ISSN 2359-5191

17/06/2016 - Ano: 49 - Edição Nº: 78 - Economia e Política - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
A produção de seda no Brasil
Melhor seda do mundo gera renda para mais de quatro mil famílias em pequenas propriedades rurais
Cada bicho-da-seda tece o seu casulo no período de três dias dentro das divisórias de uma estrutura de papelão. Foto: Fernando Cremonez/UOL

No ateliê de moda da estilista Flavia Aranha, toda a seda utilizada vem do norte do Paraná, região conhecida por produzir os melhores fios de seda do mundo. A principal fornecedora da marca é a empresa Casulo Feliz, localizada no município de Maringá, que usa casulos defeituosos, descartados pela indústria, para produzir os fios, fornecidos a grifes de moda do país.

“A seda é um tecido nobre, que exerce um fascínio sobre as pessoas. Não é a toa que grandes civilizações foram fundadas em sua rota comercial”, diz a equipe do ateliê. Por ser uma fibra natural proteica, ela recebe bem o tingimento natural pelo qual a marca de Flavia é bastante conhecida. Urucum, chá mate, hibisco, jabuticaba e açafrão são alguns dos ingredientes aplicados nas tinturas.

A criação do bicho-da-seda no Brasil, com a chamada sericicultura, está concentrada no Vale da Seda paraense, que compreende um total de 29 municípios. No estado de São Paulo, Bastos, Gália, Duarte e Fernão são algumas cidades inseridas no ciclo produtivo. O país é o terceiro maior produtor de seda do mundo, atrás apenas da China e da Índia.

Ainda assim, o tecido brasileiro se destaca dos demais. Isso porque, nos países asiáticos, a seda é produzida por pequenos ou micro produtores independentes. Com a falta de uniformidade, portanto, “não produzem com o padrão de qualidade exigido pelo mercado mundial”. É como explica o pesquisador Antonio José Porto, que atua na sede da APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios) em Gália.

Os fios “tecidos” em volta de si mesmo pelo inseto Bombyx mori constituem, na realidade, o seu casulo, onde ele deve permanecer até que sofra metamorfose. Nos galpões de criação, no entanto, os casulos são recolhidos e aquecidos antes que a transformação ocorra, provocando a desidratação do animal que está dentro dele. Uma possibilidade de destino para os insetos mortos é a exportação para o Japão, onde o seu farelo é usado para a produção de ração de peixe.

As formações com algum defeito são descartadas ou usadas para a produção de tecidos de menor qualidade — ou ainda, como no caso da Casulo Feliz, de tecidos únicos, cobiçados por estilistas de moda. Já os casulos considerados bons são “cozidos” em água quente para facilitar o processo contrário daquele que os originou: desenrolar o único fio que constitui cada um deles, o qual pode chegar a medir até 1,3 quilômetros (1.300 metros).


Em seguida, os fios são unidos em meadas (semelhantes a novelos de lã) de 300 gramas e vendidos em pacotes de três quilos, 90% dos quais são direcionados para exportação. Os principais compradores são países como Japão, Coreia do Sul, Vietnã, Itália e França. Para a produção de cada quilo de fio de seda, são necessários 6,3 quilos de casulos.

A sericicultura é uma importante fonte de renda para pequenos produtores rurais, ajudando a fixar famílias no campo. No Vale da Seda, aproximadamente quatro mil famílias se ocupam com a atividade. As lagartas são criadas em esteiras dentro de barracões, que podem variar de tamanho de acordo com a disponibilidade de espaço. A média do ganho mensal é de R$750, e o investimento inicial não demanda altos custos.


Amoreiras

Em suas propriedades, os produtores rurais recebem as lagartas de fornecedores quando elas possuem 11 dias de vida. Assim, não se envolvem com a criação das mariposas e nem com o manejo dos ovos e das larvas. Os bichos-da-seda são colocados em esteiras e, durante aproximadamente dez dias, antes de começarem a tecer os casulos, têm uma só atividade: comer.

A dieta é simples: alimentam-se única e exclusivamente de folhas de amoreiras, alimento rico em proteínas. Essa restrição traz, contudo, o desafio do fornecimento constante do alimento, que deve estar fresco. Por isso mesmo, o cultivo das árvores divide espaço com a produção dos casulos. Selecionadas especialmente para a produção de folhas, as plantas não são servem para a colheita de frutos.

