ISSN 2359-5191

16/09/2013 - Ano: 46 - Edição Nº: 64 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
Saramandaia reflete o comportamento da sociedade brasileira

Ao exibir durante as próximas semanas seus últimos episódios, a nova versão da novela Saramandaia buscou tratar com uma linguagem mágica e fantástica as atuais questões sociais do Brasil. A novela conteve em seu enredo assuntos como a intolerância religiosa, a corrupção, o preconceito, a sexualidade, a democracia e os direitos dos cidadãos.

A telenovela é o produto cultural mais consumido pela sociedade brasileira. Como afirma a professora Maria Immacolata Vassallo de Lopes, coordenadora do Centro de Estudos da Telenovela (CETVN), da ECA: “A telenovela é o principal produto cultural do país, e a Universidade tem o dever de se debruçar sobre ela”.

Assim, como a ECA é reconhecida pelo pioneirismo em relação aos estudos da teledramaturgia, aconteceu em agosto, no auditório Paulo Emílio, o seminário O Realismo Fantástico em Saramandaia. O evento contou com a participação do autor da nova versão da novela, Ricardo Linhares, e também com as presenças de Ana Lúcia Trevisan, especialista em literatura espanhola e hispano-americana, e de Mauro de Alencar, especialista em Teledramaturgia pela USP e consultor de novelas na TV Globo.

Linhares contou que decidiu fazer uma nova versão da obra de Dias Gomes para se opor ao padrão atual das telenovelas que, segundo ele, é muito realista e naturalista: “A proposta era justamente fugir dessa ditadura do real que temos hoje”. Nesse processo, preservou boa parte da história original, mas não deixou de fazer mudanças na trama.

Na composição de sua versão, Linhares adaptou alguns personagens para a atualidade, mas ainda assim manteve o teor crítico de Dias Gomes. O personagem Zico Rosado, por exemplo, era antes um fazendeiro poderoso, no modelo dos coronéis do passado rural. Na nova versão, Zico é um ex-prefeito corrupto. “Dias Gomes também fazia suas críticas na sua época, mas através de uma linha mais metafórica, Pois, na época da ditadura, era impossível criticar abertamente os políticos”, comenta Linhares.

Uma coincidência interessante, que inclusive surpreendeu o autor, foi a simultaneidade entre as manifestações sociais das personagens da novela e os movimentos que estavam acontecendo em julho, nas ruas. Linhares conta que “na mesma época os personagens e as pessoas estavam se manifestando, mas escrevi aquilo em outubro [de 2012]. Na verdade, eu temia até que me criticassem dizendo que não existia uma juventude politizada no Brasil. Porque eu via a Primavera Árabe, via os movimentos de Londres, de Paris, da Tunísia, do Egito. E isso não acontecia no Brasil”.

O espantoso é a falta de espanto

Sabe-se que Dias Gomes escreveu Saramandaia em função da censura dada à novela Roque Santeiro. Sendo assim, algumas metáforas da novela fazem referência a essa prática de controle cultural e ideológico do período da ditadura. É o caso da Dona Redonda, personagem que ficou famosa por ter sido a primeira da teledramaturgia brasileira a explodir. “O único objetivo do Dias Gomes, quando criou a Dona Redonda, era fazer uma comparação com uma bomba atômica. Simbolizando a censura sobre as nossas cabeças”, comenta Mauro de Alencar.

Na nova versão, Dona Redonda não representa mais uma metáfora sobre a censura, mas, sim, sobre o risco da vida. “O risco da explosão de Dona Redonda é o risco que nós temos de viver. Porque viver é correr riscos. Busquei, então, transpor essas metáforas para o que estamos vivendo hoje em dia”, disse Linhares.


Em Saramandaia, o fantástico e o mágico se manifestam em personagens que vão desde um homem que vira lobisomem, até Dona Redonda que, de tão gorda, explode. Mas, “o mais espantoso na novela [e que faz parte do Realismo Fantástico] é a falta de espanto das pessoas com coisas que deveriam ser espantosas", diz Ana Trevisan. Mas não é preciso uma ficção para encontrarmos esse comportamento.

Saramandaia apenas reflete o que as pessoas já fazem no seu próprio cotidiano. Diariamente são divulgados casos de corrupção, de abuso humano, e os brasileiros, passivos, convivem normalmente com essas questões. Zico Rosado, por exemplo, agora na reta final da novela, vai ser preso por corrupção ativa. “Coisa que a gente acompanha constantemente na televisão. Mas depois haverá a liberação dele. Afinal, rico e poderoso não fica preso”, comenta Linhares.

Fotos: Eduardo Peñuela

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