ISSN 2359-5191

08/09/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 54 - Economia e Política - Escola de Comunicações e Artes
O verdadeiro Agronegócio Brasileiro
USP debate relações entre agronegócio e jornalismo em Simpósio com participação do ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues

Apesar de a obra Urupês, de Monteiro Lobato, já ter completado mais de 90 anos, ela deixou mais do que um legado regionalista. A figura do Jeca Tatu preguiçoso, vadio e bêbado ainda é um estereótipo associado ao produtor rural brasileiro, apesar de a própria obra de Lobato desconstruir esse perfil quando associa o comportamento de Jeca à doença.

Esse estereótipo representa um profundo desconhecimento sobre o cenário rural do país. No I Simpósio O Agronegócio no Brasil e no Mundo e suas relações com o Jornalismo, ocorrido recentemente na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, o ex-ministro Roberto Rodrigues afirmou que o setor é responsável por cerca de 23% do PIB e por gerar mais de um terço dos empregos no país. A agropecuária garante o superávit na balança comercial brasileira, abrangendo quase 40% das exportações. As previsões são ainda mais surpreendentes: segundo relatório “Brasil Projeções do Agronegócio 2010/2011 a 2020/2021”, elaborado principalmente por pesquisadores da Embrapa, a produção de grãos deve crescer 23% até 2020, enquanto a agropecuária deve crescer 26,5% no mesmo período.

Ao contrário do que conta o livro de Lobato, o responsável por esse crescimento não será o remédio usado contra o amarelão, mas sim o emprego de tecnologia. O principal objetivo é o aumento da produtividade com o menor crescimento possível em uso de terras. Embora pareça difícil e inovador, essa prática não é recente. No relatório “Agronegócio Brasileiro em Números”, elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, foi feita uma comparação entre a produtividade em 1960 e 2010. O número de cabeças de gado subiu de 0,47 para 1,2 por hectare, enquanto a produção de grãos subiu de 783 para 3.173 quilos por hectare.

Esse aumento da produtividade está diretamente relacionado ao desenvolvimento de novas técnicas no setor. Como foi possível notar na visita à usina São Martinho, promovida pela ABAGRP no dia primeiro de maio, a tecnologia permeia todas as etapas de produção do açúcar e do álcool. O processo envolve a sistematização do solo — que executa a correção de erosões, elevações do solo e retirada de tocos e pedras. Essa iniciativa impacta diretamente na produção da cana, pois facilita a utilização de colheitadeiras, reduz o número de estradas dentro do canavial e, conseqüentemente, aumenta a produtividade.

A agricultura de precisão sintetiza a utilização dessas novas técnicas na lavoura. Ela preconiza o controle total sobre toda  a atividade agrícola da propriedade rural com o auxilio de computadores e do satélite. Isso se reflete no uso de colheitadeiras, por exemplo, pois elas recebem coordenadas para fazerem sempre o mesmo trajeto. Assim, quando o canavial “deita” não há riscos de a colheitadeira sair da estrada, pois mesmo que o condutor não possa ver os limites da via, o GPS orienta a rota. Considerando que o peso das máquinas compacta o solo e consequentemente reduz a produtividade, é importante que elas façam sempre o mesmo trajeto para não interferir muito na porosidade do terreno.

Apesar desses avanços, ressalta-se que o uso de tecnologia não se reflete apenas em máquinas. Através de pesquisas foi possível reaproveitar a maior parte dos resíduos da usina, ao invés de descartá-las na natureza. Lucas Cortez, responsável pelo suporte técnico de plantio da empresa São Martinho, comenta a utilização da vinhaça, resíduo líquido que resulta da destilação no processo de produção do etanol. Rica em potássio (nutriente necessário à adubação da cana) é aplicada para fertirrigação, técnica de adubação que utiliza a água de irrigação para levar nutrientes ao solo cultivado. Sua aplicação se dá por meio de jatos de água. Ele também aponta a utilização da Torta de Filtro, gerada na clarificação do caldo de cana. Rica em fósforo e matéria orgânica, resulta num composto que substitui a utilização de fertilizantes minerais.

