O conto Lá, nas campinas, presente em Tutameia, de João Guimarães Rosa, é uma
narrativa que, segundo uma perspectiva mitológica, se constrói em torno de um tema
de origem. A personagem Drijimiro procura respostas a respeito de sua origem, questionamento
primordial de todo ser humano, propondo-se, com isso, a desvendar os
mistérios que cercam sua existência. Apesar da trajetória mítica da personagem em
busca desse conhecimento mostrar-se corriqueira, passando por questões sociais e materiais
inerentes à vida, como trabalho, enriquecimento, posição social e difamação,
como a morte de entes próximos, entre outras, em Guimarães Rosa, a questão não se
revela de modo tão simples. A construção literária do conto ocorre mediante um dizer
quase não-dizer, a partir de variações e potencialidades poéticas que revelam a fábula.
Como em quase todos os seus textos, mas, principalmente, em Tutameia, o que se tem é
a ficcionalização da linguagem em seu mais alto grau, de modo hermeticamente condensada,
e por meio de o estabelecimento de um jogo de relações em que o insólito, o
non-sense e o emprego de inusitados artifícios literários das construções se fundem na
configuração da narrativa de Lá, nas campinas.
A obra de Guimarães Rosa tem um acentuado pendor mítico-fi losófi co. As duas inter-pretações propostas a seguir comprovam que o recurso à fi losofi a e à mitologia permite extrair uma compreensão mais plena das estórias do grande escritor. Em “Curtamão”, a partir do ensaio Construir, habitar, pensar, de Heidegger, demonstra-se que a solida-riedade intrínseca entre a construção da casa, a narração da estória e a eclosão da vida constitui o sentido mais profundo desta estória fundamental. Somente um habitar to-mado de poesia corrige a errância em que se dissipa o homem. Em “Lá, nas campinas”, da audição da palavra mítica depende a reconstituição de uma existência rompida, que perdeu o vínculo com a Infância longínqua. O mito é a palavra que pronuncia o que é, suscitando a presença do que nomeia. Falar já é responder à linguagem essencial, que se exprime através do mito. Em ambas as estórias, estranhas e enigmáticas, a existên-cia está por construir, e a única possibilidade desta construção é o vigor originário da palavra poética.
“Lá, nas campinas”, conto de Tutameia – terceiras histórias, de Guimarães Rosa, é um texto que nos possibilita refletir sobre a relação do homem e a paisagem e, consequentemente, sobre o que o identifica com o lugar de sua experiência histórica. Este artigo propõe uma reflexão crítica do referido conto no que diz respeito a questões que discorrem sobre lugar (“Lá, nas campinas...”), num Drijimiro que traz consigo uma geografia da alma, do coração, da imaginação, além de desenvolver uma reflexão filosófica e, também, enfatizar os seus aspectos linguísticos, dada a riqueza do vocabulário rosiano, relacionando-o ao lugar.
Este trabalho tem por objetivo fazer uma leitura de dois contos (Lá nas campinas e Curtamão) e dois prefácios (Aletria e Hemenêutica e Nós, os temulentos), textos de Tutaméia, de Guimarães Rosa. O artigo analisa duas epígrafes de Schopenhauer, que insistem na releitura. Ambas estão em Tutaméia e têm sintonia com a noção de música tanto nesse pensador quanto na obra de Nietzsche. O pensamento nietzschiano, no entanto, apostando na música como arte do irrepresentável, através de aforismas e paradoxos, escapando ao conceitual e à metafísica de Shopenhauer, parece ser mais apropriado para a leitura de Tutaméia, obra construída numa escrita nômade, dionisíaca, numa festa em que há uma predominância do significante sobre o significado.
Baseado na noção de letra em Lacan, o autor apresenta uma proposta de leitura do conto Lá nas campinas, narrativa de Tutameia, de Guimarães Rosa. A noção de letra supõe um reconhecimento da impossibilidade de a linguagem expressar o real. A letra, ao exigir cifração e decifração, funciona como fonte de possibilidade ficcional. Elementos como o silêncio, o som e a voz servem como instrumentos usados por Guimarães Rosa para evidenciar a supremacia do significante sobre o significado. Na linhagem de Joyce, Rosa constrói um escrito para não ser lido.
Há alguns anos publiquei uma análise do conto "Nenhum, nenhuma", na qual procurei demonstrar que, na topografia rosiana, há um lugar que é "nenhures". Prossegu indo na mesma linha, pretendo analisar o conto "Lá, nas campinas" (Tutaméia), cujo núcleo é uma lembrança obsessiva da infância da personagem. Essa análise será articuladaa outros textos de Guimarães Rosa, em que o autor especifica vários tipos de "saudades". Procurarei demonstrar que, entre a "saudadede idéia" e a "saudade de coração" (Grande sertão: veredas), o segundo tipo é uma abertura para o conhecimento do inconsciente, e que os contos centrados nesse tipo de saudade convidam o crítico a recorrer à psicanálise.