Ao contrário de uma ideologia civilizadora, muito forte no Brasil, em meados
do século XX, que defendia o avanço irrestrito da modernização e de uma atitude a ela
contrária, que quer preservar as culturas e comunidades tradicionais como peças de
museus, Rosa, em A estória de Lélio e Lina, mostra que o sertanejo é capaz de escolher
seu próprio caminho. Aproveitando-se do legado da tradição e das inovações da
modernidade, Lina irá ensinar a Lélio uma nova maneira de enxergar as relações sociais
e outra postura ético-política.
Com o suporte teórico de Marshall Berman, Jonathan Culler e Gaston
Bachelard, o objetivo deste artigo é fazer uma leitura dos contos A terceira margem do
rio, de Guimarães Rosa, e História porto-alegrense, de Moacyr Scliar. Pretende-se
analisar os complexos meandros de vida dos dois protagonistas e problematizar os laços
que compõem a estrutura das narrativas, já que a enunciação dos narradores (atuando
como partícipes), o tempo das narrativas e a atmosfera para a construção dos dois
universos apresentam características em comum. Partindo do discurso literário, nos dois
textos, será sinalizada a percepção dos narradores na construção e representação do
imaginário. Pretende-se abordar e discutir o jogo das palavras presentes nos textos, que
conduzem o leitor no fluir da narrativa.
O intuito deste texto é pôr em questão a persistência do ?pensamento trágico? em Grande sertão: veredas, a partir de uma reflexão sobre o estatuto essencialmente (i.e., ontologicamente) aporético da obra de João Guimarães Rosa. Romance da espera, de fato, ele se inclui por completo naquele lugar "terceiro", suspenso entre esperança e desespero, que se delineia no interior de qualquer contradição e que constitui, desde sempre, o logos da tragédia.
Este artigo investiga o modo como interdito/transgresão e tradição/ruptura se tornam aspectos congruentes da dinâmica erótica de “Buriti”, de João Guimarães Rosa (1908-1967), novela de Corpo de baile (1956) que se caracteriza por sua linguagem sensual. Dividida em três blocos narativos, esta exposição analisará apenas a segunda parte da referida obra, com base nos estudos de Zygmunt Bauman (1925-) e Anthony Giddens (1938-) acerca da modernidade.
Neste trabalho, propomos a reflexão sobre a violência em dois contos: “Uai, eu?”,
de Guimarães Rosa, e “O Evangelho segundo Marcos”, de Jorge Luís Borges. O modo como
a violência aparece nessas duas narrativas é especialmente produtivo. Em comum, os textos
apresentam a temática intermediada pelo discurso inverso (o da paz e do amor). O resultado
dessa operação às avessas é em Guimarães a discussão de concepções estruturantes do Estado
Moderno, a saber, seu aparato legislativo e regulatório. Já em Borges aparece a reflexão sobre
uma “estética da margem”, de onde se pode fazer as mais inusitadas traduções de uma
tradição legada. Nos dois contos, podemos perceber, em relação à violência, uma tradução
equivocada ou uma tradução famigerada (para usar uma palavra rosiana), acionada como
mecanismo de afirmação não só do estético, mas principalmente de identidade. Tais traduções
são chanceladas pela Buenos Aires moderna, fértil de mesclas e bricolagens, e pelo sertão
rosiano, lugar de cruzamentos de tempos e espaços diversos da modernidade brasileira.
Aparece nos dois textos uma compreensão de uma “modernidade periférica”, espaço
produtivo onde se articulam soluções culturais interessantes e singulares a partir das grandes
tradições europeias.
Esta dissertação propõe uma leitura de Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, através das lentes de Walter Benjamin, usando como intercessores os ensaios "A imagem de Proust" e "Sobre alguns temas em Baudelaire". Nesses ensaios Benjamin levanta questões fundamentais a respeito da memória, do esquecimento, da experiência (Erfahrung) e da vivência (Erlebnis) entrelaçando-as com narrativa, temporalidade e modernidade. A intenção será investigar como estas questões permeiam Grande sertão: veredas e pensar se, a exemplo de Proust e Baudelaire, Rosa conseguiu se aproximar da possibilidade de construir a experiência (Erfahrung) através de sua prosa poética, de acordo com os conceitos benjaminianos contidos nos ensaios em questão. A partir das diversas afinidades eletivas identificadas entre Rosa e Benjamin, também se pretende imaginar se Rosa poderia ser mais uma estrela na constelação de escritores sobre os quais Walter Benjamin escreveu. Afinal, como se verá, Rosa e Benjamin são dois místicos e míticos escritores que colocam a linguagem acima de tudo e a literatura como meio para explorar questões filosóficas e metafísicas.
