Com o suporte teórico de Marshall Berman, Jonathan Culler e Gaston
Bachelard, o objetivo deste artigo é fazer uma leitura dos contos A terceira margem do
rio, de Guimarães Rosa, e História porto-alegrense, de Moacyr Scliar. Pretende-se
analisar os complexos meandros de vida dos dois protagonistas e problematizar os laços
que compõem a estrutura das narrativas, já que a enunciação dos narradores (atuando
como partícipes), o tempo das narrativas e a atmosfera para a construção dos dois
universos apresentam características em comum. Partindo do discurso literário, nos dois
textos, será sinalizada a percepção dos narradores na construção e representação do
imaginário. Pretende-se abordar e discutir o jogo das palavras presentes nos textos, que
conduzem o leitor no fluir da narrativa.
O objetivo desta tese é contribuir com a reflexão acerca das formas de representação de grupos marginalizados na literatura brasileira, especificamente no que se refere aos indivíduos psiquicamente perturbados – referidos como loucos. Tomada como objeto social, a loucura é construída por uma rede de discursos que circulam socialmente em relação ao ser do louco e da especificidade da loucura. Se o fenômeno pode ser tratado sob diferentes perspectivas, também o discurso literário, como fonte e espaço de representações, contradições e tensões, pode expressar um saber sobre esse objeto, possibilitando uma compreensão do louco enquanto alteridade, e mesmo como uma identidade social, considerado sujeito da diferença. Partindo do estudo de obras ficcionais literárias relativamente recentes, esta tese aponta a seguinte constatação: conforme o modo de representação da personagem louca, o texto literário estaria operando uma visão emancipatória em relação a esse grupo marginalizado, ou, por outro lado, reforçaria os estereótipos e os preconceitos existentes no espaço social, ao passo que as uto-representações centram-se na linguagem e na escrita como estratégias para revelação de novas identidades sociais. Mediante uma análise estrutural da composição da personagem, examina-se o modo de representação na construção da identidade e da alteridade, apontando elementos usados nos textos que configuram identidades deterioradas pelo estigma de loucas. Este estudo contempla obras narrativas ficcionais da literatura brasileira publicadas no período compreendido entre 1951 e 2001. Enquanto as representações da alteridade são colhidas dos textos literários ―A doida‖ (1951), de Carlos Drummond de Andrade; ―Sorôco, sua mãe, sua filha‖ (1962), de Guimarães Rosa; ―As voltas do filho pródigo‖ (1970), de Autran Dourado; Armadilha para Lamartine (1976), de Carlos Sussekind; O exército de um homem só, (1973), de Moacyr Scliar; e O grande mentecapto (1979), de Fernando Sabino; as auto-representações são obtidas das obras Hospício é Deus (1965), de Maura Lopes Cançado, e Reino dos bichos e dos animais é o meu nome (2001), de Stela do Patrocínio. Para fundamentar teoricamente a discussão sobre o problema, toma-se como base a teoria da narrativa, com uma abordagem em que se cruzam pressupostos das teorias da identidade e da Teoria das Representações Sociais com o pensamento filosófico de Michel Foucault. No desenvolvimento da análise, considera-se ainda a contribuição das pesquisas da antropologia social, de Erving Goffman, em diálogo com a visão política dos estudos culturais, além de textos de antipsiquiatras, como Thomas Szasz e David Cooper, que debatem o estatuto da loucura no mundo contemporâneo.
A presente tese objetiva apresentar, numa perspectiva epist emológica e ficcional, a relação entre a Bíblia e a Literatura. Dividido em duas partes, este estudo contempla primeiramente uma abordagem em torno da crítica literária que tem se debruçado sobr e a relação entre o texto biblista e o universo dos estudos literários. Do conjunto de estudiosos que se dedicaram a estudá-la, pinçamos dois importantes nomes da crítica literária internacional no século XX que se detiveram sobre esta interação em perspectiva que se pode dizer complementar e rizomática, conforme os postulados da epistemologia proposta por Gilles Deleuze e Félix Guattari. São eles o canadense Northrop Frye e o norte-americano Harold Bloom. De ambos, Harold Bloom é o que mais intensamente estabeleceu o diálogo entre o livro judaico -cristão e a Literatura. A partir das instigantes ilações destes teóricos, abrimo s para um segundo momento que estabelece a relação entre o pensamento desses estudiosos, com ênfase em Bloom, e a ficcionalidade lusófona de três recortes romanescos: A mulher que escreveu a Bíblia, de Moacyr Scliar; Caim, de José Saramago e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Estas obras são analisadas em diálogos intertextuais com outras representações literárias nacionais e internacionais que contemplam a relação entre a Bíblia e a Literatura numa abordagem de hipertextualidade da conceituação de Gérard Genette, que por sua vez dialoga com as considerações de Linda Hutcheon alusivas aos estudos sobre a paródia. Como metodologia, servimo -nos da pesquisa bibliográfica relativa ao objeto de pesquisa pertinente à tese. Como resultado de nossa pesquisa, chegamos à conclusão de que há uma farta cartografia, de que este trabalho constitui um exemplo, que referenda a existência do rizoma bíblico-literário, o que conduz à proposição de que a Bíblia, um dos mais importantes códigos artísticos da cultura Ocidental, é uma obra que pode ser vista como uma peça literária, como advoga Harold Bloom, sem prejuízo algum do rizoma que a vincula à religiosidade, funcionando como um dos mais instigantes hipotextos da Literatura no Ocidente, passível de ser também pesquisado em um nível de alta erudição em sua hipertextualidade.