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por
Júlia Tavares


Reagindo contra a violência doméstica



comportamento
Pessoas desaparecidas

 

 

Você acha que a justiça é o melhor caminho para resolver casos de agressão entre casais e namorados?

 

 
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PROCURAR AJUDA NA JUSTIÇA E EM ENTIDADES CIVIS ORGANIZADAS É PRIMEIRO PASSO PARA VENCER DEFINITIVAMENTE A SITUAÇÃO


  Em 8 de março, o mundo celebra o Dia Internacional da Mulher. Mas neste ano a comemoração ainda deve ser tímida: segundo a Fundação Perseu Abramo, 43% das brasileiras alegam ter sofrido algum tipo de violência. Um terço dessas mulheres diz ter sofrido agressão física, 27% falam de violência psíquica e 11% afirmam já ter sofrido assédio sexual. Em grande parte dos casos, o agressor é o marido ou namorado e, para vencer o problema, é preciso que toda a sociedade se sensibilize. Esse pensamento é compartilhado por Delegacias da Mulher do Município de São Paulo organizações não-governamentais – tanto as que se declaram feministas como as que lutam pelos direitos humanos em todas suas esferas.
O primeiro passo para essa sensibilização é esclarecer a população sobre as diversas manifestações da agressão doméstica. “Culturalmente, ela está banalizada. Desqualificar, ofender e ameaçar são formas sutis de agredir, mas com impacto psicológico muito sério para a mulher”, afirma Célia
Regina Zapparolli, presidente da ONG Pró-Mulher Família e Cidadania, criada em 1977 com o objetivo de diminuir o impacto da violência doméstica e prestar atendimento às famílias.

Outro ponto importante, para Célia, é deixar de encarar a mulher na posição de vítima. “Com exceção dos casos de doença psicológica, ele vem da escalada dos conflitos que naturalmente ocorrem entre todas as pessoas, mas, quando mal gerenciados, podem enveredar para ataque, tanto moral como físico”, diz ela, que prefere usar o termo “mulheres em situação de violência”, lançado pelo movimento feminista em meados dos anos 90.

“Desqualificar, ofender e ameaçar são formas sutis de agredir, mas com impacto psicológico muito sério para a mulher.”
Célia Regina Zapparolli, presidente da ONG Pró-Mulher Família e Cidadania


Esse termo esclarece a existência de um contexto, envolvendo toda a família: a mulher, seu companheiro e os filhos. “Por isso nossa ONG propõe políticas públicas mais integrais e eficazes, que levem em conta a interdisciplina e a transformação do pensamento dos envolvidos e também dos operadores do direito (delegados, juízes, promotores, advogados, procuradores, funcionários públicos) e de toda a população, trabalhando não só sob o enfoque jurídico, mas também, a transformação de padrões culturais, dos envolvidos”, conta ela.

Lei polêmica

Os casos de agressão contra a mulher são tratados pela Lei 9.099, de 1995 –que processa todos os casos criminais envolvendo lesões leves, sendo que até um braço quebrado é encaixado nesta definição – inclusive acidentes de veículos. O principal ponto controverso da lei está na penalização do agressor, considerada muito leve pelo movimento feminista e por organizações como o Pró-Mulher Família e Cidadania: quando os processos chegam ao Fórum, a condenação do marido ou namorado costuma ser o pagamento de algumas cestas básicas. Em outras situações, ele é obrigado a prestar serviços totalmente dissociados do ato praticado, como, por exemplo, pintar escolas.

Para saber como a lei é aplicada nos casos de violência contra a mulher em relações conjugais, Wânia Pasinato, do Núcleo de Estudos da Violência da USP , fez uma tese de doutorado analisando os termos circunstanciados – documento que substitui o boletim de ocorrência para casos que se encaixam na
Lei 9.099, encaminhado diretamente para julgamento – em três Delegacias da Mulher (DDM) do Município de São Paulo, situadas nas zonas sul, leste e oeste. Ela critica a aplicação da lei por parte de juízes, promotores e advogados, mas conclui que as DDMs e, principalmente os Juizados Criminais Especiais (criados pela lei), se constituíram importantes espaços de “fortalecimento” da mulher em situação de violência.


