A crise ambiental é a crise de nosso tempo reconhece Enrique Leff, para quem a construção de um saber ambiental deve estar centrada no pensamento e no ser, no encontro de racionalidades e identidades, na abertura do saber à diversidade, no questionamento da historicidade da verdade, na utopia e na articulação das ciências com as diferentes significações culturais designadas à natureza. Diante desse propósito, a literatura se apresenta como instrumento para se pensar a complexidade ambiental. Nas fronteiras fluídas do ético e do estético, do espaço privado e do público, da arte e das ciências, do ficcional e do real, o texto literário evidencia a relação da sociedade com seu meio ambiente. É o que se constata na produção literária de João Guimarães Rosa, escritor mineiro, para o qual escrever sobre a natureza tem o sentido de missão, de vocação superior (virtude atribuída por Antonio Candido aos poetas). Sendo um autor que tinha consciência das grandes responsabilidades que um escritor assume, através da imaginação, do resgate da história, da pesquisa e da indagação, Rosa encontra na natureza do sertão a inspiração que vai permitir fluir em sua obra as leis da natureza e dos homens, o saber popular e o erudito, o mitopoético e o prático, o passado e o presente, a ciência e a arte. Uma complexidade que emerge como resposta da própria natureza frente à sua degradação. Dentro dessa perspectiva, propomos percorrer o itinerário de Guimarães Rosa em seu trabalho missionário de intérprete da natureza e de reler seu discurso à luz do pensamento de Leff sobre a complexidade ambiental. Nesse trajeto se delineiam os traços do poeta que apreende, compreende e internaliza as questões ambientais e se reconhece a sua obra, como precursora do discurso ambientalista e referência literária para a construção dos pilares da nova racionalidade ambiental.
O levantamento das viagens, leituras e escritos de João Guimarães Rosa produzidos durante o processo de elaboração de Corpo de baile e Grande Sertão: Veredas constitui o ponto de partida desta tese. Através da análise conjunta dos documentos inéditos - diário, cadernetas de viagem, cadernos de estudos e textos inacabados - e publicações em periódicos que datam do período enfocado, identificando seus principais interlocutores e as relações que estabelecem entre si e com aqueles livros, demonstro que as cadernetas da viagem pelo sertão de Minas (1952) ocupam uma posição chave, porque articulam e atualizam suas reflexões sobre viagem e narrativa, os "povos boieiros" e a matéria épica da tradição oral. Veremos que tanto no processo de escrita das cadernetas quanto nos livros de 56, sobretudo no romance, rosa dialoga com os poemas homéricos (sobre a narrativa oral e o pensamento analógico), com Euclides da Cunha (sobre a cultura boieira e a visão de mundo dos vaqueiros), e com os viajantes naturalistas que descrevem o sertão do Brasil (sobre a viagem como procedimento narrativo e a descrição da natureza). Nesse contexto , proponho uma releitura de Ave, palavra - livro póstumo que reúne escritos de 1947 - 54, e defendo a hipótese de que os livros de 56 e a novela "Meu tio o Iauaretê" foram concebidos no bojo de um mesmo projeto de escrita que explora o pensamento analógico , a ambigüidade e o deslocamento de perspectiva para expressar aquilo que não tem voz nem contornos definidos, como o Sertão, Diadorim, a onça e a criança. Partindo de uma sólida base documental, é através de um intenso trabalho de linguagem que Rosa engendra um sertão pela via da metamorfose.
As relações entre literatura e música constituem o objeto de pesquisa desta tese, dadas por meio da leitura de Sagarana, em especial: O burrinho pedrês, Sarapalha, Corpo fechado e A hora e vez de Augusto Matraga. O conceito de musicalidade incorpora as virtualidades sonoras da língua, as cantigas populares e as técnicas e formas eruditas da música, tais como contraponto e sinfonismo.
O escritor João Guimarães Rosa, além de toda a elaboração estética, do significado mítico-místico e da profunda concepção psicológica de seus personagens, deixa transparecer também em sua obra uma preocupação sobre as questões sociais e ambientais que envolvem o cenário regional, nacional e universal do sertão, que também é o mundo. No projeto literário do autor, o sertão e o Cerrado transcendem seus destinos de moldura narrativa, para se conformarem em personagens co-protagonistas das narrações. Um espaço-palco permeado por uma rica e sofrida história, um mundo muito misturado no coração do país. Apesar de evidenciar um continuum espacial em todas as suas narrativas, existem nuances socioespaciais intercaladas entre os livros do autor. Selecionamos nesta pesquisa três momentos ficcionais e alegóricos deste espaço movimentante: a) o sistema jagunço de Grande Sertão: veredas; b) os gerais em movimento de Corpo de Baile; c) e o mundo maquinal de Primeiras Estórias. As nuances ficcionais são reflexos das transformações dos gerais, desde a decadência do jaguncismo no final do século XIX e início do século XX, passando pelo desenvolvimento getulista nos anos 40 e 50, até a inauguração de Brasília, no início da década de 1960. O autor, contudo, não pode acompanhar as intensas transformações do Cerrado nas décadas subsequentes à sua morte em 1967. As mudanças de matrizes de racionalidades levadas pela modernização para o ambiente artístico de Rosa induziram profundas modificações na dinâmica dos recursos naturais e no sistema de uso da terra. Desta forma, objetivou-se nesta pesquisa, além da análise das obras de Guimarães Rosa, conceber uma experiência sensorial com o sertão rosiano na atualidade para absorver sabedorias in locu e compreender de que maneira se articula este espaço movente. A vivência de campo contribuiu para a escritura de sete episódios/insights, contextualizando os três momentos ficcionais de Grande Sertão: veredas, Corpo de Baile e Primeiras Estórias e suas relações com o sertão presente. Concluiu-se que apesar das pressões externas, a cidade não acaba com o sertão. A matéria vertente integradora do ser-tão cerrado continuará a conduzir sua alma, enquanto for dimensão da vida humana, de existência, onde é percebido, vivido e afetivamente experienciado pelos sertanejos. E é de dentro deste lugar onde deve estar o núcleo de resistência que represente uma resposta veemente às tentativas de homogeneização do espaço. Vimos alguns exemplos de resistências socioambientais, cujas propostas locais partem da inspiração na matriz literária de Guimarães Rosa, capaz de transmitir, iluminar e estimular um olhar artístico para o espaço, tal como lentes para uma percepção cativante da realidade.
