Discute-se o funcionamento do conceito deleuzeano de ritornelo em "Campo geral", de João Guimarães Rosa, para analisar, em uma abordagem comparatista, como isto acontece em 'Mutum' (2007), filme de Sandra Kogut, inspirado na novela rosiana. Reafirma-se, assim, a potência arte de rosa, à luz de uma perspectiva contemporânea, ampliada, de sua produção.
No contexto da Literatura e Cinema tendo como foco a tríade autor-texto-leitor, realiza-se uma leitura de Mutum (2007), de Sandra Kogut, transposição fílmica da novela Campo geral/Miguilim (1956), que integra a obra Corpo de baile, de João Guimarães Rosa. Considerando a premissa de Mikhail Bakhtin de que um texto que fala com outro texto é uma encenação de vozes, tal práxis de leitura busca desvelar, tanto no livro de Guimarães Rosa quanto no filme de Sandra Kogut, como a voz do protagonista Miguilim resulta de sua interação com o Mutum – espaço geográfico e social no qual esta personagem está inserida.
A presente dissertação empreende uma leitura poética da novela Campo Geral, de Guimarães Rosa, do filme Mutum, baseado na novela citada e dirigido por Sandra Kogut e da investigação em campo realizada em cidades de Minas Gerais-MG envolvidas na realização desse filme. O propósito dessa leitura é comunicar a experiênica devaneadora realizada a partir de uma obra fílmica, de uma narrativa literária e do encontro com cinco atores não-profissionais e três pessoas da equipe técnica de Mutum. Para isso, o devaneio poético, proposto por Gaston Bachelard, é usado como recurso cognitivo para experienciar a realidade semi-imaginária do homem, a partir do acionamento do duplo no processo de participação afetiva (MORIN,1997). O filme escolhido trata das impressões de uma criança, que vive com seus pais, seus irmãos, sua avó e sua cachorra Rebeca num lugar chamado Mutum. Sob a perspectiva do ser devaneador, que medita sobre as imagens da infância onírica dentro do contexto do sertão, de um sertão que é transformado e alargado por meio do sonho poético, alcançamos a infância meditada (BACHELARD, 2006). Ao longo da narrativa desta pesquisa, Guimarães Rosa, a diretora Sandra Kogut, eu mesma enquanto indivíduo/pesquisadora e os interlocutores da Família Mutum que encontrei em Minas Gerais, todos nós somos tomados enquanto Miguilins que sonham o sertão da cabaça azul. Incandescentes, múltiplos, palimpsestos, esses Miguilins são portadores da carteira de identidade multicolorida e com ela compreendem a participação humana na Grande Narrativa (SERRES, 2005).
Esta tese propõe uma transposição da teoria da tradução articulada pelos poetas concretistas para a interface entre a literatura e o cinema. Ao investigar a relação entre esses dois sistemas semióticos, esta pesquisa percebe que o encontro entre a literatura e o cinema antecede o surgimento do cinema narrativo e, portanto, pode ser pensado sob outras perspectivas, que não a narrativa. A análise é feita a partir do filme Mutum (2007), de Sandra Kogut, que dialoga com a novela Campo geral (1956), de João Guimarães Rosa. Mutum atualiza o texto rosiano e, como continuidade desse texto, permite que ele seja revisto através da realização do filme. Enquanto um eclipse, o movimento do filme age como uma camada que, durante um tempo definido, sobrepõe-se ao texto literário, e traz a ele nova dimensão: ao texto acrescenta cortes móveis da experiência. A análise da operação tradutória ocorrida de Campo geral a Mutum aponta para a possibilidade de a experiência do cinema ser vista como expansão do campo literário. Inicialmente, o filme Mutum é tratado por esta tese como uma transformação material da novela rosiana. Em seguida, aborda-se a tradução como possibilidade de extensão ou continuidade do texto literário e, finalmente, a traduçãoé vista como um processo de subtração ou con-fusão. Curiosamente, a operação de subtração das camadas críticas que revestem o texto acabou levando o filme a encontrar a poética do escritor mineiro enquanto uma poesia do menos. Portanto, esta tese parte de uma percepção do filme como metamorfose do texto literário e termina apontando para a tradução fílmica como um processo que caminha emdireção àquilo que, apesar de toda metamorfose, mantém-se inalterado: a letra.