De 1996 a 1999, ela constatou que houve aumento considerável no número de dos registros envolvendo mulheres acima de 15 anos em relacionamento conjugal. Sua base de comparação foi a taxa de crescimento da população feminina nessa faixa etária. “Isso não quer dizer que a violência aumentou, mas sim que as mulheres estão mais informadas e diminuíram a tolerância em relação às agressões”, explica.


foto:Cecília Bastos
“As delegacias da mulher e os juizados especiais são importantes espaços de fortalecimento da mulher em situação de violência.”

Wânia Pasinato, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência

Para a presidente do Pró-Mulher Família e Cidadania, que é advogada e mediadora, o aumento do número desses termos ou boletins de ocorrência deve ser visto com cautela. “É preciso ver quantos deles se tornaram processos, já que nossa experiência mostra que boa parte das ocorrências não são representadas e o agressor continua impune”, diz Célia. Ela conta que muitas mulheres desistem de dar prosseguimento ao caso, muitas vezes por falta de condições materiais e psicológicas.

Quem se decepcionou com o andamento dado na Delegacia do Rio Pequeno foi Valéria Campos, tesoureira do Instituto de Psicologia. Sua prima apanhava do marido, alcoólatra, que também fazia ameaças de
morte e de levar o filho do casal embora. “Toda a família dava apoio, falávamos para ela denunciar. Fomos à delegacia, mas eles exigiram três B.O.s para tomar alguma atitude contra o marido”, lamenta. Depois do segundo B.O., o destino da prima de Valéria foi fugir sem deixarpista alguma do novo endereço. “Ela só voltou a dar sinal de vida depois que soube que ele estava morto”, diz. Mesmo assim, Valéria não quer deixar de acreditar na justiça. “A mulher conquistou seu espaço, e se sofre violência tem que denunciar”, afirma.


Perfil da violência

Segundo Márcia Salgado, delegada e dirigente do setor técnico de apoio às DDMs, as mulheres agredidas chegam preocupadas com a possibilidade de prisão do marido, que não está prevista pela lei. “A primeira coisa que ela quer saber é se o marido vai ser preso. Dificilmente a mulher chega convicta de querer exercer o direito de punir o marido. Na verdade, ela espera uma providência imediata das autoridades para que mudem o comportamento dele”, diz.

Márcia rebate as críticas da pesquisadora Wânia quanto à má orientação dada às mulheres nas delegacias, mas reconhece que faltam recursos nos juizados especiais para acompanhar de perto os casos de violência. A cidade tem apenas dois juizados autônomos (um em Itaquera e outro na Barra Funda), que são centros elogiados por oferecerem serviços como o Pró-Mulher Família e Cidadania. A ONG desenvolveu um método de mediação familiar com resultados animadores. “Não se trata de reconciliação, mas sim de trabalhar para que a pessoa tenha consciência de que é senhora da própria vida”, diz Célia.

Dificilmente a mulher chega à delegacia convicta de querer exercer o direito de punir o marido.”
Márcia Salgado, delegada

Ao traçar um perfil das mulheres que procuram as delegacias, Wânia rebateu a noção comum de que os abusos aconteçam somente em classes menos favorecidas. “Embora seja reduzida a porcentagem de mulheres com grau superior de escolaridade, que exercem função remunerada e residem em bairros de classe mais elevada da região, elas também procuram ajuda”, constata a pesquisadora, que acredita que boa parte dessas mulheres tenha mais acesso a outras instituições de proteção legal e social.

Enquete


Você acha que a justiça é o melhor caminho para resolver casos de agressão entre casais e namorados?

- “É complicado. Eu descreio na justiça não só em relação a esse tópico. No nosso país e na nossa sociedade o que impera é a desvalorização da mulher. O caminho que acredito é mais longo e envolve diversas frentes, como a educação.”
M. do Carmo Ferreira, engenheira da Prefeitura do campus da capital

- “Acho que sim. Essa é a única maneira de diminuir os casos.” Alessandra Lopes Arantes, da sessão de alunos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas

- “Essa é uma pergunta polêmica, porque a mulher também é responsável. Se o marido agride verbalmente, ela não tem que revidar, dessa forma vai se conscientizar e resolver na base do diálogo. Já se for uma agressão física, a denúncia para a justiça pode inibir o marido.”
Seridan Torres, vigia do Cepeusp

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O Espaço Aberto é uma publicação mensal da Universidade de São Paulo produzida pela CCS - Coordenadoria de Comunicação Social.
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