"O baile rosiano: alguns nomes e outros recados" dialoga principalmente com a obra de Ana Maria Machado, Recado do nome. A partir de "Campo Geral", são analisados alguns nomes de Corpo de Baile, com o intuito de dar um pequeno, todavia importante, passo na compreensão do enigmático bailado. Este estudo abarca ainda a análise de algumas correspondências entre os personagens das diversas sagas, que acabam por revelar a mundividência rosiana. Pode-se verificar, enfim, que o destino dos seres conectados com a vida em si mesma, entusiastas da Arte e da Alegria, se contrapõe ao dos indivíduos imersos apenas em labor e pesar.
Em “Rosa e Nietzsche: entusiasmo dionisíaco em Corpo de baile”, procura-se estabelecer aproximações entre escritor e filósofo tomando como base, sobretudo, a saga “Campo Geral” e O nascimento da tragédia. O ainda jovem pensador alemão, apaixonado pela arte, erige uma obra em defesa da celebração da vida em consonância com o bailado rosiano. Rosa e Nietzsche se irmanam na oposição (ou restrição) aos ditames da moral cristã e da lógica. Ambos consideram imprescindível a interação homem-natureza e veem na potência criadora a fonte de superação da tragicidade existencial. Ambos defendem a festividade dionisíaca de uma era pré-socrática. Os “profetas” Zaratustra e Dito são recadistas da Alegria. A pesquisa comporta também um paralelo com o pensador Edgar Morin, que vai buscar nas raízes do amor e da poesia uma concepção de mundo perdida que só a sabedoria, para além dos limites da razão e da ciência, pode recuperar.
Vamos questionar como a Natureza se deixa-viger na poética de Alberto Caeiro e Guimarães Rosa. Manuel Antônio Castro, poeticamente, afirma que “os conceitos são o aborto das questões” (CASTRO: 2007, 04), assim sendo, apesar de Caeiro ter se firmado como poeta e Rosa, como prosador [publicou um único livro de poemas – Magma ], usaremos a denominação poética para dialogarmos com a produção textual destes dois pensadores da modernidade, não só por sermos refratários à imposição de conceitos dicotômicos e abortivos, mas também, por acreditarmos que mesmo sem grandes sagacidades literárias, é possível apreender que a prosa de Rosa é tão carregada de poesia quanto os poemas de Caeiro. Octavio Paz argumenta – “A linguagem, por inclinação natural, tende a ser ritmo. Como se obedecessem a uma misteriosa lei de gravidade, as palavras retornam à poesia espontaneamente.” (PAZ: 2006, 12) Seguramente a prosa de Rosa é um retorno constante à poesia.
O artigo caracteriza a criança a partir do personagem central da novela Campo
Geral, de João Guimarães Rosa: Miguilim. Na obra a identidade infantil é construída a partir
de passagens do livro que estão associadas às particularidades do personagem. Desde a mais
tenra idade, o indivíduo tem necessidade de pertencer a determinado grupo e sofre com a
dificuldade de aceitação pela sociedade, inclusive pela própria família. A dificuldade da
participação espontânea das crianças nas práticas sociais evidencia a exclusão e
marginalização sofrida por esse grupo há tempos e ainda na contemporaneidade. A
necessidade de um novo olhar para a criança é justificada pelo sofrimento, apresentado pelo
personagem, ao ser incompreendido e ignorado. A construção identitária da criança nesta obra
do escritor Guimarães Rosa quer chamar a atenção para este grupo, que precisa ser aceito e
acreditado como seres de personalidade e identidade próprias.
ste artigo propõe uma análise da representação da infância em Campo Geral, de Guimarães Rosa, levando em consideração a abordagem sócio-histórica explorada pelo narrador. Neste sentido, apresenta-se uma infância na qual se mesclam elementos antigo-medievais e modernos em constante ciclo de tensão, conforme Jaques Le Goff. Ao analisar o conceito de infância com essa perspectiva, sem refutar os elementos míticos e místicos, consideramos que os componentes contraditórios da narrativa não são solucionados, mas potencializados por meio de ritos de passagem experimentados pelo protagonista Miguilim: os medos, os conflitos, as perdas e as separações que fazem parte dessa concepção antropológica da infância na narrativa rosiana.
