Vinculado principalmente, segundo o clássico estudo de Leonardo Arroyo, A cultura popular em
Grande sertão: veredas, à tradição oral, o suposto pacto com o diabo, na obra de Guimarães Rosa,
tem sua fonte escrita clássica mais antiga, no que diz respeito ao mito fáustico, na peça de teatro A história trágica do Doutor Fausto, de Christopher Marlowe. Se o texto do contemporâneo de
William Shakespeare tem por base a tradução do livro anônimo, publicado em 1587, o Volksbuch,
pelo editor alemão Johann Spies, ele se insere no palco da ambiguidade: Fausto é um exemplum da
moral protestante ou sua face prometeica, como símbolo das aspirações renascentistas? No caso do
opus magnum do escritor mineiro, onde também convergem vertentes eruditas e populares do mito, este não se exila deste terreno da dúvida. Porém, se em Marlowe o contrato demoníaco é eleito como hýbris que leva o personagem à sua possível derrocada pelo concurso com Mefistófeles, em Rosa há uma desconstrução da própria ideia de pacto, em que Riobaldo, ser por excelência dividido, não exibe marcas evidentes do ritual luciferino, mas sua face fantasmática, eco do nada e do desregramento.
O trabalho propõe ao leitor acompanhar o percurso de formação do protagonista de Grande sertão: Veredas mediante a experiência do amor. Com o objetivo de analisar como esse sentimento promove em Riobaldo o aprendizado, o estudo descortina, por meio da constatação do pacto e pela busca do sentido da vida, seu constante processo de transformação interior.
Este texto constitui o segundo capítulo de um estudo sobre a trajetória de Riobaldo em sua oscilação entre o pacto fáustico e a tradição do chamado ?romance de formação e desenvolvimento? (Bildungs? und Entwicklungsroman). Partindo de um trecho do romance O homem sem qualidades em que Musil discute os obstáculos que se colocam à arte da narrativa no século XX (antecipando reflexões teóricas de Adorno, Auerbach, Rosenfeld etc.), o estudo enfoca, no primeiro capítulo, traços do Grande sertão que o vinculariam a um épico mais primitivo. Também se estabelecem aqui algumas relações com o Doutor Fausto de Thomas Mann, romance que tem igualmente no pacto demoníaco o seu motivo nuclear. Quanto ao presente texto, está voltado às formas e imagens que o relato de Riobaldo dispensa aos conceitos de ?mal? e de ?maligno? (assim como ao seu entrelaçamento). Em seguida, enfoca a personagem de Hermógenes, que encarna uma espécie de principium maleficum que dificilmente encontra paralelo na literatura ocidental. Para expor essa especificidade da personagem rosiana, o estudo procede por fim a uma comparação com a representação do Mal (e sua correspondente personagem) no romance barroco Simplicissimus, de Grimmelshausen.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Teoria Literária e Literatura Comparada
Para Davi Arrigucci Jr., em O mundo misturado: romance e experiência em Guimarães Rosa, a canção de Siruiz contém, cifrada em suas palavras enigmáticas, o destino de Riobaldo. O propósito deste estudo é, a partir da análise mitopoética dos versos dessa canção e dos que o próprio protagonista-narrador do Grande sertão: veredas compôs para complementá-la, tentar decifrar o destino individual do herói problemático Riobaldo e os plurais e dialéticos sentidos de sua travessia. Para tanto, embasados na fortuna crítica e no acervo de leituras, depoimentos e cartas de Rosa, buscamos analisar comparativamente o motivo da canção no romance, em algumas das demais obras do autor, e em clássicos como a Teogonia, de Hesíodo, a Vita Nuova e A Divina Comédia, de Dante Alighieri, Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister e o Fausto, de Goethe, a obra inacabada Heinrich von Ofterdingen, de Novalis, além de levantar alusões à Bíblia, à tradição fáustica e à tradição romanesca medieval que, ao que tudo indica, também serviram de inspiração e intertexto para Rosa na gênese e nos desígnios da canção de Siruiz e de seus contextos de representação.
Pretendemos com este trabalho abordar sobre a forma do pacto faústico em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Para tal, mencionamos desde a origem do Mito Faústico até as obras literárias que se destacaram ao abordar sobre o assunto, dentre elas: The Tragical History of the Life and Death of Doctor Faustus (1987) de Christopher Marlowe, Fausto (2003) de Johann Wolfgang von Goethe, Doktor Faustus (1984) de Thomas Mann, entre outras. Este tema se faz relevante, pois um dos núcleos do romance acontece pelo questionamento sobre a existência ou não do diabo, esta que perpassa a reflexão do narrador-personagem sobre sua vida e suas ações. O próprio Riobaldo afirma que o demônio é o próprio sertão. E com suas artimanhas, devagarinho, vai conquistando os homens e o que quer. A apresentação do diabo se configura na obra como o grande poder místico e sagrado.
Este trabalho de dissertação examina a simbologia do trato diabólico no romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, em relação ao pacto fáustico, de Goethe, e assim tenta apreender como na linguagem rosiana estão dispostas as estratégias que põem em suspense a efetividade do acordo demoníaco e possibilitam, com intensividade poética, diversas interpretações, sobretudo no que diz respeito às angústias da condição humana. Para tanto, a pesquisa respalda-se na Simbologia Mítica, na Crítica Literária e em aspectos da Metafísica, além da análise de clássicos ensaios literários, na abordagem da estrutura da obra-prima de Rosa. Busca-se demonstrar que a incorporação da lenda de Fausto em Grande sertão reflete o mesmo desejo de felicidade que não se realiza por completo e, destarte, instiga a discussão sobre os limites à satisfação do ser humano. Desse modo, observa-se que a épica narrativa do ex-jagunço Riobaldo ao doutor da cidade especula sobre o homem humano, na aprendizagem contínua de sua travessia