Pouco se fala, no campo dos Estudos Literários, a respeito da obra Ave, Palavra, de 1970, na qual João Guimarães Rosa dá à luz poemas sob a sombra de anagramáticos, isto é, autores fictícios, cujos nomes são formados por anagramas do nome do próprio autor. Neste artigo, propusemos uma leitura para o poema “Alongo-me”, de Soares Guiamar, o primeiro desses anagramáticos, lançando mão dos caminhos inicialmente abertos pela dissertação de Rossi (2007) e pela abordagem fenomenológica de Roman Ingarden, complementada por Ramos (2011). Com isso, em diálogo com a ideia de originalidade primitiva da linguagem, de Paz (1982), pudemos perceber que a própria disposição dos versos e das rimas do poema – os estratos óptico e fônico – reforçam os temas de nascimento e morte, dos quais ele trata, já que há o uso de versos longos (amadurecidos), projetados à direita, que desembocam em versos curtos (recém-nascidos), reiterando, por meio da própria imposição material da linguagem, o movimento cíclico da vida e da morte.Palavras-chave: Alongo-me. Guimarães Rosa. Ave, Palavra. Anagramáticos. DOI: https://doi.org/10.47295/mgren.v10i3.3425
A ficção literária cria um campo de encenação, onde todos os elementos se condicionam ao jogo do como se. As representações do real são transpostas para um plano de fingimento e a realidade do mundo vivencial é desmanchada, pelo que se omite e pelo se explicita, no texto literário. Do ponto de vista da teoria ficcional, as máscaras não conseguem realizar o ocultamento pleno. Como tais, devem indicar o fingimento. O estudo comparativo dos dois ícones da literatura intercontinental se baseia na teoria do efeito estético de Wolfgang Iser, com ênfase nos atos de fingir e em seus efeitos no receptor, para além da simples projeção ou da identificação com a realidade.
A ficção literária cria um campo de encenação, onde todos os elementos se condicionam ao jogo do como se. As representações do real são transpostas para um plano de fingimento e a realidade do mundo vivencial é desmanchada pelo que se omite e pelo se explicita no texto literário. Expressam-se no texto presença e ausência, sem que um plano se sobreponha ao outro. Guimarães Rosa cria poetas anagramáticos, em cujos nomes estão presentes as marcas de sua criação. Do ponto de vista da teoria ficcional, as máscaras não conseguem realizar o ocultamento pleno. Como tais, devem indicar o fingimento, o disfarce. A heteronímia, em Fernando Pessoa, não se dissocia da intenção autoral, embora não existam meios de se comprovar que todas as suas personalidades poéticas constituam um único Eu. Os heterônimos são distintos entre si e também diferem do que assina como Pessoa-ortônimo. Esse fato intrigante tem suscitado, em estudiosos, o desejo de decifrar os enigmas da heteronímia. Este estudo comparativo dos dois ícones da literatura intercontinental se baseia na teoria do efeito estético de Wolfgang Iser, com ênfase nos atos de fingir e seus efeitos no receptor, para além da simples projeção ou da identificação com a realidade. A metaficção, compreendida como autoconsciência, será o elemento comum aos dois poetas, que propiciará a análise dos jogos de enigmas, tendo em vista a criação de personalidades poéticas, em suas obras.
Este artigo tem por objetivo examinar algumas características presentes em escritos de ambiência urbana de João Guimarães Rosa publicados em seus livros póstumos – Estas estórias e Ave, palavra –, agrupando-os segundo certas afinidades formais ou temáticas: o estilo fragmentado e a atitude ambivalente com relação à cidade; à representação dos males do regime nazista; e à figuração de sujeitos opressos pelo sistema de sociabilidades que a urbe impõe. Num segundo momento, os textos urbanos são contrapostos à literatura sertaneja de Guimarães Rosa e distinguidos, especialmente, pelo enfraquecimento do modo ficcional promovido pelo recurso amplo à voz autobiográfica e pelo emprego de um discurso mais reflexivo ou sentencioso.
Este trabalho visa explorar o complexo sistema percorrido pelo ser puro e intransitivo da linguagem literária apontado por Michel Foucault, a qual comanda os fluxos poéticos de Guimarães Rosa em Ave, Palavra, por meio da análise de certos procedimentos de criação linguística e elaboração estilística presentes em toda sua composição; destina-se também a investigar o lirismo que mana do verbo essencial, o qual se dobra sobre si mesmo, ocultando as várias faces da palavra original e a insólita intenção da escrita roseana de reverenciar a arte poética, visto que Ave, Palavra comporta uma ação lírica articulada no espaço soberano da obra.
A poesia que mana de Ave, Palavra flui da pluralidade significativa de sua escritura, resulta da unidade de elementos interiores à obra e da entrega incondicional do poeta, uma ação que o conduz ao lugar da essência da linguagem. O canto inaugural da poesia roseana penetra na fala atemporal da linguagem para então estabelecê-la a partir dela mesma de forma genuína. Pretendemos neste trabalho a análise de alguns aspectos da última obra escrita por João Guimarães Rosa, conduzidos pelo pensamento de Martin Heidegger acerca do processo que en-caminha a essência do poeta ao lugar de onde a linguagem subverte o próprio tempo e lhe acena por meio do fenômeno da criação poética.
