Esta pesquisa tem o objetivo de investigar a leitura como tarefa interpretativa e ato performático, à luz das teorias de leitura e leitor de Iser e dos estudos de Zumthor sobre leitor, corpo e voz. A reflexão sobre a categoria narrativa leitor terá por corpus de análise o conto Meu tio o Iauaretê, de Guimarães Rosa. Narrativa que leva a palavra ao limite da não-palavra, por meio de grunhidos, onomatopéias e outros conjuntos sonoros, que são presenças vocais embora não lingüísticas. Tal desarticulação cria uma linguagem-onça, fazendo da narrativa um espaço de metamorfose seja do narrador e do interlocutor, no plano da história, seja do autor e do leitor implícito, no plano do discurso. Abrem-se para o leitor empírico, então, três possibilidades de papéis na sua interação com o texto: a do interlocutor ou ficção do leitor, inscrito na própria história; a do leitor implícito na sua ação de preenchimento dos vazios do texto e a do leitor-performer em ato de imersão multisensorial no corpo a corpo com essa escritura vocalizada
Este trabalho apreende a construção do discurso fabular, tendo as formas de oralidade como manifestação e material da escritura, voltada para a cultura e para a memória, nos textos Conversa de bois, Campo geral e As margens da alegria de João Guimarães Rosa. Demonstra as marcas da identidade da personagem infantil em situação de transformação, uma vez que as crianças fazem uma travessia no percurso das histórias por elas vividas em relação ao tema, sobretudo. Estes textos estão inseridos no âmbito da literatura nacional porque mostram a matéria fabular da influência espacial, da relatividade temporal e da relatividade cultural, que funciona como caráter local de profunda ressonância poética. Tal estudo compreende que inserir recursos de oralidade no texto literário significa preservar do esquecimento um mundo em vias de desaparecer, e articula de um só golpe o efêmero próprio do discurso poético oralizado, da cultura, da memória. A construção do discurso fabular destes textos, portanto, mostra-se constituída por recursos poéticos discursivos, na qual encontram-se registros do trabalho artesanal do escritor, a oralidade e fragmentos do real prontos a se articular em novas constelações de significações. Esses elementos colhidos nas mais vastas fontes da tradição popular entram na composição do tecido narrativo, traduzem o mundo da oralidade, recupera a fala arcaizante na construção do discurso e revelam a prática resultante de hábitos inveterados, a memória da transmissão oral de lendas, fatos, acontecimentos, de geração em geração. Além disso, esta pesquisa mostra que tais textos acolhem as contribuições de uma cultura fadada à destruição e incorpora compromissos de engendramento de sentidos fixos e de identidades definitivas.
Mestrado em Linguística Aplicada; Literatura Comparada
O presente trabalho tem como objetivo comparar a filosofia de Friedrich Nietzsche (1844-1900) e o conto de João Guimarães Rosa (1908-1967), A hora e vez de Augusto Matraga (1946), no intuito de revelar a possibilidade da aplicação da filosofia nieztscheana para expandir o valor estético do conto e possibilitar a compreensão do protagonista, Augusto Matraga, como o protótipo do ser superior nobre descrito por Nietzsche, o ubermensch. Considerando os conceitos do filósofo sobre a vontade de potência, os elementos dionisíaco e apolíneo, bem como o ideal ascético, pretende-se estabelecer até que ponto o protagonista pode ser concebido como um bom asceta, na medida em que, devido a sua natureza ontológica nobre, transgride a moral cristã e se aproxima do conceito do homem que está além do bem e do mal. Além da filosofia de Nietzsche, usar-se-á alguns postulados filosóficos de Martin Heidegger (1889-1976) para reforçar a idéia de que o juízo criado sobre Matraga é apenas uma aparência que não contempla a essência do seu Ser, contribuindo para camuflar seu caráter trágico-ontológico, o que implica na diminuição da força estética do conto.