A preocupação ambiental, entretanto, não é só de âmbito privado. A Embrapa desenvolve diversas pesquisas no setor, como o acompanhamento da emissão de gases pelo gado — que ocorre em grande parte pelas narinas, ao contrário do que se pensa — e também o quanto o solo pode absorver desses gases emitidos. O governo e os produtores paulistas também trabalham para reduzir os impactos ambientais, como na eliminação da “queima controlada da palha da cana”, processo que envolve o uso prévio do fogo para a colheita manual.

Assim, o emprego de máquinas se torna ainda mais urgente. Um bom exemplo para se ilustrar o quanto a tecnologia está atrelada ao setor é a Agrishow, a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, que reúne produtores, indústrias, fornecedores de serviços e de linhas de crédito. Só para o ano de 2014 a expectativa era um movimento superior a R$ 2,6 bilhões — em um evento que dura apenas cinco dias.

Porém, assim como nas áreas industriais, a modernização traz como consequência o desemprego. No campo esse problema é um pouco mais complexo porque a maioria das lavouras tende a se modernizar, de forma que o trabalhador com baixa especialização não consiga se realocar.

O “desemprego sazonal” — ao contrário da cana, algumas culturas não possuem ciclos anuais, como o café — se soma ao “desemprego estrutural”, gerando um excesso de mão de obra disponível. É nesse cenário de poucas opções para o trabalhador que muitos proprietários descumprem com os direitos trabalhistas. Não raras vezes a justiça flagra o emprego da mão de obra em condições análogas às da escravidão. Existe até um cadastro de empregadores flagrados explorando mão de obra análoga à escrava, conhecido como “Lista Suja”, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Futuro

Embora o cenário pareça promissor, ainda há muitas barreiras para o crescimento do agronegócio brasileiro. O problema interno mais grave é a infraestrutura deficitária, especialmente nos setores de transporte e armazenagem, que se reflete no congestionamento de portos e na sobrecarga de estradas. A tendência é piorar, já que o aumento da produtividade é superior aos investimentos para escoá-la.

 O governo federal promove algumas iniciativas como as concessões de portos, rodovias, aeroportos e ferrovias, mas os resultados só serão notados em longo prazo. Um ponto a se destacar é que a prioridade não deve ser o modelo rodoviário, e sim a combinação entre os diversos meios de transporte da produção, como rodovia/hidrovia ou hidrovia/ferrovia, por exemplo. Essas combinações são mais eficientes no transporte de cargas, especialmente para longas distâncias. Também deve haver investimentos em armazéns, pois eles reduzem as perdas e fazem com que o escoamento da safra não ocorra de uma só vez.

Os acordos internacionais de comércio também são um entrave. As barreiras alfandegárias e tarifárias e a responsabilidade socioambiental afetam diretamente a competitividade dos nossos produtos, enfraquecendo o agronegócio e gerando custos políticos para os governos. Entre as medidas possíveis, destaca-se a utilização constante de ações preventivas, para cumprir as normas de biossegurança e a certificação dos produtos de origem animal. Além disso, o governo tem de fortalecer sua presença internacional, seja nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), seja em missões bilaterais. Outra medida interessante é a criação de adidos agrícolas nas diversas embaixadas do Brasil pelo mundo. 

Se o nosso querido Jeca precisasse passar por todas essas etapas, ele provavelmente diria sua frase clássica que “Não paga a pena”. Esperamos que os produtores e o governo não pensem assim. O I Simpósio O Agronegócio no Brasil e no Mundo e suas relações com o Jornalismo foi coordenado pelo professor do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE- ECA/USP), André Chaves de Melo Silva, responsável pela disciplina Jornalismo em Agribusiness e Meio Ambiente no Brasil, oferecida aos alunos de todas as unidades da USP.

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