No conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, um homem do interior do Brasil parte em sua canoa para aí permanecer, entre as margens, como a formar, como o título indica, a margem ausente de todas as margens. Em “O livro das ignorãças”, do poeta Manoel de Barros, as águas também parecem apontar para esse lugar sem lugar em que as “águas não têm lado de lá.” Assim, por oposição à “terra firme”, as águas aparecem nos dois autores como desterritorialização dos espaços positivos, incitando-nos a refletir sobre uma ética da ficção em que “aquilo que não havia, acontecia”, como lemos no conto de Rosa. O objetivo deste artigo é analisar essa presença das águas nos textos indicados enquanto marca de construção de um regime ficcional em que a dicotomia entre as categorias de verdade e mentira dariam lugar às potências do falso como princípio poético daquilo que Derrida irá chamar de acontecimento.
Este trabalho busca evidenciar, em contraponto, a figurativização do discurso metapoético na poesia de Manoel de Barros e na ficção de Guimarães Rosa. Para tanto, analisamos o poema “O fotógrafo” e o conto “Cara-de-Bronze”. Utilizamos estudos que versam sobre o processo de composição poética e a teoria semiótica greimasiana.
O discurso das poesias de Manoel de Barros e o das narrativas de Guimarães Rosa constroem estilos poéticos erigidos, em muito, a partir do tropos imagético. Em Barros, a metáfora instaura – valendo-se de rupturas semânticas, fragmentação de frases, montagem caótica de versos, ausência de semelhança causal entre as coisas – significação que subverte o real como denúncia da coisificação do homem por sociedade desumanizadora
que precisa, urgentemente, ser modificada, subvertida, revolucionada. Em Rosa, a metáfora surge, quase sempre, na reiteração de imagens, embalada por onomatopeias, crispada por neologismos, amplificada por subversiva sintaxe, em jogo lúdico que exprime o ethos poético e a ética do autor. Este artigo analisa em paralelo o estilo dos dois autores, examinando – em suas obras – a elaboração do jogo metafórico e respectivos efeitos de sentido.
A proposta desta tese é refletir sobre a infância, tendo em vista a problematização de conceitos paradigmáticos sobre o tema, via de regra, impregnados dos sentidos de falta, carência e incompletude. A abordagem cristalizada da infância como um estado precário, provisório e lacunar é equacionada neste trabalho cujo desafio é lançar outras propostas de leitura para o tema, dentre as quais o tratamento da infância como acontecimento, ligado à esfera do novo e da criação. Para tal discussão, este trabalho ancorou-se especialmente nos textos teóricos de autores como Walter Benjamin, Giorgio Agamben e Gilles Deleuze, com o propósito de pensar sobre as possíveis relações entre a literatura e a infância. Tais relações se pautaram nos contos "Jardins e Riachinhos", de Guimarães Rosa. Para explorar este modo de ver a infância buscamos convergências de narrativas rosianas aqui exploradas com textos de Manoel de Barros, Bartolomeu Campos Queirós e Graciliano Ramos. A partir de imagens literárias desses escritores foi-nos possível identificar uma poética da infância ou infância da escrita. Trata-se de escritas tecidas pelo viés de criação e desvelamento, a partir de um contínuo brincar com as palavras. O infantil na literatura foi explorado não somente como um tema, mas principalmente como uma estrutura, ou seja, uma maneira de se escrever e dar a ver a infância em seu contínuo e criativo devir, subvertendo-se, assim, a idéia de que a infância se reduz a um tempo da carência, lacunaridade e insuficiência.