Esta dissertação busca investigar o autêntico realismo presente em Grande Sertão: Veredas a partir de princípios estéticos elaborados por György Lukács e por outros filósofos marxistas. Com isso, representa uma originalidade na fortuna crítica sobre o único romance de João Guimarães Rosa, cuja obra em geral é estudada de modo apartado a qualquer noção de realismo. Questionar essa tendência da crítica faz parte do esforço de demonstrar os múltiplos aspectos realistas desse livro. Nesse sen-tido, nossa hipótese básica é que o Grande Sertão: Veredas é capaz de ser um retrato do Brasil ao mesmo tempo em que singulariza personagens sertanejos e incorpora os movimentos decisivos da modernidade universal, determinada pelo avanço do capita-lismo. A fim de comprovar essa hipótese, esse trabalho investiga a lógica dialética presente nas mais diversas camadas do romance, com especial atenção para a conden-sação artística de distintas dimensões temporais e espaciais, vista sob o prisma do de-senvolvimento desigual e combinado e da correlação real e estética das categorias da singularidade, da particularidade e da universalidade. A dissertação dedica um capí-tulo para apontar como a realidade brasileira se incorpora nos personagens e em deta-lhes formais do romance, e outro capítulo para discutir os significados do mito do Fausto para a literatura universal e para o romance de Guimarães Rosa. Por fim, o capítulo conclusivo propõe um neologismo interpretativo que una a história e a estó-ria, e termina com palavras sobre a brutalidade e a violência, que marcam esse ro-mance e o Brasil.
Neste trabalho é propostauma leitura dos contos Nenhum, nenhuma e O espelho, presentes no livro Primeiras Estórias,de Guimarães Rosa. As duas estóriassão analisadasinserindo-as no contexto da modernidade, tendo como tema principal a crise do sujeito. É abordada como se dá,nas duas narrativas,a noção de que o sujeito é, na verdade, fragmentado,e também a busca e a impossibilidade de atribuir sentido ao eu. No conto Nenhum, nenhuma, considerandoa importância do passado para a constituição do sujeito, a impossibilidade de reconstituí-lo por meio da memória acaba resultando em uma crise de identidade, marcada no conto pela oscilação constante do foco narrativo e pela interrogação acerca do eu que se apresenta na narrativa. Já no conto O espelho, a crise de identidade se inicia quando o narrador-personagem, diante de um espelho, vê, no lugar de seu reflexo, a imagem de uma espécie de monstro, que ele percebe se tratar dele mesmo. Reconhecendo, então, a existência de um eu que se esconde por detrás das aparências, o narrador se propõe a realizar um experimento, buscando, assim, alcançar essa parte oculta de si.
Instituto de Estudos da Linguagem / Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária
Esta dissertação trata da relação entre política e forma literária no romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Parte-se do pressuposto básico de que há a apreensão de um modus operandi específico da política no texto rosiano: a saber, do processo de modernização, entendido em duas chaves: uma chave horizontal, que trata da distensão e enrijecimento das relações patriarcais de poder; e outra vertical, que diz respeito à força que penetra nos vãos legados pelas relações cordiais e remete ao funcionamento íntimo da soberania moderna, marcado pelo fortalecimento da lei através do embaralhamento das fronteiras éticas. Esta dupla remissão do conceito de modernidade obrigou um aporte metodológico transversal no tratamento da obra: buscou-se evidenciar os temas que, diferenciando-se de acordo com a camada do texto em que se encontravam, não deixavam de tocar no mesmo corpo de problemas. Assim se dividiu este trabalho em três principais seções: 1) o poder, na qual se buscou jogar luz sobre os rudimentos históricos básicos que alimentam a narrativa rosiana; 2) a lei, em que se empreendeu o trabalho de entrever o significado das guerras e de sua manipulação da violência frente à sobreposição do novo arranjo soberano às formas decadentes do direito cordial; 3) o amor, parte sobre a qual recaiu a importância da análise do regime da diferença no romance, intimamente ligado à maneira como se mobiliza a reação da forma rosiana ao estado ético da modernidade. O afunilamento de tais questões fez incidir sobre um só problema todas as tensões deste trabalho: o porquê da grande responsabilidade ética legada à palavra por parte de Guimarães Rosa. Tenciona-se, ao se apontarem os pontos de fuga desta questão, evidenciar os horizontes políticos que a obra rosiana oferece.