O texto pretende compreender o processo de metamorfose sofrida pela personagem
Riobaldo na obra Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa a partir das ideias deleuzianas de
Corpo Sem Órgãos – Plano de Imanência, e dos conceitos de devir e multiplicidade. Deleuze
identifica os diversos devires ou os estados intensivos a processos de metamorfoses ou de
variação de multiplicidades. A cada vez ocorrem afetos que determinam no Corpo Sem Órgãos
um “eu” sempre em devir. Tornar-se diabólico, no caso de Riobaldo, significa, então, estar no
limiar da afetabilidade do diabo. Riobaldo adquire qualidades novas e novas relações de
movimento a partir do pacto com o diabo. É esse tornar-se diabólico, então, a metamorfose de
Riobaldo. A relação de Riobaldo com o diabo é uma dessas experimentações onde são
produzidos os atributos do Corpo Sem Órgãos. O pacto de Riobaldo é, então, um devirdiabólico.
Este artigo analisa a relação homem-animal no conto “meu tio o Iauaretê”, de Guimarães Rosa. Entende-se aqui que a metamorfose física, que ocorre ao final da história, é parte de uma transformação maior e mais completa, que antecede a primeira e se torna visível nos hábitos, na linguagem, nos sentimentos e nos gostos do onceiro-narrador. O artigo concluiu que a metamorfose, no conto rosiano, não ocorre em um movimento brusco e inesperado, mas em um longo processo de mudança de identidade, no qual a cultura e a humanidade são rejeitadas em favor da natureza ancestral.
O presente trabalho se propõe a apresentar uma visão geral de Tutameia, a partir do estudo aprofundado de três de suas estórias. Começando por uma breve introdução que aponta algumas características particulares deste livro dentro da obra rosiana, o trabalho devota-se a seguir à interpretação das três estórias selecionadas. A primeira é “Antiperipleia”, estória de abertura do livro, avaliada como realização autônoma e também em sua contribuição estratégica à arquitetura do conjunto. A segunda é “O outro ou o outro”, uma das artérias mestras do livro, central para a compreensão do magistério rosiano da liberdade. A terceira é “Barra da Vaca”, que se presta a uma reflexão sobre o homem no mundo, aqui concebido como uma metáfora do poeta e sua missão criadora. Tendo em vista o princípio orgânico do todo e das partes, cada uma destas estórias contém o todo punctualmente concentrado, de modo que, lidas e transvistas, oferecem pistas reveladoras para a percepção integrada do conjunto.
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma pequena análise sobre o conto “Meu tio o Iauaretê”, conto incluído no volume Estas estórias, de Guimarães Rosa, publicado em 1969. Para tanto, observou-se a metamorfose do personagem, elemento muito recorrente nas narrativas míticas. A metamorfose homem-animal percorre o texto, o onceiro como branco incide contra os valores da religião judaico-cristã; como índio, defende alguns valores do mundo branco e, como animal, entra em confronto com a sua natureza humana. A situação de conflito permeia o texto, que se expressa por meio do monólogo-diálogo, indo da palavra para a não palavra. Guimarães Rosa, nesse conto, atinge o auge do seu experimento com a prosa.
Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
esta dissertação procura demonstrar de que maneira o escritor João Guimarães Rosa estabelece uma relação de isomorfia entre o mundo natural que perpassa sua obra e a linguagem que o traz à tona. Assumindo um caráter inerentemente metamórfico para a linguagem poética e concebendo a natureza enquanto Gaia, a antiga divindade pré-homérica que existe em consonância com o conceito grego pré-platônico de physis – processo que dá às coisas do cosmos traço permanentemente dinâmico, movente –, o autor mineiro trabalha para desenvolver essas duas premissas em um único e profícuo gesto literário. Como a natureza sob a lógica da physis transforma-se initerruptamente e como a poesia é, dentre inúmeras coisas, uma busca pelo ineditismo na forma da linguagem, Guimarães Rosa pôde forjar a metamorfose telúrica no corpo da sua palavra. Os dois atos confluem e revelam-se o anverso e o reverso de uma mesma realidade. Constrói-se, de tal maneira, um universo muito peculiar onde o binômio linguagemmundo é de fato indissociável. E é a ele que nós nos dedicaremos aqui, tentando
demonstrar pormenorizadamente de que modo, na obra rosiana, a linguagem é mundo e o mundo é linguagem.
Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária
Esta dissertação investiga a presença do canto das sereias homéricas em “Meu Tio o Iauaretê”, de Guimarães Rosa, tendo como referencial teórico os estudos de Blanchot (2005), Oliveira (2008),), Agamben (2014) e Nogueira (2014), dentre outros. Na esteira da interpretação blanchotiana, que traça uma analogia entre o canto das sereias e o fazer literário, todo escritor repetiria o feito da personagem homérica, uma vez que a narrativa é um movimento imprevisível e infinito de busca, que presentifica a navegação do canto real ao canto imaginário. Questionamos se há uma retomada do canto das sereias na narrativa estudada, com o objetivo de elencar como isto se dá e qual o seu significado, partindo da hipótese de que o canto jaguanhenhém irrompe da experiência liminar de metamorfose entre voz/canto humano e inumano; português, tupi e ruído animal; língua articulada e não articulada. A conclusão a que chegamos, após a análise, é a de que, nesta narrativa roseana, encena-se o gesto do próprio ato de narrar, em uma linguagem entre humano-inumano, no processo de encantamento, sedução e perdição da tríade autor-narrador-leitor.
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre o conto “Meu tio o Iauaretê”, de João Guimarães Rosa, publicado em revista, pela primeira vez, em 1961 e, mais tarde, na coletânea póstuma Estas Estórias. Consideramos que o conto consiste em uma composição na qual se encontram traços regionalistas e espiritualistas, em evidência no momento de sua escrita, como afirmam Bittencourt e Lopes (2004), visto que se utiliza de uma linguagem característica da região onde a narrativa se desenrola, e de um personagem que se reveste de aspectos sertanejos, mas trata de um tema considerado nessa análise como sobrenatural, ou fantástico, presente na literatura universal: a metamorfose. Elegemos, dentre os diferentes níveis de análise, o olhar sobre a desumanização de seu personagem principal e a sua humanização. Ao nos afastarmos da concepção regionalista tradicional, é possível dialogar com outras metamorfoses da literatura universal, numa perspectiva comparatista diferencial (HEIDMANN, 2010; ADAM, HEIDMANN e MAINGUENEAU, 2010; ADAM, 2011), dentre as quais destacamos autores que, como Rosa, realizaram processos de experimentação na escrita, Ovidio, em suas Metamorfoses, e Kafka, com A metamorfose. Desta maneira, é possível refletir sobre a relação entre os homens e suas novas formas, não como um simples processo de desumanização, mas como um evidenciador da exploração de sua humanidade, dissociada dos padrões sociais, regionalistas ou não. Esta perspectiva pode se aproximar das reflexões de Deleuze e Guattari (1996, 2002), Blanchot (2005), Battaille (2010) e Barthes (1993).