Ignacio Assis Silva, em sua obra Figurativização e Metamorfose: o mito de Narciso (1995), reflete sobre a relação entre o mito de Narciso e a construção do sujeito em Jacques Lacan. Segundo o autor, Freud e Lacan leem o Narciso ovidiano não como lenda, tal qual o liam os gregos e os romanos, mas como mito: como figurativização da antropogênese do sujeito. Com base nas observações de Silva, estabelecemos uma leitura semiótica para o conto "O espelho" de João Guimarães Rosa, objetivando analisar como o enunciador constrói de forma mitopoética o ator protagonista do texto, lendo-o também como figurativização da antropogênese do sujeito em sua relação com o outro.
O ator do espetáculo solo Espelhos, baseado em contos de Machado de Assis e de Guimarães Rosa, Ney Piacentini contribui, de modo singular, com o número temático da Revista Línguas&Letras, edição comemorativa, voltada aos estudos críticos e criativos em torno da obra de Guimarães Rosa, por meio de entrevista, por nós intitulada Guimarães Rosa: Incursões poéticas no palco.
Este artigo parte de um estudo realizado no arquivo de João Guimarães Rosa, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP). Nele, a forma literária é percebida como uma tomada de posição que supõe um posicionamento do escritor no interior das contradições do processo social. Nesse sentido, defendo a ideia de que, em “Meu tio o iauaretê”, a conversa desnivelada, padrão narrativo também pre- sente em outros textos do autor, ataca a questão da desigualdade bra- sileira, representando-a.
Este texto se destina a informar os passos iniciais da pesquisa que venho realizando sobre a novela “Meu tio o iauaretê”, de João Guimarães Rosa. Ao inscrever a pesquisa na linha de interpretações sociológicas, históricas e políticas, não deixo de observar elementos que dizem respeito à genética do texto, como demonstra o pontapé inicial do estudo realizado no arquivo do escritor no IEB/USP. Neste estudo, a forma literária é percebida como uma tomada de posição que supõe um posicionamento do escritor no interior das contradições do processo social. Defendo a ideia de que a conversa desnivelada, padrão narrativo também presente em outros textos do autor, ataca a questão da desigualdade brasileira a um só tempo compreendendo-a e criticando-a.
Este ensaio de interpretação do Grande sertão: Veredas trata da forma mesclada do romance de formação com outras modalidades de narrativa, provindas da tradição oral, em consonância com o processo histórico-social que rege a realidade também misturada do sertão rosiano. O grande sertão, múltiplo e labiríntico, origem do mito e da poesia, é visto em seu desdobrarse numa espécie de mar para a existência épica: campo da guerra jagunça e das aventuras de um herói solitário, Riobaldo. Ao abrir-se o livro, esse ex-jagunço surge como o contador de casos que acaba narrando sua vida a um interlocutor da cidade e colocando-lhe questões que nenhum dos dois pode responder. O estudo descreve e tenta apreender assim a mistura peculiar que define a singularidade do livro, intrinsecamente relacionada ao mundo misturado que tanto desconcerta esse narrador, cujo desejo de saber vai além da sabedoria prática do narrador tradicional, pois envolve questões do sentido da experiência individual, típicas do romance, voltado para o espaço urbano do trabalho e da vida burguesa. Na reconstrução da mistura como um todo orgânico, em que o romance parece renascer do interior da poesia do mais fundo do sertão brasileiro, se busca tornar inteligível um verdadeiro processo de esclarecimento. Por ele, Riobaldo, ao repassar o vivido e sua paixão errante por Diadorim, se esquiva da violência mítica do demo que marcou sua existência, expondo-a à luz da razão. Isto faz da travessia desse herói problemático de romance, homem humano, um contínuo aprender a viver ? a real dimensão moderna da obra-prima de Guimarães Rosa. Palavras-chave: literatura; romance; Guimarães Rosa; Grande sertão: Veredas.
Partindo de ponderações não apenas conceituais/reflexivas como também expressivas/literárias, este texto procura tensionar obras de campos distintos. O filosófico - em que o principal alicerce é a racionalidade conceitual - e o artístico em que ganham relevos os aspectos miméticos expressivos. Este entrelaçamento procura desvelar contrapontos entre o conto literário O Espelho, de Guimarães Rosa e as reflexões filosóficas suscitadas na Teoria Estética e na Dialética Negativa de Theodor Adorno. Essas obras, em seus distintos campos e com suas diferentes formalizações, colocam em tensão forças contraditórias. De um lado o esforço persistente do conceito que, mesmo ciente de seu fracasso e da impossibilidade de atingir suas próprias pretensões, procura dizer algo de indizível, explorando os seus limites em direção ao seu oposto, o não conceitual no objeto conceituado. Do outro lado do espelho, como um negativo do movimento do conceito, a narrativa de Rosa explora os aspectos expressivos da palavra de modo a revelar no objeto detalhes opacos ao conhecimento conceitual. No caso especifico, um conto que procura espelhar tanto um ensaio filosófico quanto um experimento empírico, colocando como objeto de análise, a própria imagem no espelho.
Neste artigo, elaboramos um estudo comparativo entre os contos homônimos “O espelho” de Machado de Assis e de Guimarães Rosa, trazendo para a discussão, a partir da análise, algumas considerações sobre as intrincadas visões de mundo desses autores, postas em confronto a convite do próprio Guimarães Rosa. Tal convite é percebido não só pela escolha do título de sua estória e por alusões imagéticas e textuais à obra precedente, como também devido ao emprego de técnicas narrativas orientadas para a construção de um personagem-narrador interessado em propor um ponto de vista alternativo sobre dois eixos temáticos do conto machadiano: a fragmentação do eu e sua relação com o outro.