O objetivo deste artigo é estudar as narrativas de Guimarães Rosa como construção de uma linguagem poética que abre novas perspectivas ao pensamento, distanciando-se dos parâmetros da racionalidade ocidental. Como estratégia analítica, desenvolve-se um paralelo entre a estória rosiana do menino Miguilim e o relato autobiográfico do africanista Amadou Hampâté Bâ, com atenção para os capítulos referentes a seus tempos de criança. Nas duas narrativas, observa-se a conjugação de aspectos sobreviventes de culturas orais arcaicas com a peculiaridade do ponto de vista infantil para o delineamento de modos alternativos de conhecer o mundo. Destaca-se a proximidade entre tais modos de conhecimento e a cunhagem peculiar de conceitos empregados por antropólogos e filósofos contemporâneos que se desviam da epistemologia hegemônica. Para ampliar o campo de debate, consideram-se, ainda, brevemente, os diários e memórias de Carolina Maria de Jesus, escritora descendente de africanos, semialfabetizada mas prolífica e potente. Nesse percurso, procura-se destacar a dimensão investigativo-crítica da forma narrativa.
A poética da miopia, as paisagens interiores, o silêncio, a ausência de música no filme, o lastro documental e a fidelidade à estética de Guimarães Rosa são temas suscitados pelo longa-metragem “Mutum” (2007), uma adaptação da novela “Campo Geral”, do Corpo de baile (1956), mais conhecida como “a estória de Miguilim”. Veremos como o filme recria o texto literário e o próprio método de trabalho do escritor, que fazia viagens de pesquisa pelo sertão do Brasil, recolhendo elementos para suas estórias.
O presente artigo pretende analisar a relevância das estórias contadas (cantadas) em “Campo
Geral”, novela que se encontra em Manuelzão e Miguilim de João Guimarães Rosa, bem como
as opções e soluções tradutórias encontradas por Edoardo Bizzarri ao traduzí-las para a língua
italiana. Para tanto nos basearemos nas reflexões de Steiner (2001) a respeito de alguns
argumentos da Literatura Comparada e em Berman (2007) e Benjamin (1923) no que se refere à
tradução do texto literário enquanto experiência e singularidade, para que assim tenhamos
subsídios para analisar a construção dessas estórias dentro do texto original e no texto traduzido.
Em Corpo de baile (1956), de Guimarães Rosa, a viagem é marcada por diferentes significados que tanto evidenciam o deslocamento pelos caminhos do sertão como para o interior do homem. O ato de viajar representa sentidos que vão além do deslocamento físico, produz paisagens reais e simbólicas. Para refletir sobre a viagem-travessia, propomos uma leitura conjunta das novelas “Campo geral”, “Uma estória de amor”, “Cara de Bronze” e “Buriti”, tendo como foco os protagonistas de cada novela, que aparecem em permanente trânsito. Nessa perspectiva, a temática dos viajantes e a leitura dos espaços em trânsito propiciam importante ponto de reflexão sobre os diferentes ciclos de vida das personagens.
Tomando como ponto de partida o personagem Miguilim como homo sacer, na perspectiva de Giorgio Agamben, procura-se analisar, em Campo geral, a duplicidade dessa narrativa que apresenta o texto literário como oscilação entre testemunho/perda/falta/morte e criatividade/auto-referencialidade/vida.
Campo geral es una de las siete novelas que integran Corpo de baile (1956). A partir de la tercera edición en 1964, Corpo de baile se desdobló en tres libros autónomos: Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá, no Pinhem e Noites do sertão. Campo geral es la primera narrativa del libro Manuelzão e Miguilim. Teniendo como punto de partida el mundo sertanejo de Minas Gerais, Guimarães Rosa va de a poco desentrañando lo que existe de universal en la particularidad regionalista, y al mismo tiempo realiza un notable y poco común trabajo de lenguaje, ampliando las posibilidades léxicas y sintácticas de la lengua.
Este artigo propõe-se a refletir sobre a literatura de Guimarães Rosa dentro de duas publicações que se baseiam em sua biografia e obra: João: o menino rosa, de Lúcia Fidalgo (2011), e João, Joãozinho, Joãozito: o menino encantado, de Cláudio Fragata (2016). Esta última é uma obra literária juvenil que tem como enredo a biografia de Guimarães Rosa narrada de forma a entrelaçar sua própria vida com sua literatura. A primeira é uma biografia para crianças que também se aproxima da obra roseana. Nos dois casos, há uma intertextualidade evidente com a obra de Guimarães Rosa, a qual estará ligada, no caso de Fidalgo (2011), ao o conto A terceira margem do rio, da obra Primeiras Estórias, ao passo que em Fragata (2016), a relação ocorrerá com a novela Campo Geral, da obra Manuelzão e Miguilim. A intertextualidade será concebida a partir dos estudos de Jenny (1979) e Reis (1981). O objetivo, por fim, é verificar como os autores concebem o seu processo de criação, tendo em vista a utilização da obra roseana, num percurso que nomeamos, neste trabalho, de “literatura dentro da escrita”, uma liberdade que tomamos para caracterizar a intertextualidade.
