ISSN 2359-5191

18/11/2014 - Ano: 47 - Edição Nº: 85 - Arte e Cultura - Instituto de Estudos Brasileiros
Cartas de Graciliano Ramos mostram seu lado irônico
Humor e seriedade estão presentes nas correspondências, escritas em francês, catalogadas
Graciliano Ramos mostra humor e seriedade em suas correspondências

Seco, conciso, denso. Essas são algumas das características mais marcantes na literatura de Graciliano Ramos, grande romancista brasileiro que conseguia dizer muito através de poucas palavras. Contudo, o autor mostra um perfil bem distinto em suas correspondências na França: suas cartas são um misto de seriedade, humor e diversas ironias.

O evento Artífices da correspondência: teoria, metodologia e crítica na edição de cartas, realizado pelo Instituto de Estudos Brasileiros, contou com a participação de Ieda Lebensztayn, pós-doutora do Instituto e responsável pela ordenação arquivística da Série Correspondência Ativa e Passiva de Graciliano Ramos, tendo em vista a produção de um catálogo. “Interessa pensar na carta como forma e como documento da arte, das relações interpessoais, dos afetos e da história. Tanto a letra como a carta tem um componente social e um componente singular. A letra é pessoal, mas ao mesmo tempo tem algo da convenção social, da língua, e a carta também tem algo de singular e segue convenções sociais”, conta Ieda.

Fiz a tradução do Désillusion, mas não me parece ainda apresentável. Vou modificar alguns versos, transformar a primeira instância, ver se posso fazer um trabalho digno do original. Se não tens muita pressa, posso passar com ele mais alguns dias. Agora estou numa quadra de estupidez medonha, faz quase duas semanas que não faço nada. Nunca estive tão burro”. Essa foi uma carta escrita por Graciliano com 21 anos, e destinada ao amigo Joaquim Pinto, escritor de sonetos franceses, os quais Graciliano era responsável pela tradução. “Nesse dizer-se burro no tom leve do jovem, vê-se a auto-ironia que seria marcante para Graciliano, que se liga ao seu humor, seu rigor, ao seu ideal de perfeição e desejo de ser útil”, explica a pesquisadora.

Outra carta onde é possível encontrar as mesmas questões apresentadas é a que Graciliano enviou para seus editores franceses: “Senhores, acabo de receber sua carta de primeiro de agosto e dois exemplares do contrato relativo à publicação do meu livro Infância, tradução do senhor Guggenheim. Aceito as condições propostas e lhes envio, seguindo a sua recomendação, o contrato já assinado pelo senhor Gallimard. Uma pequena modificação senhores, o contrato diz: Rua do Curvidor, 110, Buenos Aires, Argentina. Não é assim, es o endereço certo ‘Rua do ouvidor, 110, Rio de Janeiro, Brasil’. Não tem importância, naturalmente. Mas nós não estamos na Argentina. Recebam os senhores meus agradecimentos e minhas saudações calorosas”.

Na edição final da carta, Graciliano opta por cortar alguns termos do rascunho inicial que poderiam parecer grosseiros: opta por dizer apenas que “não tinha importância”, bem como corta os adverbios “naturalmente” e “somente”, que são bem ironicos, mas desnecessários para a carta. Assim, da mesma maneira que faz em suas obras, Graciliano busca a concisão e a força das palavras, retirando os exageros. “Observando a carta do ponto de vista da história pessoal de Graciliano, imagina-se que houve certo constrangimento dele, um misto de respeito e indignação", explica a pesquisadora. "Afinal ele tratava de negócios e queria ver os livros traduzidos em francês. Agora analisando a carta em questões históricas, ela permite ver a visão dos estrangeiros em relação ao Brasil. Da onde viria esse erro? É do desconhecimento em relação ao Brasil ou foi apenas um descuido? Veja-se como as cartas abrem para reflexões a respeito do âmbito pessoal e histórico”.

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