Ao longo do período de colonização e até o início do século XX na região das minas no Brasil, houve uma dupla articulação de fluxos, que gerou especificidades na organização econômica e social: a ligação com as vias inter-regionais movimentou uma economia exportadora, enquanto, na região, organizou-se uma economia de abastecimento, por meio de uma rede de caminhos regionais e vicinais. O conto de Guimarães Rosa descreve o momento da transição, no qual esta estrutura duplamente articulada estava prestes a ser rompida: a construção da estrada entre São Paulo e Belo Horizonte significa, não apenas a ligação entre os dois importantes centros, mas anuncia, por onde passa, uma transformação no sertão e sua incorporação aos fluxos inter e extra regionais, dentro de uma dinâmica de globalização.
Este artigo pretende ressaltar a importância do tema do estrangeiro na obra de Guimarães Rosa. Mostraremos como o autor concede o discurso a indivíduos marginalizados, como o mulato e o imigrante no conto “A volta do marido pródigo”, e como atua como um transculturador e constrói pontes entre mundos e culturas diferentes. Mesmo quando os conflitos identitários não são solucionados, como é o caso da narrativa aqui estudada, percebe-se o respeito do autor pelas diferenças culturais, sem valer-se de estereótipos ou ideias preconcebidas a respeito de cada cultura. Evidenciaremos também como o autor ressalta a importância desses sujeitos na construção do país, seja através do braço do imigrante para o trabalho, seja na formação de um povo multiétnico, através das miscigenações, de que o retrato do mulato Lalino Salãthiel é o exemplo mais evidente.
O conjunto da obra de João Guimarães Rosa congrega as mais diversas fontes culturais e religiosas, as quais manifestam-se, entre outras formas, nas crenças e nas atitudes das personagens que compõem sua prolífica galeria. Representações do aspecto religioso podem ser notadas já na obra de estreia do escritor mineiro, Sagarana (1946), como podemos observar, por exemplo, na trajetória – de inspiração judaico-cristã – de Augusto Matraga, o arrogante fazendeiro que se converte em santo, e no percurso traçado por Lalino Salãthiel, o marido pródigo que nos remete à conhecida parábola, enunciada por Jesus Cristo, registrada no evangelho escrito por São Lucas. Assim, este estudo, de natureza comparativa, empreende uma análise da novela “A volta do marido pródigo”, procurando elucidar os principais elementos que se destacam na releitura proposta pelo autor. Os resultados evidenciam o caráter a um só tempo dessacralizador e inovador do texto rosiano, constituindo-se este como uma espécie de “contra-parábola”.
A constituição humorística de Sagarana (1946) fornece a base desta tese de doutoramento, em Literatura Brasileira. Assim, tem-se como corpus de análise contos desta obra do escritor João Guimarães Rosa (1908 1967), e, embora privilegiando-a como um todo, no conjunto de suas nove narrativas, foram selecionadas três delas para análise e composição dos capítulos deste estudo, a saber: O burrinho pedrês, Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo e Corpo fechado. A abordagem estabelece a intersecção de duas vertentes de constituição e construção da obra: uma, no plano formal, corresponde aos recursos expressivos de comicidade, realizados através de procedimentos de humor, ironia, paródia, sátira, e outros. Para tanto, a fundamentação teórica centra-se, basicamente, nas reflexões de autores como Bergson, Propp, Pirandello, Freud. A outra, no plano temático, orienta-se pela representação da sociedade plasmada nas narrativas e a correspondência desta representação com a realidade nacional, como relações de poder, de violência, de submissão, instituições de Estado, e outros. Críticos do autor que realizaram abordagem sob tal enfoque foram selecionados como referência. A investigação revelou, finalmente, que nesta obra seminal do autor mineiro já se configuravam as linhas mestras de um projeto literário e uma visão de mundo, perpassados pelo humor. E mais, sob a leveza do véu humorístico, o autor realiza profunda reflexão acerca da sociedade (brasileira), do mundo e do homem (humano).
Centro de Letras e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Letras.
A presente tese analisou a representação dos personagens estrangeiros na obra de João Guimarães Rosa. Observou os elementos narrativos que os caracterizam, configurados pelos processos de troca e assimilação cultural. “O estrangeiro em conflito com o sertanejo” verifica os casos dos estrangeiros em situação de embate com o nativo, em “Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo”, “Faraó e a água do rio”, “O outro ou o outro” e “Zingarêsca”. “Trocas afetivas” trata do romance rosiano, Grande sertão: veredas. Nele, verifica como os estrangeiros participam da formação social do narrador protagonista. “Traduzindo o sertanejo” revela como a tentativa de compreensão do nativo, em “O recado do morro”, torna-se fator indispensável para a solução do enigma que o próprio recado carrega. “Nostalgia do estrangeiro” examina os contos “O cavalo que bebia cerveja”, “Um moço muito branco” e “Orientação”, a fim de observar a passagem do estranhamento à saudade que marca a enunciação. Por fim, confirmou a tese de que as personagens estrangeiras são aceitas pelo sertanejo de modo cordial. Por isso, desempenham papel ativo na composição deste sertão mundo de Guimarães Rosa. Seja como elemento que reforça as características sertanejas através do contraste ou pelas trocas materiais e imateriais que realiza com o homem do sertão.
