A guarida constitucional dada ao direito à moradia, regulamentada pela Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) que garante um dos direitos fundamentais da pessoa humana, o direito à cidade, é fundamental, porém não suficiente: é necessário se prestar eficácia a esse direito constitucional, diante da realidade socioeconômica de parcela expressiva da população brasileira, que vive em condições degradantes. Para tanto, torna-se importante a atuação organizada dos movimentos sociais e, por meio dela, o acesso à justiça, como mostra Rogério Florêncio da Silva, em sua dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), em 2013.
Silva afirma que o acesso à moradia, um dos Direitos Sociais expressamente acolhidos na Constituição Federal, é um conceito que vai muito além do acesso a uma casa. Consiste em efetivamente usufruir da cidade e de todos os seus benefícios. O acesso à moradia, diz ele, “vai além da disponibilidade da habitação e se enquadra no conceito de ‘moradia adequada’, que pressupõe boas condições físicas do imóvel, adequação da moradia à ordem jurídica, dando ensejo à segurança jurídica da posse e inserção da moradia no planejamento urbano da cidade”.
Assim, o espaço urbano não pode ser tratado como uma mercadoria utilizada para o enriquecimento e a especulação, mas como um bem essencial e escasso que requer ações regulatórias que visem ao bem comum e à promoção da igualdade humana.
Segundo o pesquisador, certas iniciativas públicas até conseguem “propiciar ações compensatórias de satisfação do direito”, mas tais ações não são profundas o suficiente para subverter a dinâmica geradora da desigualdade social. Assim, cada vez mais, o Direito se apresenta como “catalisador de demandas direcionadas ao Estado na busca de satisfação de tais necessidades” e a atuação dos movimentos sociais torna-se extensão natural da materialização da validade e da eficácia de tais demandas.
O acesso à justiça por meio de atores sociais – organizações de defesa dos direitos humanos, movimentos sociais, entes estatais como a Defensoria Pública do Estado de São Paulo – é certamente um importante instrumento na consecução do acesso à moradia, seja recorrendo aos tribunais, seja pelo reconhecimento de que ela é “detentora do direito subjetivo em pleitear a prestação positiva dos Direitos Econômicos e Sociais ao Estado”.
É, portanto, por meio de uma atuação organizada, participando ativamente de movimentos sociais, que essa população mais carente de recursos, mais desprivilegiada, que sofre com os aluguéis abusivos, com a informalidade contratual e com condições precárias de moradia terá condições de se aproximar de instrumentos próprios do sistema jurídico e, com esse importante recurso do acesso à justiça, obter a segurança da posse e o direito de morar com dignidade.
O resultado da pesquisa de Silva pode ser observado na votação do Plano Diretor da cidade de São Paulo: o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) organizou manifestações nos últimos meses, na capital paulista, como forma de pressionar a Câmara Municipal a considerar as regiões ocupadas como Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) para que pudessem ser enquadradas em projetos de habitação. Após meses de debates e pressões, os vereadores aprovaram o Plano Diretor com uma emenda que regulariza o terreno da Copa do Povo - uma das ocupações do MTST -, o que mostra como a organização social é fundamental na garantia do acesso à moradia.