O mito de Fausto narra o pacto de um indivíduo com o demônio, a quem vende a alma em troca de poder, riqueza e juventude. A concretização do pacto depende do crédito na exis-tência do demônio, entidade que se manifesta tardiamente na Antiguidade, mas que se tor-na parte do pensamento cristão a partir da Idade Média. O mito de Fausto expande-se du-rante o período renascentista e depois, consolidando a personagem “pactária” enquanto pa-trimônio da literatura ocidental, de que são exemplo as obras “A Salamanca do Jarau”, de João Simões Lopes Neto, “A teiniaguá”, episódio de O Continente, de Erico Verissimo, e Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa.
O presente ensaio, prevendo a relação entre literatura e filosofia, trata da questão do pacto em Grande Sertão: Veredas, romance publicado em 1956, por João Guimarães Rosa, e parte da ideia de que as questões da existência do diabo e da possibilidade do pacto, são as grandes dúvidas que vigoram na obra do autor mineiro, e fatos que se desvelam responsáveis pela problemática central do romance, por meio dos quais sairão todos os outros questionamentos sobre a existência humana: o ser ou não ser; o bem e o mal; vida e morte; deus e diabo, o amor e verdade. Para tanto, propomos um tipo de hermenêutica que possibilita o intérprete, ao questionar a obra, ser por ela questionado, indo em busca do que lhe é próprio: é o que chamamos de exercício de escuta crítica.
O presente trabalho enfoca a reelaboração do mito fáustico, realizada por Guimarães Rosa, identificando como tal mito é incorporado à narrativa de Grande Sertões Veredas.
Este artigo analisa dois episódios do romance Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa: o julgamento de Zé Bebelo e o pacto feito por Riobaldo. No primeiro, examina-se a peculiar organização da sociedade formada no sertão pelos coronéis e jagunços; no segundo, amplia-se a noção de pacto para além do simbólico trato com o diabo, mostrando seus desdobramentos como estratégias de sobrevivência num meio em que a aparente desordem se revela a essência de uma ordem forjada e mantida pela violência.
Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, e Doutor Fausto, de Thomas Mann, são colocados em uma leitura dialógica orientada por temáticas comuns – a figura do Fausto e do pacto –, mas especialmente por convergências em nível narrativo – o uso da alegoria e a elaboração de metáforas espaciais para a reflexão crítica da história. A um breve comentário dos estudos comparados existentes a respeito dos romances, segue-se a análise dos aspectos mencionados em três exemplos: a presença da tradição do Fausto nos dois romances, os dois pactários Riobaldo e Adrian Leverkühn como alegorias do Brasil e da Alemanha no século XX e as funções narrativas da cidade fictícia de Kaisersaschern e do Liso do Suçuarão.
Esta dissertação se ocupa em analisar o dito pacto diabólico, bem como os pactos
entre as personagens, no romance Grande Sertão: Veredas (1956), de João
Guimarães Rosa. A pesquisa é empreendida com aporte nas contribuições e
discussões dos estudos de Agamben, Seligman-Silva, Suzi Sperber, Utéza e
Albergaria. A obra aqui estudada se configura como uma abertura ao múltiplo,
compreendendo elementos que fazem as noções de pactos remeterem a visões de
religiosidades, ocultismos e a vínculos entre os personagens cujas existências são
marcadas pelas incertezas de viver no sertão, contratos os quais se fazem e se
revelam na teia narrativa. A discussão é feita a partir da conjectura de que é menos
relevante responder se o instante do pacto nesta obra de Rosa efetivamente ocorreu
e mais plausível de ser interpretado como reflexão em torno da condição humana,
isto é, das vontades inerentes ao ser e do emaranhar das relações interpessoais. A
hipótese, então, é que à medida que o romance é analisado, ressalta-se que o pacto
de vida por Diadorim, o pacto de confissão com o narratário e os pactos de respeito
e lealdade com mestres jagunços na obra de Rosa são reverberações do pacto
diabólico, que tem tons tão peculiares na sua inventividade literária.