Esta dissertação faz um estudo comparativo das micronarrativas presentes nas obras Os Sertões, de Euclides da Cunha e Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. O estudo tem como norteadores os seguintes questionamentos básicos: qual a finalidade dessas narrativas curtas e aparentemente independentes nas obras em questão? De que recursos se valem os autores para que elas se relacionem e se encaixem harmonicamente com o eixo-central das narrativas? São basilares para esta pesquisa o conceito de encaixe narrativo baseado nas reflexões teóricas de Lucien Dallenbch sobre o termo myse en abyme e o exemplo clássico da obra Ilíada através dos chamados encaixes homéricos que são os primeiros exemplos de encaixes narrativos de que se tem notícia. Aplicando esse conceito às duas obras, primeiramente de forma separada, depois comparativa, o propósito é evidenciar essas micronarrativas como estratégias de narrar que ligam a multioralidade do povo sertanejo com a textualidade erudita dos escritores. O conceito de encaixe narrativo, além de evidenciar as marcas da oralidade nas duas obras, faz que as lendas, os mitos e crendices populares sejam identificados em um nível narrativo diferenciado. Esse separar sem desvincular-se demonstra o universo lendário que povoa os sertões no imaginário e nas narrativas orais dos sertanejos em sua similaridade com uma epopeia. Objetivou-se assim, sobretudo, valorizar elementos do universo da oralidade presentes na composição dos romances em questão.
Propõe-se, aqui, um estudo comparativo entre o romance rosiano Grande Sertão: Veredas e o poema épico homérico Ilíada. Diálogos fecundos acontecem entre obras literárias de outras culturas e épocas. Para que o fenômeno aconteça é necessário que o leitor participe de todo o processo comparativo e que aja como um leitor apto a aceitar o paralelismo proposto entre duas obras literárias. Tal paralelismo só se dá quando a enciclopédia do leitor tem instrumental para realizar a ação de leitura, o que Eco chama de competência enciclopédica. Quando uma análise comparativa acontece, leva-se em conta uma série de indagações. Na verdade, o fenômeno amplia os horizontes de leitura e demanda um estudo pormenorizado. Valer-se da literatura para refletir sobre literatura é por demais proveitoso. Perfilar Rosa e Homero enriquece o estudo de literatura sem fronteiras culturais e lingüísticas. Daí poder dizer que o Sertão e a Hélade estão próximos e que Grande Sertão: Veredas e Ilíada interrelacionam-se. O encontro das narrativas propiciou o surgimento de veredas esperadas e não esperadas, como a comparação entre o diabo e o deus grego Hades. Foram percebidos encontros estilísticos entre Rosa e Homero. Algumas veredas percorridas, outras desbravadas. No geral, a percepção de que muitas outras veredas se abriram, esperando para serem percorridas em outra oportunidade. Cada vereda surge de modo variado. Encontramo-nos, então, em uma profusão de caminhos, uns citados por Riobaldo, outros pelo aedo da Ilíada e outras tantas pelo próprio leitor.
Esta tese propõe uma transposição da teoria da tradução articulada pelos poetas concretistas para a interface entre a literatura e o cinema. Ao investigar a relação entre esses dois sistemas semióticos, esta pesquisa percebe que o encontro entre a literatura e o cinema antecede o surgimento do cinema narrativo e, portanto, pode ser pensado sob outras perspectivas, que não a narrativa. A análise é feita a partir do filme Mutum (2007), de Sandra Kogut, que dialoga com a novela Campo geral (1956), de João Guimarães Rosa. Mutum atualiza o texto rosiano e, como continuidade desse texto, permite que ele seja revisto através da realização do filme. Enquanto um eclipse, o movimento do filme age como uma camada que, durante um tempo definido, sobrepõe-se ao texto literário, e traz a ele nova dimensão: ao texto acrescenta cortes móveis da experiência. A análise da operação tradutória ocorrida de Campo geral a Mutum aponta para a possibilidade de a experiência do cinema ser vista como expansão do campo literário. Inicialmente, o filme Mutum é tratado por esta tese como uma transformação material da novela rosiana. Em seguida, aborda-se a tradução como possibilidade de extensão ou continuidade do texto literário e, finalmente, a traduçãoé vista como um processo de subtração ou con-fusão. Curiosamente, a operação de subtração das camadas críticas que revestem o texto acabou levando o filme a encontrar a poética do escritor mineiro enquanto uma poesia do menos. Portanto, esta tese parte de uma percepção do filme como metamorfose do texto literário e termina apontando para a tradução fílmica como um processo que caminha emdireção àquilo que, apesar de toda metamorfose, mantém-se inalterado: a letra.