O presente trabalho tem como base teórico-metodológica a Estética da Recepção, corrente de teoria literária surgida no final da década de 1960 em oposição aos dogmas marxistas e formalistas, na medida em que eles ignoram o papel do leitor enquanto principal destinatário da obra literária. A pesquisa está centrada em uma abordagem hermenêutica e embasada em uma leitura que relaciona a literatura e a sociedade, tendo em vista que é possível encontrar ecos de ideais humanistas dentro da obra como um todo, mas, principalmente, dentro dos contos que serviram de corpus para este estudo. Desse modo, seguindo o viés metodológico postulado por Jauss (1921-1997), no qual o sentido da obra deve ser buscado dentro de uma constituição dialética entre o próprio texto e o leitor, este trabalho traça um exame dos contos “A volta do marido pródigo” e “Minha gente” de Sagarana, sobretudo no que concerne aos vínculos temático-formais e à análise da construção dos personagens dos contos mencionados. Nestas narrativas, é possível identificar lides políticas e amorosas que se desenvolvem paralelamente ao longo da trama, em linhas gerais, é retratada a forma do exercício da política partidária e das relações familiares no Brasil do início do século passado, cada conto molda essas temáticas à sua própria maneira, um de forma mais cômica, privilegiando os aspectos políticos e sociais, outro enfatizando as relações familiares. Em “A volta do marido pródigo”, depara-se com um protagonista de evidente procedência folclórica, dentro de uma narrativa que dialoga com a parábola do filho pródigo e com a fábula esópica do cágado e do sapo. Em “Minha gente” encontra-se uma história em que é estabelecida uma relação entre a vida dos personagens e o jogo de xadrez. Embora guardem diferenças significativas entre si, as narrativas que aqui nos servem de corpus possuem muitos aspectos em comum. Este trabalho levou em consideração estudos já consolidados acerca de Sagarana como o é o de Álvaro Lins em Mortos de sobrecasaca, bem como outros, mais recentes, de pesquisadores como Luiz Roncari (O Brasil de Rosa: o amor e o poder), Gilca Seidinger (Guimarães Rosa ou a paixão de contar: narrativas de Sagarana), Nildo Benedetti (Sagarana: o Brasil de Guimarães Rosa) e Sílvio Holanda (Rapsódia Sertaneja: leituras de Sagarana).
Este trabalho tem como objeto de estudo os contos de Sagarana. primeiro livro de Guimarães Rosa, publicado em 1946, que marcaria definitivamente a literatura brasileira, uma vez que nos deparamos com a construção de uma nova linguagem, em que a Língua Portuguesa surge recriada através da associação de uma linguagem culta ao falar sertanejo, sempre com uma sensibi1idade que funde num conjunto inédito: arcaísmos, neologismos, expressões regionais e a linguagem literária propriamente dita. Dentre os nove contos que compõem a obra, selecionaremos os seguintes, para serem analisados: "O Burrinho Pedrês" , Traços Biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo , São Marcos" e A hora e vez de Augusto Matraga". Entre as hipóteses que organizam e fundamentam o fio condutor deste trabalho, abordaremos a estética das narrativas, o processo criador e a oralidade, ou seja, como Rosa traduz esse mundo da oralidade, recuperando a fala arcaizante na construção de sua narrativa escrita. Utilizaremos no desenvolvimento das questões propostas e desenvolvidas nesta pesquisa, o raio de abrangência vinculado ao suporte teórico da Paul Zumthor, Câmara Cascudo, Sílvio Romero; Antonio Candido e Alfredo Bosi, entra outros. Veremos, portanto, no decorrer das narrativas, como são empregadas as expressões populares que lhe dão origem. Serão destacadas, nesse processo, citações que demonstram a presença dos costumes do povo, traduzidos por intermédio de quadrinhas, cantigas, lendas, mitos, anedotas e provérbios. Dessa forma, veremos que as manifestações da cultura popular falarão por si, e o pensamento rosiano se fará conhecer através da arte da linguagem utilizada para o leitor do texto. Veremos a vivência do povo transmudada para a arte.
FFLCH / Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa
O presente trabalho analisa a construção da personagem malandra em dois contos da literatura brasileira: A volta do marido pródigo (1946) de Guimarães Rosa e Paulinho Perna Torta (1965) de João Antônio. O foco da análise incide na representação, respectivamente, culturalista e histórica do malandro pelos seus protagonistas. A construção da personagem malandra nesses contos corresponde à redução estrutural dessa figura na sociedade, seja como um tipo cultural, que, ideologicamente, representa o tipo simpático e cordial do brasileiro, ou como figura histórica, que se transformou na figura marginal e violenta do narcotraficante.
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