O principal objetivo deste ensaio é discutir duas narrativas cujas protagonistas são mulheres viúvas que confessam suas histórias de amor, seus dramas e suas tramas. Em ambas as narrativas, Machado de Assis e Guimarães Rosa dão a voz a narradoras protagonistas, recurso praticamente desconhecido e discutido pela crítica literária.
O trabalho apresenta uma leitura do romance de Guimarães Rosa de 1956 do ponto de vista de uma série de topoi desenvolvidos dentro da teoria da confissão e do testemunho: Riobaldo testemunha passagens de sua vida diante de um ouvinte/dos leitores. A violência do sertão, derivada em parte do jogo entre a anomia e a lei da força, desdobra-se nas angústias derivadas do amor impossível por Diadorim. Como em muitos textos de forte ?teor testemunhal?, a fragmentação da memória e a sua espacialização guiam o fluxo da narrativa. Constrói-se ao longo do livro uma ?topografia da memória?, que é lida como uma encenação de uma memória do trauma. Oscilando entre testemunho e confissão, o texto permite uma leitura do trabalho literário funcionando como a encenação de um teatro da memória da ?catástrofe?. O tema da relação intrínseca entre lei e violência, assim como o espetáculo do corpo em dor, também presentes no livro, são outras características de atos testemunhais. Apresenta-se também o elemento falocêntrico do testemunho e da confissão atuando no romance. Mostra-se como tudo fica muito mais interessante ao vermos estes topoi atuando dentro de um texto sofisticado de ficção, que também os transforma.
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da UFBA
Esta dissertação figura o percurso de um desejo de articulação entre a metacrítica dos saberes sobre o corpo sexuado a partir do século XVIII até a contemporaneidade e a crítica da narrativa de Guimarães Rosa ? Grande sertão: veredas. Nesse sentido, a trajetória discursiva do corpo se espelha na análise da obra através do diálogo que se instaura entre ciência e poética, a partir do que se defende a tese em favor da possibilidade de leitura da voz narrativa como a voz de um desejo de confissão, que busca tanto a perpetuação do prazer erótico no contar a história, bem como a compreensão da experiência via imagens do corpo.