Esta dissertação tem como objetivo refletir sobre as estratégias narrativas configuradoras de espaços e espacialidades tal como se manifestam em contos do escritor brasileiro João Guimarães Rosa e dos escritores angolanos José Luandino Vieira e Boaventura Cardoso. A composição do corpus foi motivada por textos que permitissem uma aproximação com vistas ao deslinde das configurações espaciais que estruturam as narrativas. Para a realização do estudo, foram conclamados pontos de vista teóricos sobre espaço e espacialidade, particularmente, os de Edward Soja, Doreen Massey, Michel de Certeau, Cássio Hissa e, principalmente, Milton Santos. Embora os objetivos da dissertação privilegiem a constituição espacial, discussões sobre as categorias personagem e tempo também estão presentes para demonstrar a pertinência de utilização de um conceito tomado ao sociólogo polonês Zygmunt Bauman e de sua teoria sobre o refugo humano. Essa teoria subsidiou a percepção de certas personagens dos contos selecionados, delineadas por elementos que fazem parte do conceito de refugo humano. Como se pretendeu demonstrar, a orquestração de seres do lixo, nos contos analisados, arquiteta e cristaliza o veio de uma literatura que, mesmo produzida em contextos culturais tão diversos, permite construir pontos de contato e delicados olhares para espaços, espacialidades, territórios, paisagens e lugares e seus seres redundantes e exibi-los na cena literária.
O estudo pretendeu examinar, para dar destaque, o discurso poético do escritor norte mineiro, Jove da Mata, poeta pouco conhecido nos meios acadêmicos e que procura expressar o sentimento do povo das barrancas o homem barranqueiro do São Francisco. A leitura se deu a partir da análise da imagem desse Rio que se configura como principal agente estruturador de alguns dos poemas estudados. Para tanto, fez-se dialogar a obra de Jove da Mata com a figuração do(s) rios, sobretudo do próprio São Francisco, no romance de Guimarães Rosa, trabalhando com excertos da obra. A pesquisa buscou revelar, assim, como os dois autores se valeram de imagens marcantes do rio, para dizerem não só da realidade do curso dágua como, ainda, metaforizarem a inscrição e constituição de identidades quer do barranqueiro quer do quase barranqueiro, homem humano, nas palavras do narrador Riobaldo a seu interlocutor.
Esta pesquisa teve por objetivo refletir sobre variadas formas de abordagem do tema da loucura na literatura ficcional e na científica. Para tanto, foram consultados escritores que apresentaram em suas obras registros da demência, tratada segundo as concepções das diferentes épocas e dos contextos sociais e culturais em que se inseriam. Buscaram-se exemplares da literatura em que diversos critérios nortearam os diagnósticos de loucura, bem como o tratamento realizado. Considerando-se o papel da ficção ao apresentar a realidade temática, Machado de Assis, com o conto O Alienista, Guimarães Rosa com os contos “Sorôco, sua mãe e sua filha” e “Darandina” e Erasmo de Rotterdam com a obra: O Elogio da Loucura, que constituíram-se como rica fonte de reflexão e análise. Numa proposta interdisciplinar, foram solicitados para a fundamentação teórico-literária Alfredo Bosi, Antônio Candido, Affonso Romano Sant‟Anna, Bastos e Mikhail Bakhtin. Da literatura científica, buscaram-se as contribuições de Foucault, Amarante, Jung, Freud, Miranda e Canguilhem, Goffman e outros que trataram do tema da loucura, nas mais diversas nuances, dando consistência às percepções decorrentes deste estudo.
