A leptospirose é uma doença grave, que atinge principalmente as grandes cidades do Brasil. A pesquisa feita por Luciane Schons em sua tese de doutorado pelo Instituto de Química analisou como funciona o mecanismo de defesa da bactéria responsável pela enfermidade, para conseguir descobrir métodos mais eficazes para o tratamento.
A doença é transmitida pela urina do rato, que contém a bactéria Leptospira. Diluída em água doce, como, por exemplo, em alagamento, enchentes, lagos e represas, o micro-organismo se espalha e entra no corpo humano através de lesões na pele ou pelas mucosas (boca, nariz e olhos) em contato com o líquido contaminado. Só no ano passado, mais de 4.500 pessoas sofreram da doença no Brasil e destas, 306 morreram devido às suas complicações, de acordo com o Ministério da Saúde.
No país, dentre as espécies do gênero, a bactéria Leptospira interrogans é a principal responsável pelos casos da doença, mais especificamente de um subtipo do germe, o sorovar Copenhageni. Este foi justamente o alvo da pesquisa de Luciane.
A bactéria tem um mecanismo de proteção chamado sistema SOS, com duas proteínas responsáveis por reparos em eventuais danos ao DNA, a RecA e a LexA. A relação entre elas mesmas e com algumas partes dos cromossomos do micro-organismo determina como ocorrerá a reação aos danos sofridos. Enquanto o micróbio tenta se reestruturar com o sistema SOS, ele diminui a expressão de seus genes patológicos que intensificariam a doença. Por outro lado, ocorrem alterações no DNA da bactéria, que poderiam gerar seres mais resistentes.
É interessante saber como reage uma bactéria ao sofrer alguma lesão, pois, assim, descobre-se seus mecanismos em situações parecidas, como durante a atuação de anticorpos e de outras defesas naturais do organismo humano. Em alguns outros micróbios, eles intensificam sua resposta, deixando os sintomas mais fortes e aumentando os danos nas células do hospedeiro.
Para a experiência, foi utilizada a radiação UV-C para causar danos aos cromossomos da L. interrogans, permitindo que se estudasse a reação de proteção. A frequência é extremamente nociva às células, principalmente às moléculas de DNA. Vale ressaltar que esta radiação não atinge o planeta devido à camada de ozônio, que protege o ecossistema terrestre diante dos seus efeitos.
Os danos provocados no DNA da bactéria acabaram rearranjando o metabolismo dela mesma. Como o prejuízo diminui o crescimento e a manifestação de alguns fatores da doença, as consequências podem ser positivas para o infectado. Porém, com o sistema SOS, os reparos realizados podem causar mudanças na estrutura dos genes e aumentar a variabilidade genética do micróbio. Isto o tornaria mais perigoso no futuro, considerando que poderiam surgir novas populações mais resistentes aos antibióticos. Mas ainda são necessárias mais pesquisas para confirmar se predominam os fatores positivos ou negativos.
Ainda existe outro perigo para ser analisado que envolve a transmissão horizontal dos genes modificados da bactéria. Neste caso, vírus que estavam dormentes no cromossomo da bactéria podem ser ativados, transmitindo informações do novo material genético para outras bactérias da mesma geração e prevalecendo, desta maneira, genes mais resistentes.
A pesquisa ainda está no seu início. As descobertas sobre as reações da L. interrogans podem ajudar a compreender melhor a doença e a procurar melhores formas para tratá-la. “Sempre é melhor conhecer seu inimigo”, ressalta Luciane. Ainda é necessário investigar melhor as proteínas responsáveis pelo sistema SOS e as suas funções mais específicas dentro do mecanismo, além de fazer testes em modelos animais para avaliar como melhoraria o tratamento da leptospirose.