O presente estudo está vinculado à linha de pesquisa Poéticas da Modernidade e da Pós-Modernidade, do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na área de Literatura Comparada - CCHLA/UFRN. Seu objetivo principal é observar a fragmentação da escritura como recurso estético privilegiado em Tutaméia, de Guimarães Rosa (1908-1967), e no Livro sobre nada, de Manoel de Barros (1916). Na pesquisa, adotamos como ponto de partida a visão de que essas obras são expressões alegóricas. Tomamos como base a concepção do filósofo alemão Walter Benjamin (1984) sobre a alegoria barroca, a qual se vale do fragmento amorfo e se constitui numa expressão dialética, em que cada pessoa, cada coisa, cada relação, pode significar qualquer outra (1984, p. 196). Observamos os recursos estilísticos usados tanto por Guimarães Rosa quanto por Manoel de Barros na construção de poéticas capazes de romper com os limites entre os gêneros artísticos, literários e discursivos, agregando à escrita elementos orais, musicais e plásticos. Analisamos ainda a elaboração de poéticas fragmentárias, em que a voz do narrador/eu-lírico, as personagens, o espaço, o enredo e o tempo exibem o fragmento como elemento que contribui para a grande ambiguidade das duas obras e para a criação de uma linguagem nova, performática e vibrante, rica em sedutoras imagens, alegorias.
Instituto de Letras, Departamento de Teoria Literária e Literaturas
Este texto discute o sentido da criação com as sobras, especialmente no mundo Contemporâneo, caracterizado, entre outros aspectos, pela exacerbação do consumo e pelo esgotamento dos recursos naturais. Parte da observação do trabalho dos artistas Marcos Chaves, Arthur Bispo do Rosário, S. Gabriel Joaquim dos Santos e Frans Krajcberg e propõe uma aproximação entre eles em função de uma característica comum: o aproveitamento, em suas criações, do que é considerado lixo, sucata ou resto. O conto “Partida do audaz navegante”, de João Guimarães Rosa, é analisado ao lado da obra desses artistas e interpretado como uma alegoria do processo criativo que se realiza pelo aproveitamento das sobras. A poesia de Manoel de Barros perpassa todo o texto, contribuindo para a reflexão acerca das sobras na criação, uma vez que o poeta enfatiza a sua opção pelos seres, palavras e coisas desimportantes.
A dissertação investiga a escritura formativa, simultaneamente, como processo de criação e como processo formativo. Para tanto, se lastreia num enfoque autobiográfico com base no ensaio (Larossa, 2006) amplamente matizado pela obra poética da pesquisadora, num diálogo intenso com pensadores, escritores e escritoras que têm a palavra como universo de investigação e criação artística, entre eles a perspectiva fenomenológica de Gaston Bachelard, a hermenêutico-simbólica de Ferreira-Santos (1998, 2004 e outros), Ferreira-Santos e Almeida (2001 e 2012), Loureiro (2008), Willms (2013) e Rubira (2006 e 2015), bem como a dos poetas da terra Guimarães Rosa e Manoel de Barros, e das poetisas das águas Neide Arcanjo e Clarice Lispector. A investigação poética durante o próprio processo (in process) explicita as dificuldades, os obstáculos, impasses, bem como a rica produção escrita e poética derivada desse processo, mais como registro do que como produto. Tal estilo investigativo, incomum aos modelos tradicionais de pesquisa acadêmica, ainda lastreados por uma lógica aristotélica e um pensamento cartesiano, linear e previdente, apresenta-se, no desdobramento e na investigação imagética, nas metáforas da palavra com o barro, a ostra, a canoa, o rio e o mar, cotejando a travessia como grande metáfora formativa. Com originalidade de estilo, esta investigação da escrita de si tenta contribuir com os processos de formação inicial de professores, tanto na especificidade do campo da literatura como da educação em geral que façam uso da escrita de forma ensaística e autoral como criação artística e de si e das artes no cotejamento da alteridade.
Propõe-se uma leitura da geografia poética no discurso ficcional de Guimarães Rosa e em poemas de
Manoel de Barros, enfatizando a presença da terra como identidade cultural. O espaço é demarcado poeticamente pelo escritor mineiro: registro da memória e das estórias orais, pela experiência do sertão que “vige dentro do homem”. E em Barros, a representação espacial configura a opção linguística e existencial por uma poética das “ignorãças”, enfatizando as “grandezas do ínfimo”, recolhidas dos “aguamentos” e do lodo viscoso do pantanal.