O objetivo da presente reflexão é apresentar os mecanismos metadiscursivos forjados no interior de uma obra e sua relação com o próprio discurso literário. Para tanto, propomos analisar a narrativa “Cara-de-Bronze” (No Urubuquaquá, no Pinhém, 2001), de João Guimarães Rosa, em sua estruturação discursiva global e em cada nível do percurso gerativo do sentido. Ao desvelar a tensão referencial versus poética como fulcro da construção discursiva de “Cara-de-Bronze”, a análise aqui articulada caracteriza o processo de “montagem” do texto ao longo da viagem discursiva empreendida. Dessa forma, perpassa-se por questões relativas à semiótica greimasiana, discutidas por Barros (1994) e por Bertrand (2003), que focalizam o sentido e o parecer do sentido. Aborda-se também o plano da enunciação, conforme problematizado por Dominique Maingueneau (1996, 2001), de forma a delinear a contradição entre a sugestão da intenção da enunciação e sua percepção na materialidade do enunciado. Ao traçar as relações entre as instâncias citadas e os “percursos” de suas buscas, será possível então vislumbrar a relação buscada entre o metadiscurso e o discurso literário.
Sabendo da plena consciência de Guimarães Rosa de que um autor deve explorar a originalidade da expressão linguística, fazendo com que ela seja capaz de exercer seu poder para atuar sobre os homens, este artigo tem o intuito de, através da descrição dos procedimentos enunciativos adotados pelo autor mineiro em sua narrativa Campo Geral, demonstrar como a língua se firma, em seu texto, não conforme um espelho da realidade, tampouco como um instrumento de representação dos fatos, mas como forma de ação sobre o próprio homem. A ideia é identificar as estratégias adotadas pelo enunciador para a configuração da afetividade que envolve esse discurso. Para isso, a análise de três dimensões da narrativa serão privilegiadas: a tensiva, a discursiva e a textual.
Este trabalho tem como objetivo ler o conto O espelho, de Guimarães Rosa (2005), focalizando a questão do imaginário, em termos psicanalíticos, em sua relação com a construção enunciativa do texto, que sugere o nascimento de um novo e outro sujeito. Para tanto, foram utilizados aportes teóricos oriundos da teoria da enunciação a partir de Benveniste (1989), assim como categorias de constituição do sujeito pelo viés da psicanálise, a saber: o real, o simbólico e o imaginário a partir de Fages (1971). O intuito do trabalho é uma leitura de caráter crítico e, por isso, entrelaçaram-se fundamentações teóricas e a prática analítica do conto.
De como o caso de um "Assombrado amor" se esvaece em uma enunciação dissipadora que retarda e obscurece o factual graças a uma complexa rede de imprecisões. De como as ações dos personagens tornam-se imprecisas, prevalecendo o jogo de relance dos nomes como movimentação de signos: de Ricarda Rolandina a Rudimira; de Reis augusto a Revigildo; do Padre Roque ao Padre Peralto. E o nome Cristeléison, personagem cuja mendicância funciona como a "casa vazia", na expressão de Deleuze, promovendo a circulação dos actantes. De como ao leitor resta apenas (e é tudo!) a busca do que se passa nos desvãos do enunciado, cuja desconstrução só permite a ancoragem num significado "excentrado em transparência". E de como o amor é sorvido pelo abismo do "nunca", que tem como metáfora a peça defeituosa do "Retábulo de São Nunca".
Este trabalho analisa os neologismos presentes noconto Nós, os temulentos, (Tutameia, Guimarães Rosa,1968), a partir dos conceitos de Sistema, Norma e Uso,propostos por Eugenio Coseriu, em face da dicotomiaLangue e Parole de Ferdinand de Saussure . Tendo emvista uma concepção de texto como um ato de linguagem,as criações neológicas do texto, fonte para o enriquecimentodo léxico português, testemunham uma atividadeilocucionária consciente do sujeito enunciador,o qualexplora as potencialidades da Língua, a partir das virtualidadesdo Sistema.Palavras-chave: Neologismos; enunciação; atos de fala.
Este texto analisa, com base nos pressupostos teórico-metodológicos da semiótica tensiva, o conto “Pirlimpsiquice”, de João Guimarães Rosa, com o objetivo de verificar o modo como o conceito de acontecimento, estabelecido por Claude Zilberberg, manifesta-se no texto tanto no nível da enunciação quanto no nível do enunciado. Nosso objetivo é observar o modo como se dá fusão do uno e do múltiplo no texto por meio da análise da forma como o narrador, no presente, rememora um acontecimento passado vivenciado por ele quando ainda menino juntamente com seus colegas de internato. Nessa história, o menino e seus colegas, após deslizar para o imaginário, para a fantasia, acontecimento que se dá com a encenação de uma peça no colégio interno, retorna para a sua rotina. Tal trama do texto enunciado constitui-se, por sua vez, como um outro acontecimento, o acontecimento mitopoético que é o próprio conto, relatado no presente da enunciação pelo narrador.
Nos textos rosianos, os pronomes desempenham funções que ultrapassam aquelas referências mais
frequentemente previstas pelo sistema da língua, revestindo-se de uma carga expressiva emanada pelo próprio texto. Os pronomes demonstrativos - adjetivos ou substantivos - e os pronomes adverbiais adquirem significados diferenciados, dependendo da relação que estabelecem com a instância discursiva. Em relação aos pronomes demonstrativos, examinaremos a indicação espacial expressiva em "este", "esse", "aquele" e "aquilo". Já em "lá", marcador do espaço fora da cena enunciativa, analisaremos a especificidade semântica desse dêitico, indicador de um espaço suprarreal, que denominamos de mágico-poético.
Responsável pela arquitetura narrativa de Grande sertão: veredas, o narrador Riobaldo conduz o jogo dialógico de modo a criar um vaivém discursivo que possibilita a detecção pontual de segmentos pertencentes à ordem do discurso e à ordem da história (respectivamente, mundo comentado e mundo narrado, segundo Harald Weinrich). Permeando um e outro mundo, estão as obsessões fundamentais do narrador, das quais destacamos aquela relativa à existência ou não do diabo. As ambiguidades derivadas desse movimento oscilante entre o ser e o não-ser provocam ainda o deslizamento entre o real e o irreal, o dito e o não-dito, o aparente e o oculto, o dado e o suposto. A coerência, no entanto, é reconstituída no alinhavado constante de vários recursos argumentativos que buscam a adesão do interlocutor, cuja voz só é entre ou vida pela voz do narrador. Nesses casos, verificamos a presença do recurso ao argumento de autoridade, seja pela competência, seja pela experiência, seja, ainda, pelo testemunho. É, pois, nesses momentos de interlocução semiexplícita, na instância da enunciação, que se apresentam, com maior nitidez, elementos linguísticos denunciadores das estratégias argumentativas que provocam e incitam o interlocutor/leitor a acompanhar esse "narrar dificultoso” e a finalmente concordar que “O diabo não há!... Existe é homem humano”.