Este trabalho faz referências às relações entre o afeto e a escrita, tomando como modelo o impulso criativo de João Guimarães Rosa, um dos grandes autores da literatura brasileira. Parto do pressuposto que o escritor de Corpo de baile (1956) se expõe deliberadamente aos afetos como fonte de conhecimento, forma de criação e de sustentação de sua arte. Assim, destaco de sua produção textual algumas anotações de viagem (manuscritos), cartas e intenções que antecedem a obra literária. Das publicações, são analisadas duas novelas de Corpo de baile: O recado do morro e Uma estória de amor. Sirvo-me dos conceitos de pulsão, sublimação, cadeia significante e transliteração, ligados à psicanálise freudo-lacaniana, para evidenciar que Guimarães Rosa constrói um particular diálogo com os estímulos do mundo. Pretendo argumentar a favor de uma hipótese segundo a qual a escrita deste autor vem de seu corpo, conforme as marcas ou os cortes que incidiram em sua vida, mas, sobretudo, pela sua peculiar disposição em se deixar inscrever pela linguagem a partir dos afetos. Neste trabalho fica a intenção de responder à seguinte pergunta de pesquisa: como João Guimarães Rosa organiza o percurso de criação de duas de suas novelas de Corpo de baile, visando a ser afetado pelas experiências vividas ao longo do período de preparação dos originais de forma a, no momento da escrita, transmudá-las para a ficção? Deste modo, ressalto nesta dissertação os seguintes objetivos específicos: a) a descrição de alguns recursos utilizados por João Guimarães Rosa, quando ele organiza seu percurso de escrita; b) o uso de uma teoria que considere a pulsão e o afeto como molas propulsoras para a invenção de um processo de criação. Trata-se, portanto, de apontar para o modo singular de um autor se deixar inscrever pela linguagem, situandose num posicionamento metódico e paciente na apreensão da palavra, da poética.
Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
esta dissertação procura demonstrar de que maneira o escritor João Guimarães Rosa estabelece uma relação de isomorfia entre o mundo natural que perpassa sua obra e a linguagem que o traz à tona. Assumindo um caráter inerentemente metamórfico para a linguagem poética e concebendo a natureza enquanto Gaia, a antiga divindade pré-homérica que existe em consonância com o conceito grego pré-platônico de physis – processo que dá às coisas do cosmos traço permanentemente dinâmico, movente –, o autor mineiro trabalha para desenvolver essas duas premissas em um único e profícuo gesto literário. Como a natureza sob a lógica da physis transforma-se initerruptamente e como a poesia é, dentre inúmeras coisas, uma busca pelo ineditismo na forma da linguagem, Guimarães Rosa pôde forjar a metamorfose telúrica no corpo da sua palavra. Os dois atos confluem e revelam-se o anverso e o reverso de uma mesma realidade. Constrói-se, de tal maneira, um universo muito peculiar onde o binômio linguagemmundo é de fato indissociável. E é a ele que nós nos dedicaremos aqui, tentando
demonstrar pormenorizadamente de que modo, na obra rosiana, a linguagem é mundo e o mundo é linguagem.
Esta tese tem como objetivo analisar e discorrer sobre a representação do fenômeno do Mal na prosa romanesca brasileira desde a publicação de Angústia (1936) de Graciliano Ramos a Não verás país nenhum (1981) de Ignácio de Loyola Brandão. Além destes dois romances, são analisados, Grande Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa; A paixão segundo G.H. (1964), de Clarice Lispector; A porteira do mundo (1967), de Hermilo Borba Filho e Um copo de cólera (1978), de Raduan Nassar. O objetivo principal é refletir sobre a presença do tema do Mal em seus diferentes desdobramentos em tais autores, sob o ponto de vista da mímesis, abordando sua influência dentro do plano político, social, humano, filosófico, etc. Assim, discutimos, com um viés interdisciplinar, conceitos como estado de exceção, tragédia, ficção-científica, erotismo, usando como apoio teórico autores como Hannah Arendt, Susan Neiman, Terry Eagleton, Giorgio Agamben, George Bataille, entre outros. A proposta é identificar pontos específicos e comuns entre as obras, compreendendo-as, sobretudo, de forma independente, sem pensá-las dentro de um único modelo, mas estabelecendo ligações entre elas e de como foram importantes para pensar o tema do Mal dentro da literatura brasileira ao longo do século XX.
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais
O objeto de nosso trabalho consiste em penetrar na obra literária Grande Sertão: Veredas sob a perspectiva da política. E, como tal, precisamos partir da mediação do narrador, desdobramento do romancista, que comunica o seu pensamento. Narrativa que se utiliza de instrumentais político, jurídico, histórico e intensos recursos literários. Nos últimos vinte anos, a excelência dos estudos e ensaios sob a perspectiva política acerca da obra de Guimarães Rosa vem sendo acompanhada pela conhecida diversidade de temas de seus livros. Riobaldo carrega polissemias em seu nome já destacadas por diversos críticos e ensaístas; de modo semelhante, os seus apelidos. No nosso estudo, Baldo e Secretário indicam o peso e o papel do direito e da guerra no romance que, por sua vez, nos leva a um conjunto de índices que aponta para um modo não habitual de prova: aquilo que pesa pouco, que pouco aparece ou, então, que alguns achados vão sendo deixados estrategicamente ao longo do texto; ou, ainda, índices depurados de sua história. Eles provam mais porque difíceis de serem percebidos; uma vez que sejam, confirmam com mais força aquilo fácil de ver. Essa metodologia se adéqua a uma obra em que as relações subordinadas são enfraquecidas; ou ainda, as relações se efetivam sutilmente, ao modo de um móbile. Através de sua língua própria, o autor nos traz as artes da linguagem e do direito que imprimirão a Arte de Governar.
