. A fim de visualizarmos um outro modo de organização (harmonia) desprendido da dualidade, destacaremos, ao longo de todos os capítulos, os mais diversos aspectos organizacionais de Finnegans Wake, Grande sertão: veredas e Galáxias, na medida em que o modo como esses textos se organizam corresponde ao redimensionamento das linhas de força enfocadas. Ao adentramos a dinâmica funcional de Finnegans Wake, Grande sertão: veredas e Galáxias, veremos a passagem de um modo de cada sistema se ver (arbitrariedade) para um modo de conjuntamente nos ouvir (diálogo intersistêmico), donde a reconfiguração do pensamento poder ser vista sumariamente como a substituição da arbitrariedade/violência instalada no centro da dualidade por um eixo dialógico propulsor de outras estratégias que combatem as reduções e homogeneizações duais, ao passo que sustentam e fortalecem o diálogo no comando de um pensar processológico ou polifônico no qual a linguagem do processo se cria – redimensiona-se – com base em um diálogo descentrado entre suas múltiplas perspectivas moventes.
Este estudo relaciona o Discurso de Riobaldo em ‘Grande Sertão: veredas’, de Guimarães Rosa, com a obra da filósofa espanhola Maria Zambrano, destacando, desta, a noção de ‘Razão Poética’. Partindo de aspectos comuns às duas obras, tais como a crítica ao racionalismo dualista, damos ênfase, por um lado, ao caráter filosófico-poético do Discurso de Riobaldo, personagem central e narrador do romance, e, por outro, à relação nem sempre harmoniosa, segundo Maria Zambrano, entre pensamento e poesia na tradição ocidental, reportada a Platão. Do Discurso do personagem/narrador Riobaldo, entendido como representativo da cosmovisão de seu criador, destacamos, as noções de ‘matéria vertente’, ‘sertão-mundo’ e ‘homem humano’. Enfim, a partir de Maria Zambrano, aproximamos a ‘razão poética’ e a ideia de um ‘saber sobre a alma’ para discutir o ‘Pacto de Riobaldo com o Diabo’ na perspectiva da crítica ao racionalismo de viés platônico ou cartesiano, predominante em nossa tradição.