O mito de Fausto narra o pacto de um indivíduo com o demônio, a quem vende a alma em troca de poder, riqueza e juventude. A concretização do pacto depende do crédito na exis-tência do demônio, entidade que se manifesta tardiamente na Antiguidade, mas que se tor-na parte do pensamento cristão a partir da Idade Média. O mito de Fausto expande-se du-rante o período renascentista e depois, consolidando a personagem “pactária” enquanto pa-trimônio da literatura ocidental, de que são exemplo as obras “A Salamanca do Jarau”, de João Simões Lopes Neto, “A teiniaguá”, episódio de O Continente, de Erico Verissimo, e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa.
Este pequeno estudo apresenta as linhas gerais de uma discussão que mal começa no país: uma revisão da literatura que se ocupa do mundo interiorano, aqui chamado de sertão (por motivos que são explicados logo de início),para apreciá-la em sua dimensão de luto por um mundo que progressivamente vai sendo alcançado pela lógica do mercado, da cidade, da mercadoria. No centro dessa discussão, aparecem duas figuras de enorme valor literário, o escritor gaúcho Simões Lopes Neto e o escritor mineiro Guimarães Rosa. Do primeiro se analisam as condições conjunturais de sua produção literária; a seguir, são examinadas algumas aproximações entre sua obra e a de Rosa.
Neste artigo, discutem-se aspectos relacionados ao caráter nacionalista da Literatura Brasileira durante o Romantismo e os seus desdobramentos em forma de manifestações literárias regionais. Com base em depoimentos de escritores como Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, José de Alencar, Bernardo Taveira Júnior, Guimarães Rosa e Simões Lopes Neto, procura-se mapear algumas causas para a regionalização da literatura e a transformação da região em uma espécie de pátria dentro da nação. O aporte teórico oriundo da Geografia Cultural contribui para fundamentar a discussão.
A presente pesquisa consiste em uma a análise comparativa entre as estruturas de narração das obras Contos Gauchescos, de Simões Lopes Neto, e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Nosso trabalho parte do princípio de que Simões Lopes Neto visava, por meio de seu texto: resgatar, registrar e perpetuar aspectos importantes do legado regional sul-rio-grandense. Para tanto, ampara-se em uma estratégia de narração já consagrada pela tradição literária, mas que ainda não aplicara-se à matéria regional. Tal expediente opera por intermédio da interação de quatro recursos: a nota de abertura, a fixação de um perfil de narrador regional, a opção pelo diálogo e a inserção de um interlocutor jovem. Entendemos que tal modelo foi absorvido por Guimarães Rosa, em Grande sertão: veredas, e inovado por ele. Essa projeção de ações, que compreende a criação de um modelo, sua posterior influenciação em outro, culminando em sua recriação e renovação, denominamos como processo de cristalização, mediação e inovação. Para identificá-lo, partimos de um levantamento das avaliações críticas acerca do regionalismo com o intento de defini-lo e atualizá-lo. Posteriormente, examinamos os contextos de produção das duas obras, objetivando identificar seu campo de influência. Finalmente, para compararmos as duas estruturas de narração, adotamos, como suporte teórico, o ensaio de Walter Benjamim O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov (1936), tencionando o perfilamento do modelo de narrador e os postulados de Dal Farra acerca do narrador em primeira pessoa e seu caráter ideológico. Do estudo benjaminiano, selecionamos três categorias para aproximação dos narradores Blau Nunes e Riobaldo: memória, loquacidade e conselho. Posteriormente, adotamos os postulados de Genette, a respeito da hipertextualidade, para seleção de critérios de comparação, especificamente: a transposição e a forjação. Após tais levantamentos, comparamos as estruturas de narração das duas obras, a partir de suas semelhanças, tendo como meta, em um primeiro momento, identificá-las e, posteriormente, reconhecer de que maneira se operaram os processos de absorção, de mediação e de inovação.
A tese é um estudo de um percurso de sentido - a poética do boi - de Alencar a Rosa, passando pelos pré-modernistas Simões Lopes Neto e Valdomiro Silveira. Em Alencar, o boi é sagrado, apolíneo. Nos autores pré-modernistas, oscila entre o sagrado e o profano, o apolíneo e o dionisíaco. Por último, em Rosa, é humano. O estudo de um mesmo tema em três recortes simbólicos traz considerações sobre uma poética intertextual, o metadiscurso, inserido no próprio bojo das narrativas, e mitopoesia, pois a imagem animal é o principal objeto de leitura. Alencar retoma a poética da tradição greco-latina e bíblica, os pré-modernistas a paisagem idílica e o imaginário popular, e Rosa o pensamento selvagem. Alencar e Rosa ainda referenciam o sertão, uma prática social e um intertexto, transformado em paisagem literária. A análise das narrativas não se prende a um modelo teórico, mas enfatiza os procedimentos construtivos ou temáticos que se mostraram mais significativos para a construção do sentido em determinado texto.
A tese de doutoramento ora apresentada promove uma leitura de parte da obra de cinco autores regionalistas brasileiros, em textos publicados entre o princípio do século XX e meados da década de 60 do mesmo século, a fim de observar os significados do humor, pautado na relação entre cômico e trágico, em diferentes momentos do regionalismo literário no Brasil. A escolha do corpus da pesquisa, em que constam Contos gauchescos, de João Simões Lopes Neto, Urupês, de Monteiro Lobato, Fogo morto, de José Lins do Rego, Sagarana, de João Guimarães Rosa e O coronel e o lobisomem, de José Cândido de Carvalho, procurou contemplar diferentes modelos de composição da prosa literária de feição regionalista, o que possibilitou a reflexão em torno da natureza de diferentes realizações do regionalismo no século XX. A análise das obras, sob o prisma do humor, permitiu que se verificasse a articulação entre a natureza reflexiva e as particularidades da forma humorística e o processo de desenvolvimento, consolidação e transfiguração da tonalidade crítica de que se revestiu o texto regionalista no Brasil. A leitura das obras propostas permite constatar que, por meio de diferentes estruturas narrativas, o humor articula-se à inserção de temporalidades que se agregam à espacialidade do texto, promovendo um aprofundamento da análise do sujeito que habita um único espaço, mas transita entre diferentes tempos.