O texto tem por objetivo analisar como o regionalismo, centrado na representação de relações sociais e humanas e relacionado ao universalismo, tem sido aplicado a Guimarães Rosa e como se mantém atualmente num escritor como Ronaldo Correia de Brito. Para tanto, apresenta reflexões sobre a sobrevivência do termo regionalismo, sua aplicação à obra rosiana -- especialmente em uma composição de Tutaméia -- e sua reposição na atualidade em um conto de Correia de Brito.
Propomos discutir como Os sertões foi incorporado, pela crítica, como obra de literatura e como, posteriormente, o romance Grande sertão: veredas passou a ser lido como ensaio. Para tanto, examina-se, de um lado, em vários estudos, como o primeiro foi consagrado como obra compósita, pertencendo, ao mesmo tempo, ao campo da literatura, da sociologia e da ciência, o que se tornou moeda corrente e cânone quase inquestionável, sobrevivendo por mais de um século. De outro lado, investiga-se como a narrativa rosiana passou a ser vista, por uma determinada vertente da crítica, como ensaio ou estudo das relações de poder no Brasil. É essa indistinção, paradoxal, entre sociologia e literatura, ciência e ficção que nos propomos investigar e problematizar, buscando compreender tal embaralhamento de gêneros.
Como têm sido publicados, em número crescente, trabalhos baseados na noção/conceito de alegoria sobre a obra rosiana, dos quais alguns têm tido repercussão e visibilidade nos meios acadêmicos - pela seriedade e também pela originalidade com que analisam seu objeto -, examinamos três estudos que tratam a obra de Guimarães Rosa, sobretudo Grande sertão: veredas, como alegoria histórico-política e social do Brasil: de Heloisa Starling, de Willi Bolle e de Luiz Roncari, que, recentemente, sobretudo os dois últimos, publicaram estudos alentados nessa direção. Esses autores têm procurado realizar uma reinterpretação de Grande sertão: veredas a partir da concepção de alegoria, em especial, a de Walter Benjamin, estabelecendo um paralelismo entre o romance rosiano e estudos de historiadores e sociólogos como Oliveira Vianna, Caio Prado Jr., Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Gilberto Freyre. Trata-se de leitura que tem raízes, principalmente, nos ensaios de Antonio Candido e de Walnice Nogueira Galvão e que, pelo modo de interpretar a relação realidade/obra de fi cção, traz implicações que merecem ser discutidas.
O presente texto procura mostrar que, em Guimarães Rosa, o universo do grande sertão contém um complexo de elementos fundamentais que perpassa historicamente as relações humanas e sociais do país. Embora seu objeto de representação seja um espaço determinado, o do sertão, o narrador de Grande sertão: veredas cria/reinventa uma realidade rica em significados sociais, políticos e culturais que denomina “sistema jagunço”. Este envolve um conjunto de relações de dominação regidas pela violência ou pela coação, pela preponderância do poder privado sobre o público, pela supremacia da tradição sobre a instituição.
O termo regionalismo, cunhado no século XIX para caracterizar a literatura produzida fora do Rio
de Janeiro, nas províncias, sobreviveu ao tempo. Conceito abrangente, passou a englobar autores e
obras os mais diversos, de diferentes regiões e períodos históricos, o que levou ao nivelamento de
textos de valor estético-literário díspar. Baseando-se num critério genérico e tradicional de
regionalismo, alguns críticos colocam num mesmo patamar estético-literário autores que vão de F.
Távora a J. Lins do Rego, de Simões Lopes Neto a Graciliano Ramos, de A. Arinos a Guimarães
Rosa. Como a produção rosiana passou a ser rotulada com a marca de regionalista, Antonio
Candido, entre outros estudiosos, tratou de diferenciá-la, lançando mão da noção de superregionalismo e Alfredo Bosi, da noção de romance de tensão transfigurada. Entendemos que, não
obstante a existência de muitos estudos sobre essa temática, é válida a problematização e a revisão
da caracterização da produção rosiana como