Em Grande Sertão: Veredas, a forma de narrar é contaminada pela experiência de vida (sempre em contato com a morte) do jagunço Riobaldo no sertão assolado pela violência e dominado pelo latifúndio e pelo coronelismo, mas também é contaminada pela travessia de classe por que passa o protagonista, que vai de “raso jagunço atirador” a narrador-latifundiário. Nesse sentido, este estudo desenvolve o argumento de Jaime Ginzburg, para quem a experiência cotidiana de Riobaldo sob a iminência da morte, em função da sua condição de jagunço, afeta decisivamente sua subjetividade, impedindo um olhar estável e/ou neutro em relação à matéria narrada. Ao risco de morte conjuga-se o caráter diabólico da experiência de Riobaldo, marcado pelo erro e pela desordem. Ainda em relação à organização narrativa do romance, apresento o argumento de que o aspecto que garante o poder de narração a Riobaldo não é sua condição jagunça, de “homem provisório”, é, sobretudo, sua condição de proprietário, “senhor de terras definitivo”.
A análise do conto “Corpo fechado” de Guimarães Rosa pretende ressaltar, neste trabalho, a importância da nar-ração de um médico que contribui para a ambiguidade da crença na eficácia da magia, episódio central da história. A narrativa constrói-se a partir de duas visões de mundo: a primeira, mais científica ou citadina, representada pelo médico; a segunda, proveniente da viva imaginação do protagonista ao contar seus causos. O narrador apresenta, no primeiro momento, sua descrição de Laginha, suas cren-ças e valores, propiciando condições para a credibilidade do leitor; no segundo momento, surge o episódio do corpo fechado, principal experiência testemunhada pelo médico e que satisfaz sua curiosidade e expectativa em relação ao lugar. Destaca-se, também, a importância da magia para a transformação do protagonista em herói. Para o estudo desse encontro de visões distintas em torno da temática da magia serão abordados conceitos da teoria da narrativa, sobretudo de Gérard Genette (1995).
Este trabalho apresenta uma breve análise da narração memorialística de Riobaldo, narrador do romance Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Uma atenção mais detida ao processo de elaboração da memória possibilita compreender que o romance não pode ser interpretado somente como uma simples rememoração de uma vida de jagunço, ou como a busca pelo entendimento da vida passada, mas, de outro modo, pode ser lido como a ficcionalização do próprio ato de inventar a vida que foi ou a que será, no agora de sua narração.
A hipótese que procuraremos explicitar, justificar e funda- mentar neste artigo é a de que os escritos de João Guimarães Rosa são tramados por fios filosóficos a tal ponto que, neles, não raramente, os limites entre filosofia e literatura esvaem-se. Seus contos são filosóficos na medida em que sempre dão o que pensar, lançam perguntas e escavam as potencialidades e as profundezas da alma humana, o que o conto "O espelho" reflete paradigmaticamente.
Considerando em paralelo os índices de Corpo de baile e de Tutaméia, o presente trabalho pretende colocar o problema da construção do livro na obra de Gu imarães Rosa. A reflexão sobre a relação entre livro, leitor e releitura proposta em Tutaméia através do desdo bramento dos índices e do trabalho sobre as epígrafes de Schopenhauer prolonga e desenvolve o questionamento que estava patente, de forma menos objetivada, em Corpo de baile. Ao mesmo tempo, o investimento na noção de "parábase" em Corpo de baile é transportado para o jogo com os "Prefácios" de Tutaméia. Coloca-se, nessas classificações, o problema da relação do limiar do livro com o livro, mas também a questão do investimento autoral de que esse espaço se reveste. Trata-se de indicações de (re)leitura que prescrevem e refletem os movimentos do leitor como elemento que possibilita a obra, espelhando a estrutura da relação narrador/ interlocutor encenada em vá rios textos de Guimarães Rosa. Através de uma comparação dos dois casos em análise, tentar-se-á delinear uma cartografia da releitura em Guimarães Rosa como forma de tornar "orgânica" (e viva) a forma do livro (e da escrita) enquanto representação de uma realidade perenemente "movente" e não concluída.
O artigo investiga a verossimilhança na voz narrativa de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, a partir da hipótese, indicada por Dirce Côrtes Riedel em Meias-verdades no romance, de que teria sido o “senhor” interlocutor, e não o ex-jagunço Riobaldo, quem teria escrito o relato, configurando-se assim como uma espécie de supranarrador. Para reiterar essa possibilidade, retoma-se a questão da verossimilhança e da funcionalidade de certos elementos linguísticos na narrativa. Com isso, propomos uma ampliação das leituras do romance rosiano tendo em vista a hipótese acima.