São Paulo (AUN - USP) - A velha crítica de que a nossa Constituição é a mais remendada do mundo tem razão de ser: governar aqui é fazer emendas e não leis. Segundo o professor de Direito da USP, Roger Stiefelmann Leal, isso se dá porque muitas das políticas públicas que o Estado deve aplicar já estão minuciosamente detalhadas no seu texto, ou seja, qualquer proposta diferente do que o pensado em 88 torna-se inconstitucional.
Em palestra dada durante o 17º Encontro Nacional de Direito Constitucional, ele mostra como a Constituinte ampliou largamente os direitos fundamentais do cidadão, principalmente os direitos sociais. No entanto, ela não só tratou de assegurá-los, mas também de propor e internalizar em seu texto as políticas públicas que os efetivariam. Normalmente, esse papel caberia às leis ordinárias votadas pelo Legislativo.
A explicação está no fato da nossa Constituição ter sido pensada como uma Constituição Dirigente – um modelo que considera, além das questões políticas, as questões econômicas, sociais e científicas como parte da sua alçada. É “a Constituição como parte da solução de problemas que não são políticos”, afirma.
Um exemplo clássico é o dispositivo da carta que estabelece uma taxa máxima de juros de 12% ao ano – hoje está em 13,75% (e já bateu os 45%). Esse dispositivo vem sendo abertamente ignorado pelo governo, sob o pretexto de que é necessário um ato legislativo regulamentando esse ponto, que nunca foi votado.
Um projeto sem rumos
A cristalização de políticas públicas dentro da Constituição é o que explica o número de emendas que ela sofreu, 63 ao todo. Para efeito de comparação, a Constituição norte-americana tem apenas 27 emendas, sendo dois séculos mais velha que a nossa.
Esse incrível número de emendas – 3,1 por ano em média – é algo muito custoso para os governos, já que, por se tratar de uma alteração na lei máxima do país, são necessários três quintos dos votos do congresso, e não apenas uma maioria simples, como é o caso das leis ordinárias. Para Leal, a enorme dificuldade para aprovar qualquer proposta diferente do que foi pensado na Constituinte talvez seja um dos motivos que explique porque os governos desde a redemocratização do país têm sido tão semelhantes.
Segundo ele, a necessidade constante de reformar a carta se dá principalmente porque ela não tem um “norte bem definido”. A Constituição Dirigente de Portugal de 76, que foi a inspiração para a nossa, visava a construção do socialismo no país lusitano. No Brasil, ele seguiria os mesmos caminhos se não fosse a articulação do chamado “centrão”, um grupo de deputados dentro da Assembléia Constituinte ligados a alas mais conservadoras da sociedade, que se opôs aos grupos de esquerda e acabou por desfigurar seu ideal. O que sobrou, segundo ele, foi um texto hiper-programático e sem rumo algum.