O objetivo deste estudo é analisar o romance Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, a partir de conceitos elaborados por Mikhail Bakhtin. Este desenvolveu a concepção de romance polifônico em sua interpretação da obra de Fiódor Dostoiévski, desvendando o procedimento do escritor de incluir em sua prosa ficcional a multiplicidade de vozes presentes na sociedade. Trata-se do fenômeno do dialogismo, em que diferentes discursos entram em interação, se manifestam em réplicas diretas ou veladas, reagem entre si, estabelecem consonâncias ou dissonâncias, transformando-se continuamente, sendo que o autor aparece como uma entre as muitas vozes da narrativa. Nesse sentido, apesar de haver apenas uma voz em enunciação, consideramos Grande sertão: veredas um romance polifônico e interpretamos trechos em que o dialogismo é patente. Em seu estudo sobre François Rabelais, Bakhtin introduziu o conceito de carnavalização da literatura, processo por meio do qual foram incorporadas manifestações da cultura popular na linguagem literária. Bakhtin vale-se ainda da noção de grotesco, estilo antigo caracterizado pela mistura de formas. Tanto em Rabelais como em Guimarães Rosa, a linguagem está radicada na oralidade e em expressões populares, ainda que amalgamada a um vasto conhecimento erudito. Desse prisma, analisamos duas novelas (O recado do morro e Meu tio o Iauaretê) e um conto (Darandina) de Guimarães Rosa, além do romance Grande sertão: veredas. Seguindo uma linha de pensamento alinhada às ideias de Bakhtin que encontram ressonância em Guimarães Rosa, nas quais as fronteiras são indistintas e a transformação é inerente ao movimento da vida, procuramos centrar a análise na superação da lógica binária moderna, dando um salto para o polissêmico. É dessa maneira que propomos uma atualização da visão sobre a relação amorosa em Grande sertão: veredas, com o apoio teórico de Michel Foucault.
A partir da noção de limiar, o presente trabalho analisa as estratégias narrativas do romance Grande sertão: veredas de João Guimarães Rosa e do filme Deus e o diabo na terra do sol de Glauber Rocha, avaliando os efeitos desestabilizadores que essas narrativas-limiar exercem sobre as noções contemporâneas de tempo, espaço e identidade. Utilizando-se do conceito de corte cinematográfico como imagem de pensamento, metáfora do limiar, examina a tensão estabelecida por narradores que se posicionam entre a ordenação verossimilhante de uma narrativa contínua e a errância de uma narrativa elaborada sob a ação subversiva do simulacro, responsável por instaurar o tempo não cronológico, o espaço desterritorializado e a identidade paradoxal. Com o objetivo de melhor refletir sobre essa tensão entre verossimilhança e simulacro, analisa também alguns contos do livro Primeiras estórias de João Guimarães Rosa, o romance PanAmérica de José Agrippino de Paula e os filmes Psicose de Alfred Hichtcock, A Idade da terra e O dragão da maldade contra o santo guerreiro de Glauber Rocha, além de Corra Lola, corra de Tom Tykwer, estabelecendo um diálogo entre as estratégias narrativas dessas obras e as narrativas-limiar de Grande sertão: veredas e Deus e o diabo na terra do sol. Conclui que o caráter movente de uma narrativa-limiar se desenvolve pela ação de desvio do simulacro em processos de desterritorialização que remetem a um agenciamento incessante entre estratégias de codificação e de descodificação sígnicas.