Programa de Pós - Graduação em Estudos de Linguagem
A presente dissertação desenvolve uma reflexão sobre o funcionamento da linguagem em um conjunto de contos produzidos por Guimarães Rosa, na perspectiva de uma potencial subversão do real. Para essa abordagem, consideramos que o modo de expressão dos contos em análise transgride e questiona a lógica do real, na medida em que instauram novas leis para o encaminhamento das ações nas narrativas em destaque. Os contos selecionados para análise são “O burrinho Pedrês”, de Sagarana (1946), “O espelho”, de Primeiras Estórias (1962), e “Meu tio o Iauaretê”, de Estas Estórias (1969). Como aparato teórico para potencializar a reflexão, discutiremos a teoria clássica sobre o fantástico, proposta principalmente por Tzvetan Todorov (1970) e as considerações de David Roas em seu estudo A ameaça do Fantástico (2014), em que questiona e problematiza as proposições de Todorov; para a abordagem da produção de Rosa será tomada também a crítica de Antonio Candido sobre o "super-regionalismo" em Guimarães Rosa (1987).
Este trabalho examina a correspondência entre Guimarães Rosa e seus tradutores alemão, italiano e norte-americana, com vistas à depreensão e análise de perspectivas rosianas sobre o simbolismo sonoro. Examinam-se as reflexões sobre o tema que se podem depreender (a) das considerações gerais que Rosa faz no corpo das cartas enviadas a seus tradutores; e (b) das detalhadas instruções que ele acrescenta em anexos, para dirimir dúvidas específicas colocadas pelos tradutores. Mostra-se, pela análise das epístolas, que a criação linguística rosiana tende a abarcar de forma deliberada e até certo ponto calculada a sonoridade sugestiva, por meio de singulares onomatopeias, aliterações, assonâncias e padrões rítmicos, resultando em um simbolismo sonoro. Conferindo carga expressiva, força e plasticidade ao texto, o simbolismo sonoro é um importante aliado nas estratégias rosianas de privar o leitor da ?bengala dos lugares comuns? (carta a Harriet de Onis) e de convidá-lo a ter com a língua uma relação que não seja unicamente ?lógico-reflexiva? (Carta a Edoardo Bizzarri). Mostra-se ainda que, no que tange às formas como dialogam com as teorias linguísticas, as reflexões e atitudes tradutórias de Rosa, tendendo à recusa do princípio da arbitrariedade do signo, apresentam convergências parciais com discursos teóricos que sustentam o simbolismo sonoro, em especial os de Jespersen e Jakobson.
A presente pesquisa se justifica por refletir, na obra Tutameia – Terceiras Estórias, de João
Guimarães Rosa, os aspectos, aqui, considerados mais representativos da linguagem rosiana:
as formas pelas quais o oral, o culto e o poético tecem, conjuntamente, seus fios numa
unidade que se revela pela diversidade de obra; assim como as vias ou trilhas pelas quais uma
diversidade linguística se entrelaça, se amalgama e se configura dentro de um caminho (ou
“ponto paragem”) – de língua – que, ao se efetivar em unidade, se manifesta, paradoxalmente,
pela pluralidade. Eis os aspectos típicos da prosa de Guimarães Rosa que, nesta pesquisa, se
apresentam de grande relevância para a compreensão dos mecanismos linguísticos e poéticos
que caracterizam a linguagem de Tutameia, já que o autor soube como nenhum outro explorar
as virtualidades da língua; soube engendrar tão quanto recriar potencialidades de linguagem
que se manifesta por uma lógica que é, a um só tempo, construída e construtora de mundos e
de vida. Desse modo, se infindos são os itinerários e as “veredas” representadas nas estórias
de Tutameia, também infinitos são os artifícios de Rosa no intento de garantir visibilidade a
esse vasto repertório cultural e linguístico representativo do ambiente e da realidade
específica que servem de referência para o escritor. Como tal, o presente estudo discute a
lógica performativa adotada pelo prosador como mecanismo de evidência e notoriedade
especialmente da língua oral, bem como discute os motivos temáticos e estruturais que
justificam o caráter inovador na (des)articulação e configuração da língua e da obra aqui
tomada como objeto de estudo. A presente pesquisa busca compreender como os “fios” da
linguagem de Tutameia se “enredam” – na mesma proporção em que se “desenredam” – para
formar uma “teia” que, “tecida”, se configura num todo de obra que “teoriza” ao mesmo
tempo em que efetiva um novo processo de (re)criação de língua, bem como do fazer literário.
Por conseguinte, os percursos linguísticos e poéticos trilhados pelo ficcionista constituem o
nosso itinerário de leitura, de análise e de crítica. A linguagem do autor constitui, na obra, o
espaço dos “pontos paragens” nos quais repousa nosso olhar aguçado em busca de
compreensão e de estudos que possam se somar à fortuna crítica da obra rosiana.