A escritura de Grande sertão: veredas, ao reconstituir sua linhagem, fundamenta-se na hybris, na desmedida instauradora do trágico, elemento constitutivo do drama desde os primórdios da sua história no Ocidente. A hybris faz explodir o substrato linguístico da escritura, espalha-se na constelação de signos, onde se observa um excesso de significantes e de significados, transbordamento que instala a transgressão - força dionisíaca geradora do trágico - no próprio corpo da linguagem. Para esta reflexão procura-se recortar diversos fios entrelaçados para reconstituírem biograficamente a constelação dos signos de Grande sertão: veredas. Em um primeiro movimento, esboça-se o parentesco entre a escritura de Grande sertão e a de Ulysses e Finnegan's Wake, de James Joyce, pois, do ponto de vista estritamente linguístico, elas se irmanam por terem deflagrado a hybris, a transgressão que atinge diretamente o corpo físico da linguagem, por meio do estilhaçamento e fragmentação dos significantes e significados. Nesse sentido, tanto Rosa como Joyce submetem a língua a uma agônica dramatização fundamentada nesse elemento dionisíaco e trágico. Em um segundo andamento, procura-se compreender como esse elemento transgressor no plano dos valores estéticos e linguísticos repercute nos valores históricos, sociais, religiosos e éticos.
The regional element of both masterpieces has as an important element the use of the spoken language of the time, incorporating colloquialisms, local proverbs and images and ways of expression in conflict with the standard speech of the period. The result of this element makes the books decidedly
regional while lifting them into universality because of the theme and the dramatic conflicts.
A partir da situação de obras-limite como Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa (e o Finnegans Wake, de James Joyce, por exemplo) o texto apresenta um argumento em favor da traduzibilidade da literatura como tal e, especialmente, das obras literárias mais radicais, propondo inclusive que essa sua radicalidade torna ainda mais central sua condição de “traduzíveis”. Ao longo de uma comparação entre obras literárias, musicais e pictóricas, e seus diferentes conceitos de original e reprodução, o texto sustenta que a reprodutibilidade é por necessidade corolário da base linguística da literatura, o que acarreta a traduzibilidade necessária como premissa menor, derivada, e, portanto, quase inquestionável.
Este trabalho propõe uma abordagem teórica da evolução do conto como gênero nos séculos XIX e XX, analisando momentos representativos de seu desenvolvimento formal em literaturas de expressão linguística inglesa e portuguesa. Para tanto, foram selecionadas obras de escritores que sintetizam e articulam certas tendências comuns ao gênero. Destacam-se, ao longo do trabalho, os contos escritos por Edgar Allan Poe, João Guimarães Rosa, James Joyce, Jorge de Sena, Virginia Woolf e Clarice Lispector, aos quais também se adiciona a produção dos irmãos Grimm, de Alexsandr Afanas’ev (advindos de outras expressões linguísticas) e de Câmara Cascudo. Os contos são discutidos a partir do tratamento enunciativo das formas de tempo e espaço e das relações dialógicas entre as diversas consciências que constituem as narrativas (autor, narrador e personagens), além da particular tensão, percebida na evolução do gênero, entre as tentativas de aproximar formalmente o conto de, por um lado, uma expressão de caráter comunitário, e, por outro, uma expressão de caráter individual.
Após as repercussivas transformações dos campos investigativos das ciências humanas ocorridas mais intensa e explicitamente a partir da segunda metade do século XX, e da qual resultou a colocação do conceito de “multiplicidade” no eixo das reflexões epistemológicas, quaisquer tentativas de acionar um modo de organização múltiplo passaram a ser vistas com máxima desconfiança, já que ao denunciar a arbitrariedade da fixação de um centro regulador em sistemas discursivos e propor uma investigação das estratégias de afirmação e manutenção desses sistemas arbitrários, a leitura predominante das emergentes teorias do múltiplo tendeu a associar o próprio conceito de organização a um potencial instrumento de corrupção, ou um mero conjunto de estratagemas de poder. Daí uma das principais questões que norteiam a contemporaneidade é examinar a possibilidade de se organizar o múltiplo sem que o modo de organização composto venha a se tornar um instrumento de dominação a ser manipulado pelos grupos que detenham as formações de saber, isto é, o poder. Impulsionados por tal reflexão-chave do pensamento sobre a organização descentrada do múltiplo na atual episteme de passagem, este trabalho se debruçará sobre cinco conceitos ou linhas de força (“relação”, “paradoxo”, “sistema”, “estrutura” e “processo”) cujo pormenorizado exame nos permitirá refletir sobre o modo como o pensamento tendeu a ser condicionado dualmente e para onde apontam os ímpetos de reconfiguração da forma hegemonizada. A fim de visualizarmos um outro modo de organização (harmonia) desprendido da dualidade, destacaremos, ao longo de todos os capítulos, os mais diversos aspectos organizacionais de Finnegans Wake, Grande sertão: veredas e Galáxias, na medida em que o modo como esses textos se organizam corresponde ao redimensionamento das linhas de força enfocadas. Ao adentramos a dinâmica funcional de Finnegans Wake, Grande sertão: veredas e Galáxias, veremos a passagem de um modo de cada sistema se ver (arbitrariedade) para um modo de conjuntamente nos ouvir (diálogo intersistêmico), donde a reconfiguração do pensamento poder ser vista sumariamente como a substituição da arbitrariedade/violência instalada no centro da dualidade por um eixo dialógico propulsor de outras estratégias que combatem as reduções e homogeneizações duais, ao passo que sustentam e fortalecem o diálogo no comando de um pensar processológico ou polifônico no qual a linguagem do processo se cria – redimensiona-se – com base em um diálogo descentrado entre suas múltiplas perspectivas moventes.