O artigo trata de elucidar um aspecto pouco explorado das ideias políticas de Guimarães Rosa, tal como elas são expressas em Grande sertão: veredas, pertencente à relação complexa entre ação e inação. Para tanto, será proposta uma comparação com certas vertentes do pensamento contemporâneo; também serão exploradas algumas menções que o próprio Rosa faz da filosofia oriental, especialmente o Dao de Jing.
O tema do banditismo no Brasil, depois de ter sido registrado por autores como Euclides da Cunha, Caio Prado Jr. e Oliveira Vianna, ganha no romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, uma representação que corresponde à importância que esse fenômeno ocupa na vida cotidiana do país. Com a narração ficcional da guerra de jagunços, ou seja, bandos de criminosos disputando o poder no planalto central do país por volta de 1900, o romance fornece um retrato do Brasil que não se limita a acontecimentos do passado, mas evoca alegoricamente estruturas que se prolongam até os dias atuais. O conceito de "sistema jagunço", introduzido pelo autor, contribui para fazer do romance uma forma de pesquisa que se equipara aos melhores retratos sociológicos e historiográficos do Brasil; ele até os supera, pela lucidez e qualidade técnica da apresentação. O fato de o narrador ser ele próprio um jagunço, um "jagunço letrado", não só proporciona uma visão de dentro do mundo do crime, como também expõe detalhadamente o funcionamento da instituição da jagunçagem através de uma encenação da retórica dos chefes e de seus subalternos. Por meio de uma poética astuciosa, crítica e auto-reflexiva, o romancista revela como a violência institucionalizada articula seu discurso.
Faculdade de Letras, Mestrado em Estudos Brasileiros
A presente dissertação pretende analisar a intervenção política do cidadão João Guimarães Rosa e a receção crítica das suas obras no Brasil do pós-guerra. O objetivo do trabalho consiste em dar destaque ao carácter “modernista” das obras de João Guimarães Rosa, sem descurar os seus posicionamentos políticos na atribulada História do Brasil, enquanto escritor e diplomata, com a correspondente prudência política, perante o ambiente militante que vigorava nos meios literários do pós-guerra. Pretende-se assim questionar o pretenso carácter apolítico apontado a Guimarães Rosa e pôr em evidência as suas posições políticas em consonância com as ambições nacionais-desenvolvimentistas permanentemente presentes na política brasileira, desde Getúlio a Kubitschek.
Instituto de Estudos da Linguagem / Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária
Esta dissertação trata da relação entre política e forma literária no romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Parte-se do pressuposto básico de que há a apreensão de um modus operandi específico da política no texto rosiano: a saber, do processo de modernização, entendido em duas chaves: uma chave horizontal, que trata da distensão e enrijecimento das relações patriarcais de poder; e outra vertical, que diz respeito à força que penetra nos vãos legados pelas relações cordiais e remete ao funcionamento íntimo da soberania moderna, marcado pelo fortalecimento da lei através do embaralhamento das fronteiras éticas. Esta dupla remissão do conceito de modernidade obrigou um aporte metodológico transversal no tratamento da obra: buscou-se evidenciar os temas que, diferenciando-se de acordo com a camada do texto em que se encontravam, não deixavam de tocar no mesmo corpo de problemas. Assim se dividiu este trabalho em três principais seções: 1) o poder, na qual se buscou jogar luz sobre os rudimentos históricos básicos que alimentam a narrativa rosiana; 2) a lei, em que se empreendeu o trabalho de entrever o significado das guerras e de sua manipulação da violência frente à sobreposição do novo arranjo soberano às formas decadentes do direito cordial; 3) o amor, parte sobre a qual recaiu a importância da análise do regime da diferença no romance, intimamente ligado à maneira como se mobiliza a reação da forma rosiana ao estado ético da modernidade. O afunilamento de tais questões fez incidir sobre um só problema todas as tensões deste trabalho: o porquê da grande responsabilidade ética legada à palavra por parte de Guimarães Rosa. Tenciona-se, ao se apontarem os pontos de fuga desta questão, evidenciar os horizontes políticos que a obra rosiana oferece.