A problematização da relação entre museus e a população indígena é tema da pesquisa desenvolvida, desde 2010, pela professora Marilia Xavier Cury no MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP) em parceria com o Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre. A discriminação social e cultural que os grupos indígenas sofrem há séculos e a consequente apropriação de suas culturas foi o que levou a museóloga a tornar os direitos indígenas seu tema de pesquisa.
Ao notar que os museus corroboram com essa discriminação, Marilia quis estudar como os indígenas vêm sendo tratados pelos museus no Brasil há mais de um século. E, a partir da visão dessa população, levando em consideração a forma como ela se vê representada e como ela quer que isso se dê, buscar formas de os museus fortalecerem as culturas indígenas.
Para tal, definiu como locus de pesquisa o Oeste de São Paulo, onde há três Terras Indígenas (TI) demarcadas e homologadas, mas pouco conhecidas e ainda menos mencionadas: TI Vanuíre (Arco-Íris), TI Icatu (Braúna) e TI Araribá (Avaí). Para a pesquisadora, são “lugares de memória, seja para os indígenas que aí habitam há mais de um século, ou seja para paulistas, pois remetem à história da colonização de São Paulo, à formação de Serviços de Proteção aos Índios (Funais)”.
Sendo assim, o trabalho de campo visou a aproximação dos indígenas com os profissionais do museu para que, através de negociações, fosse possível criar uma estratégia que possibilitasse o indígena de construir as suas próprias formas de representação no museu. Então, toda a vivência foi registrada e, com isso, gerou coleta de materiais, informações e conhecimento. A partir desses dados, somado à convivência direta com esses grupos, segundo Marilia, hoje já se sabe “como os indígenas querem ser retratados pelo museu, o que querem ou não conservar no local, como e quando querem interagir, qual o protocolo que o museu deve assumir com eles”.
Porém, isso ainda não foi institucionalizado. Os pesquisadores encontram-se em fase de construção de uma ética museal para essa relação. Concomitantemente, a discussão sobre gestão de coleções indígenas em museus também avança. Para a professora, é nesse momento que se chega nos Direitos Indígenas no Museu, enfoque dado à pesquisa atualmente. “Eles têm seus direitos garantidos constitucionalmente, mas há aspectos que, na prática, ainda se mostram difíceis de observação, como os direitos à privacidade, personalidade, imagem e autoria”, defende Marilia. “Chegamos no ponto que os museus não podem mais ignorar: devem reformular a sua política de musealização de coleções indígenas e os procedimentos referentes, sobretudo, à documentação museológica”.
Partindo desse princípio, nos museus envolvidos nesse projeto, coleções caracterizadas por antropólogos agora são requalificadas pelos próprios indígenas. Eles informam sobre elas para pesquisadores e documentalistas e, ocasionalmente, fazem algumas intervenções, como a restauração de peças.
A professora Marilia acredita que a pesquisa apresenta muitos resultados positivos em todos os âmbitos. Para os indígenas, isso acarreta no fortalecimento de suas culturas, além de proporcionar um diálogo com os não indígenas através de uma instituição extremamente respeitada: o museu. Mas, sobretudo, oferece a possibilidade de exercer a autonarrativa. Para a academia, isso traz o aprofundamento das discussões sobre o papel dos museus universitários como locais de preservação cultural. Já para a sociedade, oferece o acesso a outros entendimentos sobre os povos e as culturas indígenas, possibilitando o confronto com visões previamente estabelecidas e quebra de preconceitos construídos por séculos no Brasil.
Para compartilhar tais resultados e fomentar a discussão acerca dessa temática, anualmente realiza-se o Encontro Paulista Questões Indígenas e Museus juntamente ao Seminário Museus, Identidades e Patrimônios Culturais. E, neste ano, ele acontece de 30 de junho a 2 de julho no Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre.