A obra de Guimarães Rosa é um vasto manancial de onde brotam em jorro questões e imagens belíssimas, é uma fonte que nunca se esgota, e que umedece o mundo de quem a lê. Pesar de passar a página, disse um poetamigo. Leitura densa, perigosa, lenta: leintura. O verter da linguagem rosiana leva-nos por uma corrente de pensamentos, ações, cenários, que passam como um riachinho raso, pelas canelas, pedrinhas ao fundo, no meio do sertão. Cada palavra, lisa ou pontiaguda, massageia um ponto da palma do pé. Você pode atravessar a vau ou seguir o curso daquele jorro, daquele fluir da linguagem que é a obra rosiana.
Neste ensaio, proponho uma leitura do conto de Guimarães Rosa intitulado “Tapiiraiauara”, presente em Tutameia – Terceiras Estórias (1967), buscando mostrar como, nessa narrativa, por meio do discurso astucioso, o narrador-protagonista é capaz de reverter uma situação de violência iminente. A cena narrada é inserida no contexto do século XX, com a aproximação entre esta estória e as ideias de Hannah Arendt, pensadora fundamental daquele período. A atuação dos dois autores na resistência ao antissemitismo também é levada em conta nesta leitura, que estabelece ainda um diálogo com os mestres Ronaldes de Melo e Sousa e Ronaldo Lima Lins.
Este artigo propõe uma leitura de Tutameia, de Guimarães Rosa (1967). A hipótese inicial é que a composição deste livro seja orientada pela astúcia poética. Nesse sentido, propõe um diálogo entre os mitos gregos da astúcia – Métis, Atena, Hefesto, Hermes e Ulisses – e o pensamento de Heidegger. Trata-se de uma obra pouco estudada pela crítica, que a considera demasiadamente hermética. Neste livro, o autor se vale de todos os recursos disponíveis, da retórica à tipografia, para capturar o leitor e convocá-lo ao trabalho de lê-lo, letra por letra. Tutameia coloca questões fundamentais para Rosa, cuja obra transita na ambiguidade das regiões fronteiriças. Este estudo pretende vislumbrar o sentido da astúcia na travessia humana: uma sabedoria que supera a megera cartesiana, que reaproxima a gente de uma essência esquecida. Astúcia poética é saber que tudo é e não é. O exercício hermenêutico de leitura do livro leva a uma nova leitura do mundo, sem verdades acabadas nem soluções definitivas: a busca não tem fim, pois sempre coloca uma nova questão. A astúcia deste livro está em justamente desvelar velando, iluminar sombreando, explicar confundindo. A cada
nova investida, novos pontos são levantados, tornando mais complexa a visão que ele articula.
Propomos uma análise de Tutaméia — Terceiras Estórias, último livro publicado em vida por João Guimarães Rosa (1967), com ênfase em seus paratextos. Nossa hipótese inicial é que a composição de Tutaméia seja orientada por um projeto estético que prima pela velhacaria, a astúcia do sertanejo. Nosso objetivo é traçar, a partir dos elementos analisados, um esboço de projeto literário do autor. Sobre esta obra existem apenas alguns artigos e citações esparsas, além das leituras de Simões (1988) e Novis (1989). Simões (1988) orienta sua leitura pelos prefácios do livro, enquanto Novis (1989) desvenda suas intratextualidades. Ora, tanto os prefácios quanto as intratextualidades, assim como os paratextos e as intertextualidades, constituem o que Genette chama de transtextualidade do texto. A leitura dos elementos transtextuais em Tutaméia remete-nos a questões fundamentais para Guimarães Rosa, que explora em suas obras a ambigüidade das regiões fronteiriças. É na fronteira do livro que se situam seus paratextos, dispostos em Tutaméia de modo a suscitar dúvidas quanto a seu valor de verdade ou de ficção. Realizamos, nesta dissertação, uma análise de elementos paratextuais de Tutaméia — título, orelhas, índices, listas e dois de seus prefácios, “Aletria e hermenêutica” e “Hipotrélico” — para, a partir deles, chegar às diretrizes que norteiam o estilo de Guimarães Rosa, quais sejam, a valorização da cultura popular, polifonicamente relacionada à erudição livresca do autor, e o experimentalismo lingüístico, que leva ao enriquecimento do vocabulário e sintaxe do português brasileiro, elementos que atuam em conjunto, no sentido de transfigurar a realidade pelo primado da intuição.
Esta tese propõe uma leitura de Tutameia — Terceiras Estórias, último livro publicado em vida por João Guimarães Rosa (1967). A hipótese inicial é que a composição de Tutameia seja orientada pela astúcia poética. Nesse sentido, propõe um diálogo entre as Terceiras Estórias e os mitos gregos da astúcia – Métis, Atena, Hefesto, Hermes e Ulisses –, à luz do pensamento de Heidegger. Trata-se de uma obra ainda pouco estudada pela crítica, que a considera demasiadamente hermética. Neste livro, o autor se vale de todos os recursos disponíveis, da retórica à tipografia, para capturar em suas malhas o leitor e convocá-lo ao trabalho, árduo e prazeroso, de lê-lo, letra por letra. Tutameia coloca questões fundamentais para Guimarães Rosa, cuja obra transita na ambiguidade das regiões fronteiriças. Este estudo pretende vislumbrar na leitura deste livro o sentido da astúcia na travessia humana: a valorização de uma sabedoria que supere a megera cartesiana, que reaproxime a gente de uma essência esquecida. Astúcia poética é saber que tudo é e não é. O exercício hermenêutico de leitura do livro leva a uma nova leitura do mundo, sem verdades acabadas nem soluções definitivas: a busca não tem fim, pois sempre coloca uma nova questão. A astúcia deste livro está em justamente desvelar velando, iluminar sombreando, explicar confundindo. A cada nova investida, novos pontos são levantados, tornando mais complexa a visão que ele articula.