Na obscuridade do espaço literário a palavra ressurge incorporada e consubstanciada de inúmeros sentidos e valores semeados no solo desértico de Ave, Palavra. Por meio dos movimentos de recuo da linguagem a opacidade da poesia roseana anula a representação de um significado primeiro, o verbo essencial já não se desvela como termo, porquanto se abre a uma intenção e transborda para outra realidade. Essa coletânea recria o mundo por meio de uma poesia sóbria, todavia essencial, decantada de uma linguagem vigorosa e enérgica que nunca se cansa de assombrar por sua natureza rebelde e inapreensível. Ave, Palavra comporta uma ação lírica articulada no espaço soberano da obra, um fenômeno que converte toda a superficialidade do mundo exterior em um dito incessante, inesgotável e avassalador. Pretendemos nesse trabalho, fundamentados nos estudos de Maurice Blanchot, estabelecer um diálogo acerca da transcendência abstraída da palavra essencial arraigada no solo poético de Ave, Palavra, tendo como escopo o poema Nascimento.
A variedade formal e temática dos textos reunidos em Ave, Palavra manifesta a força criativa da experiência literária de Guimarães Rosa. Em sua tessitura o autor elabora contornos voltados para as possibilidades várias abstraídas da rebeldia que mana de sua escrita, impulsionando os fluxos poéticos para longe de qualquer enrijecimento oriundo de preceitos e regras avessas à liberdade imprescindível ao fenômeno da criação artística, haja vista que a poesia contemporânea estabelecida em Ave, Palavra evoca um equilíbrio expressivo forjado no deserto longínquo do pensamento, e sustentado por um movimento de desconstrução que repele o arquétipo composicional compactado pelo tempo. Esse trabalho propõe uma investigação acerca dos diálogos possíveis entre a revolucionária ação poética de Guimarães Rosa em Ave, Palavra e as concepções artísticas dos movimentos de vanguarda europeia.
O objetivo desta comunicação é elucidar elementos composicionais de textos selecionados da obra do escritor João Guimarães Rosa em que a temática bestiário, principalmente, inserida em um contexto moderno pode ser discutida. Para isto, primeiramente, para orientar essa discussão, trataremos de privilegiar uma ótica que almeja pensar a presença dos animais na trajetória literária rosiana. Na sequência, apresentar e culminar em sua última obra, Ave, palavra, cujos textos trabalham com a temática sobre os animais de forma intensa. Mais do que isso, ampliar nosso olhar para relação existente entre Homem e animal em uma perspectiva moderna, uma vez que os textos rosianos permitem
reflexões, por esses vieses, devido aos conteúdos cujos procedimentos estéticos dialogam
diretamente com as características da construção literária moderna. Utilizaremos embasamento teórico em estudiosos que pesquisam a referida temática, como a professora Maria Esther Maciel. Assim, trabalharemos a complexidade da escritura de João Guimarães Rosa com relação aos bestiários, tendo como lastro questões suscitadas em textos de sua carreira literária e, sobretudo, de sua obra póstuma, Ave, Palavra, refletindo sobre a fronteira entre humano e inumano, a qual oportuniza olhares interpretativos sob a figura do homem moderno.
Análise do livro Ave, palavra, de João Guimarães Rosa, com a indicação de suas características: a metalinguagem, a busca da palavra exata, a experimentação linguística e a descrição poética de seres e paisagens, a intertextualidade, a escrita da poesia, o lirismo e a duplicação do narrador/autor. O volume representa a compilação, feita por Paulo Rónai, de textos de qualidade irregular, que serviriam de matéria prima para que Guimarães Rosa desenvolvesse em outros textos, tal como fez com fragmentos de Magma.
Este ensaio resulta de uma perspectiva de investigação surgida imediatamente após a conclusão do curso de mestrado e é, portanto, uma posição teórica ainda em desenvolvimento. Nosso objetivo, aqui, é sinalizar um possível caminho para a revisão de alguns posicionamentos críticos relativos ao regionalismo literário desenvolvidos e consolidados pela historiografia. Tomamos os conceitos de região e regionalidade como imprescindíveis para tal e selecionamos como ponto de partida a obra de J. Guimarães Rosa, através da qual buscamos olhar para uma parcela da tradição literária brasileira e analisar alguns dos discursos veiculados pela crítica.
Filiados a um contexto literário em que o poeta busca a reconciliação entre o “eu” e o universo sem rejeitar a consciência do fazer poético e a renovação da linguagem, os poemas de Guimarães Rosa em Ave, Palavra aproximam-se do que Octavio Paz denominou de “poesia de convergência”. Tal visão analógica metaforiza-se nos poemas por meio do mito de Narciso e por imagens que associam o reflexo e o encontro do Outro como forma de conhecer a si mesmo. O presente trabalho objetiva apresentar uma leitura das referidas composições poéticas examinando como a analogia se estabelece, aproximando-as das demais produções de Guimarães Rosa, identificando-as, não como acidente na obra o autor, mas como produção portadora das inquietações que acompanham o artista em sua trajetória literária.
O presente trabalho propõe uma leitura de composições poéticas de João Guimarães Rosa publicadas no livro híbrido Ave, Palavra (1970). Partimos da perspectiva de que os poemas rosianos filiam-se ao que Octavio Paz (1993) denominou de “poesia de convergência”, herança do diálogo entre dois extremos advindos da produção romântica, a analogia e a ironia. Atendo-nos à tendência nomeada como ironia, destacamos, dentre as produções do referido livro, quatro composições que promovem a sondagem da criação literária. Como método de análise, serão feitas aproximações dos poemas com outras obras do autor e com demais textos de Guimarães Rosa que sondam o fazer literário, como a entrevista dada pelo artista a Günter Lorenz (1973), as correspondências trocadas com seu tradutor italiano Edoardo Bizzarri (1980) e trechos de prefácios que compõem Tutameia (ROSA, 1976). A leitura, portanto, busca analisar como tais questões que inquietaram Rosa se realizam em suas composições em verso, ora a partir de narrativas embrionárias, alegóricas, ora valendo-se de composições de tom mais lírico, trazendo à tona imagens recorrentes em suas produções, evidenciando que suas poesias não são um mero acidente, mas compõem o projeto estético do autor.