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Entre março e junho ocorre no TUSP a mostra Teatro Pós-Trauma. Serão três espetáculos, gerados em diferentes âmbitos da Universidade, e que, por distintas miradas, enfrentam a crise da democracia no Brasil e o horror dos últimos anos de ameaças ao estado de direito.

O comitê escondido estreia aqui sua mais nova criação, Um Memorial para Antígona, que relaciona tragédia grega à Lei da Anistia, dentro da mostra Teatro Pós-Trauma, agora em abril. Além da obra de Sófocles, o grupo investigou documentos das sessões do Congresso Nacional que debateram a criação da lei.

Olhar para a lei que inocentou os torturadores da ditadura civil-militar brasileira pelas lentes da tragédia “Antígona”, de Sófocles, é a proposta do comitê escondido para Um Memorial para Antígona, que estreia 20 de abril aqui no TUSP , onde segue em cartaz até 14 de maio de 2023.

O espetáculo tem direção de Vicente Antunes Ramos, que também assina a dramaturgia ao lado de Miguel Antunes Ramos. O elenco conta com a participação de Danilo Arrabal, Giovanna Monteiro, Julia Pedreira, Joy Catharina, Rafael Sousa Silva, Sheila Almeida e Victor Rosa.

O mito descrito por Sófocles principia com o encontro entre as irmãs Antígona e Ismene na escuridão da noite. Houve uma guerra em Tebas, e Creonte, governante da cidade, ordenou que o corpo de Polinices – irmão das duas, que marchou contra o governo – não seja sepultado. “Que sua carne seja levada pelas feras e pelos urubus”, ordena. Antígona quer desobedecer às ordens e diz que é seu direito. Já Ismene é contrária e responde que a desobediência não vai adiantar.

Esquecer ou enterrar? É a partir dessa oposição entre as irmãs que o espetáculo propõe uma reflexão sobre a criação da Lei da Anistia de 1979. Ao mesmo tempo que perdoa crimes cometidos na luta pela democracia, reintegrando figuras exiladas e apartadas ao jogo político, o projeto de lei impede – até hoje – a criminalização dos agentes do Estado que praticaram crimes de tortura, sequestro, assassinato e ocultamento de cadáveres à época.

Para criar essa discussão, além de Sófocles, o grupo recorre a documentos históricos do Congresso Nacional, ao voto de senadores e deputados, aos depoimentos de antigos presos políticos e testemunhos de familiares de militantes mortos e desaparecidos. E o trabalho propõe ao público uma reflexão sobre os horrores da ditadura: devemos esquecer e seguir em diante, ou lembrar os corpos desaparecidos?

“A peça é sobre memória. Parte da situação ficcional da criação de uma estátua para Antígona, um evento importante, no qual toda a cidade se reúne para rememorar essa personagem, essa história. A questão da construção de memoriais também é central na história do Brasil, na forma como lidamos com os traumas da ditadura militar. Existem pouquíssimos centros de memória no país, ainda mais se compararmos com a Argentina ou o Chile, que tiveram ditaduras próximas a nossa. Isso evidencia uma escolha: a de esquecer para seguir em diante”, reflete o autor Miguel Antunes Ramos.

Com este trabalho, o comitê escondido dá prosseguimento a sua pesquisa cênica em teatro documentário, iniciada em Terra Tu Pátria (2018). Mas aqui todos os documentos que serviram para compor a dramaturgia recebem um tratamento sonoro diferente. A peça, para o ator Rafael Sousa e Silva, é uma espécie de cantata: “Através do som, buscamos evidenciar outros sentidos, que estão ali, mas que não notamos quando lemos essas palavras. É como se, pelo som, a gente pudesse criar fissuras, buracos, e o espectador tem que preencher o que vê e ouve. Trazemos palavras à tona mais uma vez, e estas não são o que esperávamos que fossem, mas aquilo que elas mesmas sabem ser. O som é o modo de ativá-las em cena”.

Sobre o processo
O processo de criação de Um Memorial para Antígona começou em 2019, e a peça estava programada para ganhar os palcos em março de 2020, mas, por conta da pandemia de Covid-19, a estreia foi postergada. Durante esse tempo, o comitê deu continuidade à pesquisa e criou, em isolamento social, a áudio-peça Antígona Sonora (2021).

“Foi duro ter que parar um processo tão perto da estreia. Ao mesmo tempo, isso permitiu que o projeto amadurecesse. Ainda que distantes, encontramos formas de manter a pesquisa viva. E acho que a peça que estreamos agora é muito melhor do que a que faríamos em 2020”, comenta Vicente Antunes Ramos, diretor e coautor.

“Acho que o maior mérito do projeto é ter conseguido manter tanta gente junta, por tanto tempo, atravessando o momento difícil que foi a pandemia, sem muita perspectiva de futuro. Estrear agora é também um reconhecimento disso. E é totalmente diferente… iniciamos o projeto pensando numa transição política como um ato no futuro, quem sabe quando viria isso. Agora, vamos estrear no início do Governo Lula, com as pessoas gritando ‘sem anistia!’ pelas ruas. Mudou aquilo que pensávamos do trabalho. Mas ele continua 100% atual e necessário.”, completa.

Na temporada, todas apresentações de domingo serão seguidas por debates com convidados que discutirão a Lei da Anistia e perspectivas sobre a conjuntura atual. O primeiro debate terá a participação de José Genoino e Paulo Arantes.

Um memorial para Antígona integra a programação da mostra Teatro Pós-Trauma, que está em cartaz no TUSP e reúne ainda os trabalhos oresteia.br, da Prezada Cia de Teatro, e Verdade, d’O Tablado.

Sinopse
A partir da construção ficcional de um memorial para Antígona, o espetáculo discute a questão da pactuação nacional que se deu no Brasil na transição entre a ditadura militar e o período democrático. Em cena, 7 atores manipulam documentos sobre a criação da Lei da Anistia de 1979, ao mesmo tempo em que, através de depoimentos das personagens gregas, contam o mito da Antígona, fazendo com que o mito grego ecoe na história nacional.

Ficha Técnica
Elenco: Danilo Arrabal, Giovanna Monteiro, Julia Pedreira, Joy Catharina, Rafael Sousa Silva, Sheila Almeida e Victor Rosa | Dramaturgia: Miguel Antunes Ramos e Vicente Antunes Ramos | Direção: Vicente Antunes Ramos | Composição sonora: Mariana Carvalho | Desenho e operação de som: May Manão | Colaboração na criação sonora: Eduardo Joly | Cenário: A. Hideki Okutani | Figurino: Sandra Antunes Ramos | Desenho e operação de luz: Matheus Brant | Projeção: Nina Lins e Thais Suguiyama | Participação na criação: Isabela Bustamanti | Produção: Leonardo Birche | Identidade visual: Gabriel Franco

Um Memorial para Antígona, do comitê escondido
20 de abril a 14 de maio, de quinta a sábado, às 20h, e aos domingos, às 18h
TUSP – Teatro da USP – Rua Maria Antônia, 294, Vila Buarque
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia-entrada para estudantes, aposentados, professores da rede pública e artistas)
Ingressos: https://bit.ly/ummemorialparaantigona ou na bilheteria 1 hora antes do espetáculo.
14 anos | 90 minutos | 98 lugares | Teatro acessível para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida.