Pesquisa analisou as cooperativas de materiais recicláveis da região metropolitana da capital paulista e detectou uma presença maior de fungos do que a legislação internacional permite. Conduzido pela farmacêutica Gisele Ferreira de Souza, e realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o estudo buscou identificar a quais poluentes biológicos e químicos os cooperados estão expostos enquanto trabalham.
Após visitarem 11 cooperativas, os pesquisadores selecionaram três: a Cooperação, na Vila Leopoldina, a Cooper Viva Bem e a Coopere, ambas no Bom Retiro. Espaços como a cozinha, o escritório, a esteira, a prensa e a sala de resíduos eletroeletrônicos foram avaliados. Como a tabela abaixo indica, todos os locais analisados, exceto o escritório da Coopere, estão com uma presença de fungos maior do que a permitida pela regulamentação internacional.
Segundo a Conferência Governamental Americana de Higienistas Industriais (American Conference of Governmental Industrial Hygienists – ACGIH), que é um órgão regulador dos ambientes ocupacionais, espaços com mais de 250 UFC/m³ (unidades fúngicas formadoras de colônias) colocam em risco a saúde dos trabalhadores. A pesquisadora explica que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) permite até 750 UFC/m³, três vezes mais do que os parâmetros internacionais. Gisele acredita que isso se deve ao fato de a ACGIH atualizar seus dados anualmente, enquanto a Anvisa revê seus parâmetros com menos frequência.
Para o trabalhador, o contato constante com os esporos fúngicos e as micotoxinas que eles produzem podem causar doenças respiratórias ou dermatites. “Esses poluentes ambientais podem prejudicar e causar, por exemplo, reações alérgicas. Esses trabalhadores podem ter como sintoma febre, espirro, corrimento nasal, olhos avermelhados e erupções na pele”, explica a farmacêutica.
Uma das justificativas para a alta presença de fungos é a grande quantidade de material orgânico que ainda chega até as cooperativas. “A gente encontra muitos problemas na coleta, algumas vêm com o material bem preparado, outras contém muitos rejeitos, material molhado, que são os restos de comida, as cascas de alimento. Isso não deveria chegar até nós”, afirma Élia Terezinha de Oliveira, tesoureira da Cooperação.
Gisele explica que o brasileiro não tem o hábito de separar o material reciclável do orgânico, então há a produção constante de bolores e fungos. “É o resto de leite na caixinha Tetra Pak, é o pedaço de chocolate no papel alumínio, é a isso que se deve essa quantidade fúngica”, completa a pesquisadora.
O estudo
Essa pesquisa faz parte de um estudo maior conduzido pelo professor Nelson da Cruz Gouveia, que está sendo pioneiro na análise da saúde e do ambiente ocupacional de pessoas que trabalham com a coleta e separação de materiais recicláveis. Conta inclusive com o apoio do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).
No trabalho de Gisele, por exemplo, além poluentes biológicos, foram analisados a presença de metais no ar e no solo. No entanto, foi concluído que não há uma quantidade de resíduos metálicos que apresente risco a saúde do trabalhador. Todos os valores encontrados estão abaixo do limite internacional, não representando sequer 0,01%. Para a farmacêutica, isso acontece “porque eles não queimam ou aquecem o metal, já que eles não fazem a reciclagem. Eles só separam o que chega até a cooperativa.”
Além disso, a pesquisadora também contabilizou a quantidade de resíduos farmacêuticos que as cooperativas recebem. Segundo a pesagem, a Cooperação e a Coopere receberam 5 quilos de resíduos medicamentosos por semana, enquanto a Cooper Viva Bem recebeu cerca de 3 quilos no mesmo período. Para o trabalhador da cooperativa, o risco está na automedicação, além do perigo causado pelo contato com produtos químicos vencidos. “Já existem algumas farmácias que trabalham com o descarte consciente de medicamentos, incinerando-os. Assim eles não são jogados na pia ou no lixo, podendo atingir rios, aterros sanitários e cooperativas de recicláveis”, explica Gisele.
O perfil das cooperativas
Enquanto analisavam as condições do ambiente, os pesquisadores conseguiram fazer uma avaliação do perfil socioeconômico dos cooperados. Em todas as cooperativas analisadas, percebeu-se que a maior parte dos trabalhadores é composta por mulheres na faixa de 40 anos e com nível baixo de escolaridade.
Também pontuou-se que há baixa aderência aos equipamentos de proteção individual (EPIs). ”A gente chegava nas cooperativas e eles não estavam usando botas, luvas ou máscara. Não porque não tinham acesso, mas porque o material não era considerado adequado para o trabalho”, comenta a farmacêutica.
Élia de Oliveira, tesoureira da Cooperação, afirma que os EPIs são entregues regularmente, mas que o uso fica a cargo de cada cooperado. Romilson Bonfim da Silva, que separava materiais eletroeletrônicos durante a entrevista, disse que geralmente não usa luva, pois sente que perde a agilidade ao fazer seu trabalho. Em contrapartida, Maria Eliane Augusto afirmou usá-las, principalmente quando separa vidros. “Só não uso a máscara, porque não consigo, não me adaptei”, completa a trabalhadora.
Confira a entrevista em vídeo com a pesquisadora: