Partindo de ponderações não apenas conceituais/reflexivas como também expressivas/literárias, este texto procura tensionar obras de campos distintos. O filosófico - em que o principal alicerce é a racionalidade conceitual - e o artístico em que ganham relevos os aspectos miméticos expressivos. Este entrelaçamento procura desvelar contrapontos entre o conto literário O Espelho, de Guimarães Rosa e as reflexões filosóficas suscitadas na Teoria Estética e na Dialética Negativa de Theodor Adorno. Essas obras, em seus distintos campos e com suas diferentes formalizações, colocam em tensão forças contraditórias. De um lado o esforço persistente do conceito que, mesmo ciente de seu fracasso e da impossibilidade de atingir suas próprias pretensões, procura dizer algo de indizível, explorando os seus limites em direção ao seu oposto, o não conceitual no objeto conceituado. Do outro lado do espelho, como um negativo do movimento do conceito, a narrativa de Rosa explora os aspectos expressivos da palavra de modo a revelar no objeto detalhes opacos ao conhecimento conceitual. No caso especifico, um conto que procura espelhar tanto um ensaio filosófico quanto um experimento empírico, colocando como objeto de análise, a própria imagem no espelho.
O artigo realiza um cotejo entre a perspectiva literária do escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1067) e o pensamento estético do filósofo alemão Herbert Marcuse (1898-1979) sobre a papel da literatura como resistência política. O esforço é o de pensar as aproximações e os distanciamentos entre a estética literária de Rosa e de Marcuse a partir de dois mirantes: o do escritor e o do filósofo, no sentido de apreender a instância questionadora da matéria literára. No final do artigo, à guisa de considerações finais, são apresentados alguns apontamentos para se pensar a literatura como fonte de conhecimento, tendo as reflexões roseanas e marcuseanas como fundamento.
É possível falar de um exotismo essencial na obra de João Guimarães Rosa ou, ao menos, que ela possui peculiaridades de uma humanidade local frente aos olhos de um citadino letrado? Se, por um lado, tal leitura é possível e legítima, por outro, não estaríamos correndo o risco de cair em um reducionismo demasiadamente simplista? Não seria melhor pensarmos que a verve desse autor, a idiossincrasia de seus personagens, sua linguagem e seu universo ocultam questões fundamentais capazes de suscitar reflexões que podem subverter as condições impostas pela realidade vigente? Tal é a hipótese que guiará nossa investigação. Buscaremos reconhecer o caráter exemplar dessa obra frente ao controle exercido por uma racionalidade soberana e soberba, inserindo-a no rol da modernidade artística.
Com o suporte teórico de Marshall Berman, Jonathan Culler e Gaston
Bachelard, o objetivo deste artigo é fazer uma leitura dos contos A terceira margem do
rio, de Guimarães Rosa, e História porto-alegrense, de Moacyr Scliar. Pretende-se
analisar os complexos meandros de vida dos dois protagonistas e problematizar os laços
que compõem a estrutura das narrativas, já que a enunciação dos narradores (atuando
como partícipes), o tempo das narrativas e a atmosfera para a construção dos dois
universos apresentam características em comum. Partindo do discurso literário, nos dois
textos, será sinalizada a percepção dos narradores na construção e representação do
imaginário. Pretende-se abordar e discutir o jogo das palavras presentes nos textos, que
conduzem o leitor no fluir da narrativa.
O texto pretende compreender o processo de metamorfose sofrida pela personagem
Riobaldo na obra Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa a partir das ideias deleuzianas de
Corpo Sem Órgãos – Plano de Imanência, e dos conceitos de devir e multiplicidade. Deleuze
identifica os diversos devires ou os estados intensivos a processos de metamorfoses ou de
variação de multiplicidades. A cada vez ocorrem afetos que determinam no Corpo Sem Órgãos
um “eu” sempre em devir. Tornar-se diabólico, no caso de Riobaldo, significa, então, estar no
limiar da afetabilidade do diabo. Riobaldo adquire qualidades novas e novas relações de
movimento a partir do pacto com o diabo. É esse tornar-se diabólico, então, a metamorfose de
Riobaldo. A relação de Riobaldo com o diabo é uma dessas experimentações onde são
produzidos os atributos do Corpo Sem Órgãos. O pacto de Riobaldo é, então, um devirdiabólico.
Embora Guimarães Rosa nunca tenha lançado nenhum manifesto que abordasse seu projeto estético-literário, a força de sua narrativa influenciou vários escritores (além fronteiras brasileiras). Um deles foi Mia Couto, laureado escritor moçambicano, que produz contos, romances e ensaios tendo (como alguns de seus temas) a reconstrução do espaço moçambicano e uma redefinição identitária de seu povo. Em uma análise comparativa a partir de “Grande sertão: veredas” de Guimarães Rosa e de “Um Outro Pé de Sereia” de Mia Couto (além de outras obras do renomado escritor – “Terra Sonâmbula” e “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”), realiza-se, nesta comunicação, uma identificação da presença de várias características estruturais (sobretudo na sobreposição cronológica – deslocamento temporal para discutir o presente a partir do passado). No entanto, essa característica juntamente a outras (múltipla estrutura de gêneros – tal como uma matrioska; foco narrativo múltiplo; narração polifônica etc.) servem a uma composição estética mais ampla que denomino de hiper-regional; e essa, por sua vez, teria como objetivo principal, além de uma transfiguração mítica do espaço e tempo em um novo eixo cronotópico bakhtiniano, uma reconfiguração dinâmica da identidade dos sujeitos no que Michel Maffesoli denominou de “enraizamento dinâmico”.