O mito de Fausto narra o pacto de um indivíduo com o demônio, a quem vende a alma em troca de poder, riqueza e juventude. A concretização do pacto depende do crédito na exis-tência do demônio, entidade que se manifesta tardiamente na Antiguidade, mas que se tor-na parte do pensamento cristão a partir da Idade Média. O mito de Fausto expande-se du-rante o período renascentista e depois, consolidando a personagem “pactária” enquanto pa-trimônio da literatura ocidental, de que são exemplo as obras “A Salamanca do Jarau”, de João Simões Lopes Neto, “A teiniaguá”, episódio de O Continente, de Erico Verissimo, e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa.
As reflexões apresentadas neste breve artigo surgiram a partir de uma leitura de duas obras – o Fausto de Goethe e Grande sertão: veredas de Guimarães Rosa -, leitura que tenta mostrar não tanto os pontos em comum entre os dois textos, mas, sobretudo, as divergências em relação à questão pactária, isto é, as modalidades nas quais os dois protagonistas, Fausto e Riobaldo, realizam o encontro com o diabo, com o “mal”. Na obra do escritor mineiro se evidencia um afastamento dos topoi que caracterizam as obras relativas a esse tema – ao contrário do que ocorre no Fausto de Goethe – e se chega à conclusão de que só “existe é o homem humano”.
Esta dissertação busca investigar o autêntico realismo presente em Grande Sertão: Veredas a partir de princípios estéticos elaborados por György Lukács e por outros filósofos marxistas. Com isso, representa uma originalidade na fortuna crítica sobre o único romance de João Guimarães Rosa, cuja obra em geral é estudada de modo apartado a qualquer noção de realismo. Questionar essa tendência da crítica faz parte do esforço de demonstrar os múltiplos aspectos realistas desse livro. Nesse sen-tido, nossa hipótese básica é que o Grande Sertão: Veredas é capaz de ser um retrato do Brasil ao mesmo tempo em que singulariza personagens sertanejos e incorpora os movimentos decisivos da modernidade universal, determinada pelo avanço do capita-lismo. A fim de comprovar essa hipótese, esse trabalho investiga a lógica dialética presente nas mais diversas camadas do romance, com especial atenção para a conden-sação artística de distintas dimensões temporais e espaciais, vista sob o prisma do de-senvolvimento desigual e combinado e da correlação real e estética das categorias da singularidade, da particularidade e da universalidade. A dissertação dedica um capí-tulo para apontar como a realidade brasileira se incorpora nos personagens e em deta-lhes formais do romance, e outro capítulo para discutir os significados do mito do Fausto para a literatura universal e para o romance de Guimarães Rosa. Por fim, o capítulo conclusivo propõe um neologismo interpretativo que una a história e a estó-ria, e termina com palavras sobre a brutalidade e a violência, que marcam esse ro-mance e o Brasil.
No âmbito do universo fáustico que transita do Fausto, de Goethe, a Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, o propósito desta comunicação é abordar uma relação historicamente estabelecida entre demonismo e homossexualidade. Destaco algumas obras do cânone mundial em que o tema aparece, desde a Divina Comédia, de Dante, a Orlando, de Virgínia Woolf, para então adentrar na complexidade da relação de afeto entre Riobaldo e Diadorim, abordando alguns episódios do romance de Rosa. Para tanto, conto com o suporte teórico de Mikhail Bakhtin e de Michel Foucault, entre outros. Como ponto de partida, utilizo um aspecto da cena “Inumação”, que antecede e prepara o desfecho da tragédia de Goethe, em que o diabo enamora-se dos mancebos que conduzem a alma de Fausto à salvação. Tal deslize provocado pelo desejo homoerótico contribui para que Mefisto perca definitivamente a aposta com o Altíssimo. Conforme Haroldo de Campos, esse demônio vencido pela luxúria alinha-se à proposição desenvolvida po