ISSN 2359-5191

10/10/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 70 - Sociedade - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
As mulheres constroem suas próprias imagens
Estudo sociológico sobre as imagens das bruxas, índias canibais, Maria, Maria Madalena e as estrelas hollywoodianas aponta que as mulheres sempre usaram imagens e artifícios a seu favor, independentemente dos homens que as criaram.
Detalhe de "Pigmalião e Galateia" de Jean-Léon Gérôme: o criador se encanta pela criatura

“Imagens da mulher no Ocidente Moderno” é título da tese de doutorado da pesquisadora mineira Isabelle de Melo Anchieta que recebeu distinção acadêmica por unanimidade em sua defesa no último dia 16. As imagens visuais são tidas na pesquisa como “armas simbólicas privilegiadas durante os imprevisíveis jogos por reconhecimento social”, e a imagem da mulher é escolhida como objeto de estudo porque é uma representação emblemática do processo de individualização e humanização no Ocidente. O percurso pela imagem da mulher permitiu concluir que as mulheres sempre souberam usar as imagens e os artifícios a seu favor a partir de recriações e ressignificações, muito antes de poderem de fato criá-las.

Segundo a autora, o olhar alheio é importante para a formação sociológica e humana de um indivíduo, pois o reconhecimento instaura diversas disputas por existência social. A necessidade de ser olhado é uma motivação a todas as outras necessidades, já que ascensão econômica e acúmulo material não são fins, mas meios de conseguir destaque. A face humana surge como imagem pública do século 21, pois o rosto se tornou símbolo da individualidade e integração à humanidade, com papel central para a identidade e para a sociabilidade.

Para analisar as imagens da mulher no Ocidente Moderno, Isabelle se concentra em personagens femininas que se universalizaram no Ocidente por meio de estereótipos da bruxa, da índia tupinambá canibal, de Maria, Maria Madalena e das estrelas hollywoodianas. As bruxas medievais e as índias tupinambás brasileiras foram construídas sob imagens ficcionais que lhes tiraram a humanidade, e esta ausência causou temor, repulsa, transgressão e busca por controle dos sentimentos, mas também resultou em uma atração marginal. A imagem sobre-subumana das bruxas e das índias lhes conferiu poder de ameaça às ordens vigentes subvertendo os valores considerados femininos, na inversão de poderes entre homens e mulheres.

Maria recebe diversas formas iconográficas durante a história, mas sempre representante da bondade imaculada e virginal. A imagem da Virgem serviu como mediadora em diversos conflitos religiosos, morais e econômicos, tornando-se negra para a evangelização das colônias recém-descobertas, por exemplo. Mas Maria também serve de contraponto a protestantes, mulheres casadas e prostitutas – que perderam o “selo virginal”. As cortesãs contempladas por Maria Madalena, a “mais humana das santas”, vive o processo “do pecado à salvação”, sintoma de uma nova visão de mundo mais humana e desencantada.

As estrelas hollywoodianas inauguram um novo sistema de estereótipos centrado no indivíduo, tendo o “direito de eleger o projeto biográfico como valor supremo”. Para as mulheres poderosas que “dirigem, fumam e abordam os homens que querem” nada é sagrado, a não ser o seu próprio desejo. As bruxas, índias tupinambás, Maria, Madalena e as estrelas de Hollywood souberam manusear as imagens criadas sobre elas, remontando, recriando e rearranjando as figuras para favorecimento e interesse próprios.

Pigmalião e Galateia

O mito de Pigmalião e Galateia foi contado por Ovídio, poeta romano, e ilustra o poder que as mulheres sempre tiveram sobre as imagens, mesmo sem criá-las. Pigmalião, rei do Chipre e escultor, não tinha se casado por ver defeitos e desencantos nas mulheres reais da região. Em busca da mulher perfeita, ele esculpe a estátua de uma bela donzela que o encantou não apenas como a melhor de suas esculturas, mas como a mulher ideal, e a chama de Galateia. A pesquisadora reflete sobre Pigmalião, o criador da imagem, que não é isento dos encantamentos de sua criatura, sendo apoderado por ela. Galateia, por sua vez, ganha vida concedida pela deusa Afrodite, deixa de ser uma estátua e se torna rainha.

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