Nesta pesquisa, buscou-se abordar a relação entre as práticas de conduta social e o
processo cultural e civilizatório que envolve a temática da loucura através dos
tempos, sob os aspectos legais, psicológicos e literários, além do desenvolvimento
tanto das práticas e estilos literários, quanto das premissas de convívio harmonioso
entre a obra, o autor e os leitores. Foram analisadas opiniões e obras de
especialistas, escritores, psicólogos e cientistas sociais, bem como de diversos
profissionais das áreas afins, sobre a loucura e a sua abordagem na literatura,
possibilitando investigar, identificar em busca da superação das dificuldades de
entendimento social, cultural e civilizatório sobre a loucura, em especial na obra de
Guimarães Rosa (2005), “Sorôco, sua mãe, sua filha”, observando as
particularidades desta realidade mutável e dinâmica, para que possam agir de forma
correta e equilibrada dentro dos limites literários e das instâncias socioculturais e de
natureza psicológica.
A associação entre geografia e literatura tem sido retomada nos últimos anos, principalmente ao considerar a literatura como importante recurso geográfico em virtude de seu caráter interdisciplinar. Nessa interface também merecem destaque os temas relacionados ao quadrinômio geodiversidade, geopatrimônio, geoconservação e geoturismo, foco atual de debates ambientais diante da intensa utilização do patrimônio natural abiótico vulnerável a ação antrópica e que comporta importantes registros da história da Terra. Desta forma, buscando desenvolver essa temática no sertão mineiro essa tese tem como objetivo principal uma análise integrada entre a geografia e a literatura por meio das obras de Guimarães Rosa sugerindo a delimitação do Roteiro Geoturístico Sertões de Minas Gerais (SMG) por contemplar um significativo Geopatrimônio e Sítios da Geodiversidade (SG) na área do Circuito Guimarães Rosa (CGR). Para alcançar tal objetivo, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: levantar nas obras de Guimarães Rosa os elementos que representem a paisagem mineira; avaliar os SG mais significativos do ponto de vista geomorfológico, científico, cultural e histórico das obras de Guimarães Rosa; e propor instrumentos de divulgação dos SG do sertão rosiano, especialmente para o geoturismo. Para o proposto, a pesquisa baseou-se em um modelo de avaliação do geopatrimônio para o Roteiro Geoturístico SMG elaborado a partir da adaptação das propostas de Pereira (2006), Pereira (2010) e Ferreira (2017). Por meio desse modelo foi possível inventariar, qualificar e quantificar 20 SG que, ao serem comparados, ilustram o seu potencial de uso. Com os resultados obtidos propõe-se estratégias geoturísticas como rotas e folders interpretativos. As cinco rotas propostas contemplam sempre um SG inventariado além de outros pontos de interesse que trazem informações relevantes acerca dos aspectos geográficos, históricos e culturais regionais. Para auxiliar no percurso das rotas e na interpretação dos demais pontos os folders trazem informações relacionadas à cartografia, história e cultura, além de textos explicativos sobre a temática das geociências. Diante dos resultados obtidos fica evidenciado o potencial geoturístico do Geopatrimônio do Roteiro Geoturístico SMG permitindo a elaboração de novas propostas geoconservacionistas que buscam a promoção, valorização e divulgação do geopatrimônio regional.
A presente dissertação empreende uma leitura poética da novela Campo Geral, de Guimarães Rosa, do filme Mutum, baseado na novela citada e dirigido por Sandra Kogut e da investigação em campo realizada em cidades de Minas Gerais-MG envolvidas na realização desse filme. O propósito dessa leitura é comunicar a experiênica devaneadora realizada a partir de uma obra fílmica, de uma narrativa literária e do encontro com cinco atores não-profissionais e três pessoas da equipe técnica de Mutum. Para isso, o devaneio poético, proposto por Gaston Bachelard, é usado como recurso cognitivo para experienciar a realidade semi-imaginária do homem, a partir do acionamento do duplo no processo de participação afetiva (MORIN,1997). O filme escolhido trata das impressões de uma criança, que vive com seus pais, seus irmãos, sua avó e sua cachorra Rebeca num lugar chamado Mutum. Sob a perspectiva do ser devaneador, que medita sobre as imagens da infância onírica dentro do contexto do sertão, de um sertão que é transformado e alargado por meio do sonho poético, alcançamos a infância meditada (BACHELARD, 2006). Ao longo da narrativa desta pesquisa, Guimarães Rosa, a diretora Sandra Kogut, eu mesma enquanto indivíduo/pesquisadora e os interlocutores da Família Mutum que encontrei em Minas Gerais, todos nós somos tomados enquanto Miguilins que sonham o sertão da cabaça azul. Incandescentes, múltiplos, palimpsestos, esses Miguilins são portadores da carteira de identidade multicolorida e com ela compreendem a participação humana na Grande Narrativa (SERRES, 2005).