O presente artigo se a propõe analisar o conto “A terceira margem do rio” de João Guimarães Rosa, tendo em vista a poesis do devaneio desenvolvido por Gaston Bachelard. No conto, a imagem do rio, representada em suas três margens através das águas que se projetam, aparece como o grande símbolo da universalidade. Trata-se da epifania de um mistério que revelando estados de uma alma em devaneio, tece arte e vida numa conjunção de integralidade, força e beleza.
O objetivo desse trabalho é propor uma leitura da novela Cara-de-Bronze de João Guimarães Rosa, focalizando a questão da poeticidade e simbologia adotadas pelo autor a partir da mistura de gêneros e da estilização da linguagem poética, que caracteriza o texto. Nossa intenção é analisar como essas categorias se apresentam no espaço, tempo e personagens da novela, levando em conta a carga simbólica dos nomes dos personagens Grivo e Cara-de-Bronze. Percorremos a viagem do Grivo como uma metáfora da busca do homem pela poesia e sentido para sua existência. Para isso, fizemos uma análise utilizando as considerações de Rosenfeld (1997), sobre o hibridismo de gêneros, os estudos de Tadié (1994) sobre a poeticidade e o dicionário de símbolos de J. Chevalier e A. Gueerbrant (1997) em relação à simbologia.
Mais do que meros contadores de histórias ou estórias, os grandes escritores são capazes de criar universos ficcionais particulares, nos quais as mínimas partes se inter-relacionam dentro de um todo poético articulado. Nesse sentido, todos os elementos constituintes de um enredo combinam-se organicamente de tal modo que, por meio de cada um é possível ver representado o discurso maior pretendido pelo autor, embora somente na complementaridade de um com o outro se possa realmente materializar a totalidade do tecido. Em outras palavras, quando um escritor elabora seu texto, ele está ao mesmo tempo criando um universo particular – porque tudo naquela tessitura se combina de forma muito específica – e geral – na medida em que existe um princípio regente o qual se manifestará em qualquer outro texto produzido por ele. Fosse diferente, bastaria ao escritor (e ao leitor) apenas um único objeto artístico, já que qualquer outro diria exatamente aquilo que um primeiro já teria revelado. Por extensão, do mesmo modo que um conto pode interagir com toda a ficção narrativa que compõe a obra de um artista, dentro dele todas as suas partes estão conectadas numa espécie de jogo metonímico. Partindo, então, da premissa de que todo texto literário é merecedor de uma leitura singularizante, ainda que ele, obviamente, se insira no todo de um projeto estético, optamos por trabalhar em contos homônimos – “O espelho” – de Machado de Assis e de Guimarães Rosa – seus aspectos imagético-simbólicos, dando um destaque especial, sobretudo, para o objeto-tema escolhido por seus autores.
Pretendemos com este texto relacionar a escritura rosiana à filosofia do álcool, conforme proposta no livro O último copo: álcool, filosofia, literatura (2013), de Daniel Lins, que, por sua vez, inspira-se na vida e no texto do filósofo francês Gilles Deleuze, um ex-amante do álcool, tanto em suas possibilidades libertárias quanto estéticas. Abordaremos a escritura e a vida de João Guimarães Rosa tomando como referência o terceiro prefácio do livro Tutaméia, “Nós, os temulentos”, que quer dizer “Nós, os bêbados”, no sentido de rastrear uma presença do álcool e de suas possibilidades filosóficas e estéticas no texto rosiano. Tais aspectos já haviam sido, de certa forma, desenvolvidos anteriormente tendo como referência a filosofia trágico-embriagada do poeta filósofo Nietzsche no livro Mundanos fabulistas: Guimarães Rosa e Nietzsche (2011).