Segundo Porto, os produtores brasileiros usam o método de estaquia no plantio das árvores, de modo a preservar as características genéticas da planta-mãe. É também mais prático e econômico. Os talos e as folhas são colhidos rentes ao solo, com a chamada condução em cepo. Na Ásia, o comum é colher apenas as folhas, para que as árvores não fiquem vulneráveis durante os invernos rígidos e os períodos de neve.

A eliminação constante da parte aérea da planta dificulta a ação de pragas e doenças nos ramos. Já as complicações que afetam as raízes são mais comuns. “Principalmente em terrenos novos ricos em matéria orgânica”, lembra o pesquisador da APTA.

Para o aumento da produtividade, é possível fazer o uso de dietas artificiais para a alimentação das lagartas. O professor da Unesp de Dracena Daniel Nicodemo, no entanto, afirma que esse tipo de alimentação ainda precisa ser aprimorado no Brasil. “O gargalo da alimento artificial é tornar esse alimento interessante às lagartas, assim como as folhas in natura são”, coloca.
 

Galpão de criação onde as lagartas são colocadas para alimentação.

Foto: Fernando Cremonez/UOL


O fio de seda

A seda é formada a partir de uma secreção produzida pela glândula sericígena, localiza na parte inferior da boca da lagarta. O inseto realiza movimentos geométricos em formato do número oito para tecer o casulo ao redor do próprio corpo. Só para quando o líquido se esgota.

O principal componente do fio de seda (70-80%) é a friboína, que se solidifica no momento em que é secretada. É a proteína estrutural do fio. Já a sericina (19-27%) é responsável por manter as fibras de fibroína unidas, sendo inclusive aplicada em tratamentos de beleza para manter os cabelos alisados, devido ao seu alto poder de aderência. Solúvel em água quente, é o seu efeito que se procura neutralizar quando os casulos são “cozidos” antes de serem desenrolados.

Na Universidade Estadual de Maringá (UEM), está localizado o laboratório que é centro de referência nacional em pesquisas para o melhoramento genético do Bombyx mori. Entre os projetos, está o desenvolvimento de casulos coloridos, obtidos por meio da adição de corantes na alimentação das lagartas. Isso dispensaria o tingimento posterior do tecido e otimizaria as etapas da produção.

O Bombyx mori não é o único animal capaz de produzir a seda. Nicodemo lembra que os fios secretados por alguns aracnídeos são semelhantes ao do inseto, e inclusive mais versáteis. “A seda produzida por aranhas (Nephila clavipes) é considerada de qualidade superior porque tem uma maior resistência à tração e elasticidade”, explica o professor. Contudo, por sua exploração econômica ser menor, o seu uso não é amplo.


Origem

Em decorrência do processo de “domesticação” do inseto e da mecanização da produção, os bichos-da-seda não são mais encontrados livres na natureza. É como afirma Denise de Araujo Alves, pós-doutoranda do Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).

Denise explica que a seda foi descoberta em meados de 4500 a.C., na China. A história conta que um casulo caiu na xícara de chá da Imperatriz Hsi Ling Shi e, em contato com a água a quente, desfez-se, revelando o fio produzido pela lagarta. A partir de então, o tecido passou a ser usado pela família imperial chinesa, apenas séculos mais tarde sendo produzido na Europa e no Japão.

No estado de São Paulo, há registro de uma fiação inaugurada em 1850, no município de Sorocaba. Sem apoio estatal, no entanto, ela logo faliu. Posteriormente, a sericicultura paulista pôde se desenvolver a partir do conhecimento técnico trazido por imigrantes europeus e japoneses, atraídos para o Brasil pela expansão da cafeicultura.

O desenvolvimento da atividade esteve muito atrelado, assim, ao da cultura do café. Não é coincidência, portanto, que os dois ramos tenham se desenvolvido na mesma região do país (centro-oeste paulista e norte paranaense). Afinal, ambos dependem de “climas mais quentes, áreas altas, pouca umidade e, principalmente, mão de obra com características de trabalho familiar”, diz Antonio José Porto.

Assim, com o declínio da cafeicultura a partir da década de 1930, a produção de seda, que já se aproveitava do período de entressafra do café para crescer, ganhou mais espaço na economia brasileira. Paralelamente, a II Guerra Mundial trouxe o aumento da demanda mundial pela seda brasileira, acompanhada por um processo mais intenso da industrialização nacional.

Após esse período, entretanto, o surgimento de fibras sintéticas levou muitos produtores à falência. A produção reergueu-se nas décadas de 1970 e 1980, quando um grande volume de capital privado foi investido no setor por parte de empresas nacionais e internacionais. A atividade voltou-se, então, para a exportação de fios de alta qualidade para os mercados asiático, europeu e norte-americano.

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