Em 2007, a cineasta Sandra Kogut lança o seu filme Mutum, uma adaptação da novela Campo Geral, a qual compõe o livro Manuelzão e Miguilim, volume que está inserido no Corpo de Baile de João Guimarães Rosa. A relação entre o cinema e a literatura, ou seja, entre o texto rosiano e o filme de Kogut é o ponto central desta pesquisa. Entendemos a adaptação aqui como sendo uma tradução intersemiótica, conceito assinalado por Roman Jakobson e ressaltado na esfera da arte contemporânea por Júlio Plaza (2003) e Thaïs Flores Nogueira Diniz (1999). A partir deste conceito é possível pensar a tradução para além dos limites da língua, alçando outros âmbitos de linguagens uma vez que diz respeito ao processo de interpretação de um sistema sígnico em outro, ou seja, a tradução criativa de uma linguagem para outra. O processo de criação de novas significações que acontece na tradução foi denominado por Haroldo de Campos (2011) de transcriação. É a partir do pensamento de Campos que procuraremos apresentar de que forma foram constituídos os caminhos tomados por Kogut no processo tradutório. Para interpretar a linguagem literária de Guimarães Rosa, percebemos que a cineasta recorre a soluções visuais e sonoras por meio de uma sensorialidade da imagem, a qual é impulsionada pelo silêncio e a atmosfera que é gerada por este (GIL, 2005; COSTA, 2016). Enxergamos que a ausência de vozes e da palavra, e do apelo da música, em que os personagens se calam por longos períodos, gera um silêncio nas imagens elaboradas pela diretora, embora estas sejam rodeadas dos sons e barulhos ambientais. Sobre as formas do silêncio no movimento dos sentidos, Eni Orlandi (1997) nos guiará. Para abordar sobre o silêncio que há na escrita de Rosa e na narrativa do filme, que busca dizer do inefável, do indizível, Gabriela Reinaldo (2005) nos aponta um caminho. Palavras-chave: Literatura. Cinema. Campo Geral. Mutum. Tradução intersemiótica. Transcriação. Silêncio. Atmosfera.
Esta pesquisa, de caráter analítico e bibliográfico, tem como foco a temática da infância e objetiva apontar algumas possibilidades de leitura do conto Conversa de bois, que integra o livro Sagarana, e da novela Campo geral/Miguilim, que integra a obra Corpo de baile, de João Guimarães Rosa, bem como da transposição fílmica de Campo Geral para o filme Mutum (2007), de Sandra Kogut. Portanto, a presente dissertação atém-se à práxis da leitura literária, articulada às teorias sobre a recepção de textos literários de Hans Robert Jauss, Wolfgang Iser, Vincent Jouve, Umberto Eco e Mikhail Bakhtin, à leitura analíticainterpretativa dos referidos textos rosianos. E, ainda, a pesquisa visa o estudo do conceito sociológico de infância, advindo da tradição europeia, respaldada nos autores Elizabeth Badinter e Philippe Ariès, e no contexto cultural brasileiro em Gilberto Freyre, e ainda, analisa-se o rito precoce de passagem de menino a homem de Tiãozinho e Miguilim personagens de Guimarães Rosa , tendo por base os pressupostos teóricos de Mircea Eliade. Finalmente, respaldando-se nas teorias de leitura/recepção do primeiro capítulo, nas concepções sociológicas sobre o tema infância do segundo capítulo, bem como na técnica narrativa do cinema de David Wark Griffith, analisa-se como os temas abordados por Guimarães Rosa em Campo Geral, são retomados pela perspectiva da linguagem cinematográfica por Sandra Kogut, no filme Mutum, ou seja, no último capítulo deste estudo, analisa-se como é captada a configuração da infância no referido filme. Em síntese, objetivase analisar a temática infância no conto Conversa de bois e na novela Campo Geral/Miguilim a partir da perspectiva da teoria da recepção, da perspectiva sociológica do conceito de infância, bem como a forma como esta temática é retomada pela cineasta Sandra Kogut no filme Mutum.
Este artigo propõe-se a tarefa de tecer reflexões sobre o filme “Mutum”, adaptação para o cinema da novela “Campo Geral”, que integra a obra Corpo de Baile, do escritor mineiro João Guimarães Rosa, desenvolvida pela diretora Sandra Kogut. Para tanto, discorreremos sobre os elementos narrativos que foram alterados na adaptação, bem como sobre as possíveis razões conceituais que possam justificar tais alterações, com especial destaque para a presença marcante do plástico nas cenas de filmagem, em desconformidade com a realidade que se pode supor para o momento histórico da publicação da obra
literária. Debateremos a adaptação do ponto de vista da atemporalidade do texto rosiano, em contraste com as condições socioculturais do sertão mineiro e teceremos reflexões sobre a trama do ponto de vista do protagonista, Miguilim (Thiago, no filme), verificando ainda os elementos artísticos e as técnicas de filmagem que foram adotadas para recriar a intimidade do personagem central. Concluiremos d
A novela “Campo Geral”, de João Guimarães Rosa, utiliza a técnica da onisciência seletiva - fruto
das tentativas do romance moderno de prismar o ponto de vista do personagem junto à voz do
narrador -, para representar o olhar de Miguilim sem, no entanto, posicioná-lo como narrador autodiegético
da história. A adaptação cinematográfica dessa obra, o filme “Mutum” (2007, dir.
Sandra Kogut), se depara com o desafio de construir esse olhar do personagem, de modo a representar
o mundo diegético através de seu ponto de vista infantil. Diante disso, essa comunicação
pretende demonstrar como “Mutum” desenvolve formas primárias e secundárias de planos pontode-vista,
articuladas a movimentos e posicionamentos de câmera, para construir a mise-en-scène a
partir do olhar embaciado de Miguilim.