Na composição do sertão rosiano, os animais são presença constante. Embora, de todas as imagens, as dos animais sejam as mais comuns, em Grande sertão: veredas, chama a atenção não apenas o grande número de vezes em que eles aparecem, como as peculiaridades que revestem tal freqüência. O levantamento das ocorrências mais significativas da presença animal no texto, quer como tema quer como figura, e a análise da maneira como elas se dão mostram que o imaginário do sertão relativo a esse aspecto resulta da combinação de imagens tidas como universais e imagens particulares.
A vida animal na literatura brasileira; os casos particulares das obras de Machado de Assis e Guimarães Rosa: o animal sob um prisma ético, como sujeito ativo, fora do amansamento antropomórfico e moralizador associado à literatura ocidental.
Inscrevendo-se no coração da cidade moderna como espaço de (re)encontro do homem com os animais e uma natureza cada vez mais distante, o zoológico institui-se, na realidade, como um espaço artificial de marginalização e confinamento animal, reforçado as fronteiras entre o humano e o não-humano. Pretende-se pois, neste trabalho, indagar o modo como esse encontro entre o homem e o animal – através da jaula – é representado no texto literário, espaço privilegiado de apreensão da animalidade, porquanto nele o escritor tenta fixar, pela palavra articulada, a subjetividade dos animais, entrar, pelos poderes da ficção, na sua pele, imaginar o que eles diriam se falassem, conjeturar acerca dos seus saberes sobre o mundo e figurar a sua humanidade. Tomaremos como corpus de análise o conto “O búfalo” de Clarice Lispector (Laços de Família, 1960) e a série “Zôo” de João Guimarães Rosa (Ave Palavra, 1970), interpretados à luz das reflexões teóricas de autores como Gilles Deleuze, Jacques Derrida e John Berger.
O objetivo desta comunicação é elucidar elementos composicionais de textos selecionados da obra do escritor João Guimarães Rosa em que a temática bestiário, principalmente, inserida em um contexto moderno pode ser discutida. Para isto, primeiramente, para orientar essa discussão, trataremos de privilegiar uma ótica que almeja pensar a presença dos animais na trajetória literária rosiana. Na sequência, apresentar e culminar em sua última obra, Ave, palavra, cujos textos trabalham com a temática sobre os animais de forma intensa. Mais do que isso, ampliar nosso olhar para relação existente entre Homem e animal em uma perspectiva moderna, uma vez que os textos rosianos permitem
reflexões, por esses vieses, devido aos conteúdos cujos procedimentos estéticos dialogam
diretamente com as características da construção literária moderna. Utilizaremos embasamento teórico em estudiosos que pesquisam a referida temática, como a professora Maria Esther Maciel. Assim, trabalharemos a complexidade da escritura de João Guimarães Rosa com relação aos bestiários, tendo como lastro questões suscitadas em textos de sua carreira literária e, sobretudo, de sua obra póstuma, Ave, Palavra, refletindo sobre a fronteira entre humano e inumano, a qual oportuniza olhares interpretativos sob a figura do homem moderno.
A intenção em colocar os textos em confronto obedece à proposta de desdobramento dos temas aflorados pelo Diário de guerra, de Guimarães Rosa, pela coincidência verificada, no conto de Kafka e no texto de Coetzee, a respeito das experiências científicas relativas à evolução da espécie: em Kafka, essas experiências sofrem o processo de metaforização; em A vida dos animais, são documentados e discutidos de forma irônica e sob vários pontos de vista.
"Minha casa é um museu de quadros de vacas e cavalos", diz Rosa em entrevista a Günter Lorenz (1983:67). A afirmação se aplicaria facilmente a toda a obra roseana, onde o gado, além de evocar sua longa existência simbólica, mitológica e literária, se oferece à contemplação em toda a exuberância de sua materialidade ? som, cor, textura, volume, movimento, cheiro... Em O burro e o boi no presépio, a própria estrutura da obra exige essa contemplação. Nos vinte e seis poemas, os humildes coadjuvantes das Natividades de Botticelli, Schongauer, Dürer e outros, parecem aspirar a protagonistas, revestem-se do que Carlo Ginzburg chama ?dimensão ostensiva? (GINZBURG 2001:119): ao ?Ecce puer?, Rosa parece juntar ?Ecce bos!, Ecce asinus!?. Verbo e pintura continuamente reenviam-se, ostentam-se um ao outro e, junto com a ênfase insistente nos bichos, o leitor entreouve ?Ecce opera?! É nessa ekphrasis generosa, sem agon nem paragone, que cirandam os quadros, os bichos e a palavra de Rosa.