É possível falar de um exotismo essencial na obra de João Guimarães Rosa ou, ao menos, que ela possui peculiaridades de uma humanidade local frente aos olhos de um citadino letrado? Se, por um lado, tal leitura é possível e legítima, por outro, não estaríamos correndo o risco de cair em um reducionismo demasiadamente simplista? Não seria melhor pensarmos que a verve desse autor, a idiossincrasia de seus personagens, sua linguagem e seu universo ocultam questões fundamentais capazes de suscitar reflexões que podem subverter as condições impostas pela realidade vigente? Tal é a hipótese que guiará nossa investigação. Buscaremos reconhecer o caráter exemplar dessa obra frente ao controle exercido por uma racionalidade soberana e soberba, inserindo-a no rol da modernidade artística.
O ponto de partida do ensaio é o diálogo de João Guimarães Rosa com Edoardo Bizzarri, tradutor italiano de Corpo de baile, acerca de uma única página "intraduzível " desse imenso livro de novelas. Veremos que tal página contém a fala de um "doido", o Chefe Ezequiel, que ouve e distingue coisas incompreensíveis para os demais: a linguagem da noite. Dotado de uma percepção aguçada, ele fala uma língua estranha, de conteúdos enigmáticos, freqüentemente atribuindo outros nomes para as coisas e novos significados para os nomes, ou simplesmente criando nomes motivados por inusitadas sinestesias. Brincando com a linha tênue e arbitrária que distingue as coisas do mundo, é essa linguagem obscura que desconcerta a tradução da novela "Buriti ".
A comunicação tem por objetivo expor as relações entre voz, linguagem literária e composição ficcional em um conto de Guimarães Rosa, “Sorôco, sua mãe, sua filha”, abordando a questão da loucura expressa no “canto sem razão” das duas personagens femininas referidas no título. A análise atenta de algumas passagens dessa narrativa de Primeiras estórias leva-nos a escutar as margens extremas que a voz associada à loucura pode alcançar. Por um lado, essa voz ecoa desde a mais absoluta carência de sentido em uma cantiga que “não vigorava certa nem no tom, nem no se-dizer da palavra”; por outro, esse mesmo canto será capaz de reagregar os laços mais vitais de uma comunidade sertaneja. O surpreendente nesse conto de Guimarães Rosa é o fato de ele condensar, em suas poucas páginas, uma voz que ressoa, a um só tempo, aquém e além do sentido que comumente conferimos somente à palavra ou à lógica da linguagem. Para desenvolver essas questões, recorre-se também a alguns teóricos que, nas últimas décadas, pensaram a questão da voz associada ou não à palavra.
Este artigo discute a temática da loucura por meio da análise dos contos “O alienista”, de Machado de Assis, e “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa; privilegiando a abordagem que neles encontramos dos discursos político e social da época. Esclarecemos que a história faz parte das obras de Machado e Rosa não como instrumento de protesto social, mas como um vínculo indissociável entre literatura e sociedade.
Análise comparativa dos contos “O espelho” e “O alienista”, de Machado de Assis, e “O espelho” e “Darandina”, de Guimarães Rosa, com o objetivo de indicar semelhanças e diferenças no trato do tema do duplo, do espelho, da relação entre razão e loucura, dos papéis e máscaras sociais assumidos pelo homem.
Inscrevendo-nos em uma perspectiva filosófico-literária, com este trabalho pretendemos realizar uma análise do conto "Sorôco, sua mãe, sua filha", publicado em 1962, por Guimarães Rosa. Para tanto, apropriaremo-nos da categoria alegórica "Loucura" aludida por Michel Foucault, que faz uma crítica às estruturas políticas e epistemológicas as quais presidem a racionalidade do mundo moderno. Após as análises empreendidas, percebemos que a loucura é expressa por meio do discurso silenciado ou valorizado, o que sobre como nos binômios sociais há sempre a superioridade de um em detrimento de outro.
O trabalho realiza um percurso comparativo por três contos que têm figuras de loucos em seu centro – “Darandina” e “Sorôco, sua mãe, sua filha”, de Guimarães Rosa, e “O alienista”, de Machado de Assis –, discutindo as formas que a loucura assume neles e suas relações com a idéia e as demandas de uma certa coletividade, sobretudo a dupla e instável necessidade de romper e manter os limites identitários da dita “normalidade”.
O presente artigo pretende discutir três contos de Guimarães Rosa, do livro Primeiras Estórias, em torno da temática da desrazão e suas diferenciações com a loucura. Parte-se de algumas considerações psicanalíticas sobre as relações entre arte e patologia, do ponto de vista da criação, para em seguida focalizar nos contos o modo como as personagens expressam um território não abarcável pela ciência positiva, a que Foucault denominou "Pensamento do Fora". Entre a sanidade domesticada e a loucura, Rosa dá voz à desrazão em personagens de um sertão desconhecido.
Pretende-se cotejar o conto “O Alienista”, de Machado de Assis, inserido em Papéis avulsos (1882), com o conto “Darandina”, de Guimarães Rosa, publicado em Primeiras estórias (1962). Ambos abordam, de modos distintos e contundentes, as relações entre o poder e o discurso psiquiátrico. Considera-se, ainda, que Guimarães Rosa tenha dialogado explicitamente com o texto machadiano, assim como fez em sua réplica homônima ao conto “O espelho”, também de Machado.
Este texto objetiva considerar que, diferentemente do vivenciado em tempos passados, mudanças ocorrem nas práticas em Saúde Mental que possibilitam saídas para o sujeito encarcerado no mundo das drogas. Elas contam com possibilidades desse próprio sujeito e com a entrada em cena de outros atores sociais, indo além do instituído pelas políticas públicas, como a Reforma Psiquiátrica, e pelo saber profissional, surpreendendo com invenções que só acontecem quando se abre para o inusitado e se desprende do enraizamento aos mesmos paradigmas. Ilustra-o um caso clínico atendido no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Coronel Fabriciano-MG, que encontra sua própria saída seguindo os postulados usados pela equipe de saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), saberes construídos em parceria inédita entre aquele movimento e a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, através da Escola de Saúde Pública. Traçase um paralelo entre o paradigmático caso da internação manicomial da mãe e filha de Sorôco, personagens de João Guimarães Rosa, em seu livro Primeiras estórias, em que o determinismo da única e imposta saída são percebidos de forma avassaladora, tanto pelos protagonistas como pelo povo do local, comparando-se com as possibilidades contemporâneas. Diversificação das saídas permitem ampliação dos recursos, facilitando ao sujeito a localização de seu papel singular, encontrando respostas únicas, originais, abrindo outros espaços psíquicos possíveis, para além do que nos foi retratado pelo poeta. Aborda também a capacidade de interposição do saber profissional entre o sujeito e suas saídas, por estarem estas fora do instituído como saber legítimo.