A escrita de João Guimarães Rosa transcende o realismo ao indeterminar as representações
na forma. Segundo Hansen (2012), em Forma literária e crítica da lógica racionalista em
Guimarães Rosa, a ficção literária de Guimarães Rosa indetermina as representações na forma
de um fundo que produz mistério. O artigo pontua algumas operações de indeterminação
no conto Hiato de Tutaméia: terceiras estórias. Com uma ficção da forma as Hiato, Guimarães
Rosa intervém no campo literário universal e no brasileiro. Este artigo destaca dois aspectos
relevantes na recepção da intervenção de Guimarães Rosa no campo literário brasileiro: a
predileção pelo realismo e o imaginário sacro. Guimarães Rosa atende parcialmente à recepção
formada na cultura letrada e afeita às representações realistas. Extrapola as expectativas
dela ao contemplar, simultaneamente, o imaginário sacro. Guimarães Rosa intervém em um
projeto histórico de adequação do imaginário aos padrões realistas de representação. Caso não
queira cooperar na naturalização dos padrões realistas, a ficção literária universal tem como
desafio produzir o sentido de realidades cada vez mais complexas na língua que, domesticada
em representações, reitera os lugares da linguagem na sociedade de classes. Desde o século
XIX, os escritores enfrentam a dificuldade de propor representações válidas em um mundo
de diversidade crescente e o campo literário brasileiro requer a representação da realidade
nacional. A intervenção da ficção de Guimarães Rosa nesse projeto de representação contempla
o imaginário sacro da recepção que, afeita à forma como método de formular na língua o desejo
e a prática, acolhe os efeitos da indeterminação como mistério.
“Cara-de-Bonze”, publicado primeiramente como poema em Corpo de Baile e posteriormente como conto na coletânea No Urubuquaquá, No Pinhém, foi na data da publicação e ainda hoje é motivo de discussões de cunho genérico, além de suscitar manifestações interpretativas das mais diversas por conta de sua estrutura narrativa formada por partes líricas, em prosa, notas de rodapé, citações e roteiro cinematográfico. Por meio da análise de seis diferentes leitores, este artigo discute as possibilidades de leitura às quais o texto se abre, e se estas podem ser feitas a guisa de puro entretenimento ou se são possíveis somente por meio da análise de seus elementos narrativos, dada sua estrutura polimórfica. Deste modo, o artigo verifica a dificuldade e até mesmo a impossibilidade da leitura gastronômica[1] do conto, e a amálgama de interpretações possíveis, conforme o experimentalismo no uso da multiformidade de discursos.
O objetivo do presente trabalho é o de avaliar a recepção da tradução catalã do romance Grande Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa, realizada por Xavier Pàmies e publicada pela editora Edicions 62 em 1990. Anteriormente, na Catalunha, havia sido divulgada a obra rosiana a partir da tradução em espanhol de Ángel Crespo, publicada em 1967 pela editora Seix Barral com sede em Barcelona. Assim, examinamos o impacto daquela primeira tradução no conjunto dos países hispano-falantes, no que se inclui a Catalunha integrada no Estado espanhol. Em seguida, apresentamos o tradutor, Xavier Pàmies, e o contexto sócio cultural em que apareceu a tradução para o catalão tentando assim elucidar a difusão que teve na comunidade leitora e intelectual de fala catalã. Por fim, fazemos uma reflexão sobre os termos sertão e veredas, chaves que conformam o enigma do título, mas que apresentam grandes dificuldades para a sua adaptação no âmbito das línguas ibéricas, tanto para o catalão quanto para o espanhol.
The proposal of this work is to analyze the French reception of Guimarães Rosa from texts whose target is the nonspecialist reader, aiming to show how his works embarrasses the critics by not fitting in the approaches which traditionally dominate the reception of our literature in that country.
O presente trabalho visa avaliar assuntos significativos da fortuna crítica de João Guimarães Rosa (JGR) envolvendo a tradução, a reação pública, a recepção jornalística, a crítica acadêmica, e o ensino universitário na América do Norte. O escri- tor se preocupava com todos os detalhes da recepção no exterior, intervinha no proces- so da tradução, e mantinha correspondência com os tradutores. As versões para a língua inglesa não tiveram sucesso editorial. Atribuir isto à baixa qualidade das traduções, sobretudo a de Grande Sertão: Veredas, é simplificar a realidade. Os livros receberam um apoio especial de um editor enérgico nos EUA, e a maioria das resenhas foram bastante positivas. Além de fatores mercadológicos, a fortuna de JGR nos EUA como autor e como objeto de estudo tem tido muito a ver com o caráter único dos originais e com o relacionamento de JGR com o boom da narrativa hispano-americana. Houve naturais limitações na crítica jornalística nos anos 60, mas desde então JGR mantém uma presença em currículos universitários e na crítica acadêmica especializada, tanto comparatista quanto brasilianista, incluindo professores brasileiros residentes ou visi- tantes. Ponderam-se possibilidades de expansão dos estudos rosianos.
A obra de um escritor como Guimarães Rosa provoca diferentes pontos de vista entre os que encaram o desafio de estudá-la. Diante da multiplicidade interpretativa promovida por meio da produção literária do autor, uma primeira dificuldade em que a perspectiva crítica se depara é o desafio de buscar uma maneira para lidar com uma obra multifacetada e de múltiplas dimensões. Assim, objetiva-se por meio deste estudo conhecer e entender como foram recebidas suas primeiras publicações, considerando os diferentes posicionamentos da crítica literária. Procura-se oferecer maior destaque às apreciações divulgadas na efervescência das primeiras publicações do escritor, noticiada por meio da crítica jornalística, levando em consideração os aspectos positivos e negativos. Para tanto, foram analisados textos críticos da ocasião em que se processou a leitura inicial da obra – a partir da década de 1940. É preciso considerar que a recepção das primeiras publicações da obra de Rosa reproduz o momento da crítica literária no Brasil, marcado pelas polêmicas e embates travados nesse âmbito. Textos de Flora Süssekind, Eneida M. de Souza e Silviano Santiago norteiam a discussão, os quais se estendem a um referencial histórico sobre o processo de transformação ocorrido na crítica literária no Brasil e a transição da crítica “não especializada” (crítica de rodapé) para a crítica especializada (crítica acadêmica). Esse período (décadas de 1940 e 1950) é um tempo de mudanças e implantação de novos modelos críticos, cujos desdobramentos se estendem até a contemporaneidade.
O presente artigo analisa a colaboração de Dirce Côrtes Riedel para a recepção crítica de Guimarães Rosa, levando em conta a publicação de ensaios e livros dedicados à obra do autor. Acrescenta ainda
o papel da intelectual na formação de professores e pesquisadores de várias universidades do país.
Apoiando-se no exemplo da tradução alemã de Grande sertão: veredas, o presente ensaio estuda o conjunto da recepção, interpretação e tradução da obra de Guimarães Rosa, seguindo o caminho da interpretação meramente metafísica de Rosa a partir da crítica brasileira, passando pela recepção alemã, manifestando-se na formulação do texto da tradução alemã. Ao mesmo tempo, o estudo faz uma crítica à exclusividade da metafísica numa vertente da crítica literária, mostrando como uma obra caracterizada pela ambigüidade e polifonia é mistificada e prejudicada ao ser reduzida a significados abstratos e sem fundamentos na realidade.