Este texto tem como objetivo analisar as imagens da infância presentes nos relatos de memória de moradores do Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, com base nas reflexões de Georges Didi-Huberman a respeito da representação dos povos, sua super ou subexposição, assim como na arqueologia dos brinquedos proposta por Walter Benjamin. Observa-se, ainda, a estreita relação existente entre o universo descrito nesses relatos e a poética de Guimarães Rosa.
A novela Campo Geral é a história de um menino imerso em um mundo abissal, vivendo as agruras de uma vida miserável, juntamente com a família, no interior das gerais, condição essa, de aniquilamento da infância e um afastamento do mundo da criança e suas especificidades. Essa condição de fragilidade e dureza descortina a realidade brutal vivida pelo protagonista, afastando-o sistematicamente do humano e, concomitantemente, o aproximando do não humano, lugar onde se sente livre, feliz, acolhido, numa imbricada relação de pertencimento. Este artigo propõe uma leitura do espectro fronteiriço entre o não humano e o humano na novela Campo geral, de Guimarães Rosa, partindo da corrente mecanicista de Descartes, encontrando nas ruínas dessas relações entre o não humano e o humano o ponto de desmontar, de desconstruir, o conceito tradicional do não humano, atrelado ao lado selvagem e instrumentalista, buscando reavivar algo de arquétipo que possibilita remontar, ressignificar esse conceito numa perspectiva mais responsável e humana.Palavras-chave: Não humano. Humano. Espectro fronteiriço.
Este artigo procura refletir acerca de uma noção de indeterminação que se dá na materialidade da linguagem atuante na novela “Campo Geral” (1956), de Guimarães Rosa. Os silêncios e as dificuldades de pensar e de dizer presentes na narrativa sugerem uma atenção às experiências vividas, de modo que aberturas possam surgir de formas de vida aparentemente estáveis. A partir do olhar do menino Miguilim, busca-se observar como a escrita de Rosa cria experiências de passagem, fazendo transbordar uma linguagem que não se insere na lógica racional e utilitária. O trabalho analisa a estranheza da sintaxe do texto como tentativa de materializar a perplexidade e a inquietude que tornariam viva a língua escrita. No ato de fabulação de Rosa e do personagem Miguilim, nota-se que a linguagem pode acessar outros mundos. Assim, pensar, lembrar e inventar são meios de expor enigmas. Ao dar concretude ao que não pode ser explicado, são produzidas novas formas de vida, mais dispostas à vulnerabilidade; formas de vida que buscam conviver com as incertezas das experiências sensíveis.
As análises das obras roseanas frequentemente consideram relevantes fatos ligados à vida do escritor: sua infância no Sertão de Minas Gerais e suas posteriores andanças pela região, sua carreira médica e diplomática, seu profundo conhecimento de diversas línguas, seu misticismo. Sua obra refletiria, mais ou menos fielmente, sua vida pessoal. Neste trabalho, proponho uma análise da novela Campo Geral, de 1956 [1977], que é considerada, por muitos críticos, como autobiográfica. O objetivo foi buscar conciliar a inevitável influência da vida biográfica do autor sem, no entanto, confundir ou mesclar cena de enunciação e situação histórica. Para tanto, são levados em consideração, para as análises propostas, conceitos como o de ‘cenografia’ e o de ‘paratopia criadora’, instituída na confluência das instâncias ‘pessoa’, ‘escritor’ e ‘inscritor’, presentes em Maingueneau (2006).
Estudo do uso narrativo da imagem dos cães na novela Campo Geral, de Guimarães Rosa. As relações entre a natureza e a cultura, de tanta importância na obra do autor, aparecem realçadas quando nos dirigimos ao papel desempenhado pelos cães, qual seja, o de marcadores do percurso narrativo, os quais redobram e anunciam as ações das personagens humanas. Análise dos elos entre o texto de Rosa e as tradições mítico-literárias que fazem uso de imagens semelhantes em relação a cachorros.
O cerrado mineiro passou nas duas últimas décadas por um processo de ocupação nos moldes da modernização capitalista da agricultura que teve como um de seus pressupostos a visão da região como uma área deserta. Seus poucos habitantes não teriam o necessário "espírito aventureiro", a "coragem" ou a "mentalidade" para lançar-se na "conquista" da região. O artigo procura contrapor-se a essa visão por meio de uma análise da novela "Campo Geral", de João Guimarães Rosa.