Roland Barthes é considerado o pai da nova crítica literária. Seus postulados visam a pluralidade de interpretações do texto literário, bem como o papel ativo do leitor. Além disso, o autor trata do texto de prazer e fruição, sendo este o texto que desestabiliza o leitor e aquele texto que causa prazer. Nesse sentido, o presente artigo busca realizar uma leitura guiada pelos preceitos do pósestruturalismo, especialmente os postulados de Barthes e de Belsey, com a questão do texto interrogativo. Para tanto, escolhemos o conto "O Espelho", de Guimarães Rosa, visto que acreditamos ser possível ler esse texto através da ótica das teorias mencionadas.
Neste artigo, o texto é pensado, enunciativamente, como espaçode diálogo. Ou seja, o diálogo do espelho, realizado com as atividadesde escrever e ler, falar e ouvir, é pensado como atividade dialógica.Assim sendo, no diálogo dos interlocutores, o locutor produz para oseu alocutário, no espaço visível do texto, ou do espelho, não só asimagens a serem reproduzidas, como, ainda, as imagens a seremtransformadas. Mas, o diálogo do texto, ou do espelho, é marcado,também, pela ação das imagens que vão sendo dadas à visibilidadepela ação invisível do vazio gerador da produção do poético.
O ensaio aborda o conto O espelho, de Guimarães Rosa, a partir da leitura da obra do pintor britânico Francis Bacon por Gilles Deleuze. Tal como na obra de Bacon, o narrador do conto busca limpar os clichês que envolvem o rosto. Precipitando-se numa série de devires ao longo dessa tarefa, ele nos traça uma estratégia diante da guerra hoje em curso que, como adverte Giorgio Agamben, tem por objeto o controle do rosto, da aparência.
Este artigo apresenta uma abordagem sobre o método semiótico do discurso, de A. J. Greimas, para o reconhecimento das etapas de significação durante a análise do texto literário entre estudantes do ensino médio. Nessa perspectiva de uma abordagem sistêmica, o ponto alto dessa proposta de trabalho é a apreciação do evento estético, em cuja análise poderão ser apontadas as figuras e temas espalhadas no universo discursivo do conto O Espelho, de Guimarães Rosa. Para o alcance desses propósitos mergulhar-se-á no aporte teórico de Greimas (1973; 2014), Bertrand (2003), Barros (2001; 2008) e das Orientações Curriculares do Ensino Médio (2006).
É o propósito desse artigo analisar as obras O Espelho in Primeiras Estórias (1962) conto brasileiro de João Guimarães Rosa, e Las Meninas (1957) de Pablo Picasso, óleo sobre tela, cujo ponto de partida pode ser identificado no retrato da corte espanhola de mesmo nome, elaborado pelo pintor barroco espanhol Diego Velázquez em 1657, e construir uma reflexão sobre o tema e as linguagens.
A anamorfose, imagem aparentemente disforme, presente nas obras de Picasso pode corresponder à fragmentação intencional da linguagem que ocorre em muitos discursos verbais contemporâneos. A intertextualidade fica evidente entre o retrato picassiano e o retrato da corte de Velázquez, enquanto o conto brasileiro se situa no campo da interdiscursividade. Os enunciadores Guimarães Rosa e Pablo Picasso, movidos por elementos como retratos, conjunto de espelhos, leis da óptica, entre outros, estabelecem uma discussão sobre o processo de construção da imagem em um processo de interdiscursividade para criarem respectivamente o "ainda-nem-rosto", "menos-que-menino", e as anamorfoses presentes em Las Meninas do século XX. Adotando basicamente o jogo entre o inteligível, entendido como algo mais da ordem da cognição e o sensível, poderemos refletir sobre o interior dessas obras e a estrutura profunda que organiza a geração do sentido.
Oitenta anos separam “O espelho”, de Guimarães Rosa, do conto homônimo de Machado de Assis. Se Rosa escreveu o seu para responder ao de Machado, é coisa que a crítica se compraz em discutir. Algo, no entanto, é indiscutível: o retorno de Rosa ao dileto assunto de Machado o converte em tema clássico da história do conto brasileiro. Mas se considerarmos que, em ambos os autores, narradores-protagonistas contam experiências com espelhos e que tais experiências envolvem o autoconhecimento enquanto co-nhecimento da alma, podemos ir mais longe e afirmar que, do escrito do carioca ao do mineiro, é possível ver constituir-se uma poética do espelho. A fim de que se possa contribuir para descrevê-la, que o nosso olhar se dirija agora para o espelho de Rosa.
O estudo parte da análise do conto “Axolotes”, de Julio Cortázar, com o objetivo de demonstrar a relação entre a constituição do fantástico e a construção das espacialidades da obra, espacialidades, como a dos corpos do narrador e do axolote, verificando como tais corpos situam-se como espaço de devir. Para iluminar a análise, também enfocaremos alguns aspectos do conto "O espelho", de João Guimarães Rosa, e das narrativas “Um animal sonhado por Kafka” e “A bao a qu”, inseridas em O livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges e Margarita Guerrero. O processo metamórfico que ocorre nas narrativas supracitadas pode ser entendido como exercícios de animalidade que são desencadeados pelas personagens no sentido de testar os limites entre a razão e a imaginação, entre o real e o irreal.