O presente artigo dedica-se ao estudo do léxico, imaginário e estética da Umbanda em "O recado do Morro" (1956), de João Guimarães Rosa (1908-1967). Com apoio em breve panorama histórico e antropológico, este ensaio busca identificar imagens, imaginários, termos e expressões que, nesse conto, apontam indicial e ludicamente para as relações poéticas e ontológicas de Guimarães Rosa com a cultura e as práticas da espiritualidade afro-brasileira. Para tanto, utilizamos as ferramentas teóricas da hermenêutica, da filologia, da estilística e dos estudos do imaginário. O vocabulário empregado por Rosa, nesse conto, converge com aquele que define práticas e características da Umbanda, como se demonstra no glossário circunstanciado e comentado. Nossa conclusão é voluntariamente aberta e aponta para a necessidade de ampliação das pesquisas no entrecampo da cultura afro-ameríndia e da literatura rosiana.
A novela “O Recado do Morro”, de Guimarães Rosa, faz parte de Corpo de Baile e se baseia na viagem de Pê-Boi pelo sertão. O deslocamento desse personagem evidencia a viagem pelo interior do Brasil, mostrando paisagens reais e míticas. Para o nosso trabalho, trata-se de analisar o tema da viagem como construção de um espaço mítico; espaço que o relato da viagem de Pê-Boi converte em espaço da escritura, revitalizando linguagens, discursos e gestos.
This article addresses the paradoxical relation of the literary work of the Brazilian author João Guimarães Rosa to the field of world literature. On the one hand, this work is distinguished by an insistent worlding function, insofar as it is a prime example of a regionalist modernism that transcends its local and regionally specific context into universal, global, and metaphysical dimensions of meaning. On the other hand, the author has created a virtually unique linguistic idiom that requires heightened concentration on the part of the reader and poses enormous challenges for translation. The article argues that this paradox may be usefully discussed by way of the category of the vernacular, as it derives from Dante’s treatise De vulgari eloquentia. The vernacular reshaping of the language emphasises the mutability of the world and the striving of the literary discourse to reconnect itself to some sense of poetic immediacy. Matters of linguistic resistance and self-conscious, meta-linguistic or meta-translational passages will be analysed insofar as they serve the literary exhibition of the vernacular as something that courts yet is already removed from oral/popular immediacy. Comments on a long novella (O recado do morro) and an epic novel (Grande Sertão: Veredas), both from 1956, explore the relation between the word, the vernacular, and the world.
A inteligibilidade do céu noturno em momentos-chave de Corpo de baile aponta para uma elaborada alegorização das posições de certas estrelas e constelações. Esta leitura procura demonstrar a interpenetração entre céu e terra, dia e noite nos panos de fundo siderais das tramas de Rosa, com foco em “O recado do morro”, conto central do livro, e nas estritas condições de visibilidade da alegoria rosiana.
O objetivo geral do estudo do conto “O Recado do Morro”, do escritor João Guimarães Rosa (1908-1963), integrado à antologia Corpo de Baile (1956), é elucidar o trabalho de hibridação da forma, estrutura e linguagem do conto com os dados das Cadernetas de Campo do viajante autor e a narrativa relatada em processo de criação. A compreensão do trabalho concebido por nós como transcriação ficcional interessou-nos no tocante à maneira como a realidade empírica é traduzida pelas cadernetas (Boiada 1 e Boiada 2) e transformada pelas artimanhas ficcionais do narrador-viajante, leitor, testemunha e criador simultâneos. O emergir da história, sob o olhar do autor diplomata, apontou-nos a diferença refletida, em lato e stricto sensu – o movimento do tempo e espaço da viagem pela via da memória em fluxo fabular de imagens e da cartografia da rica natureza do sertão mineiro. Cenários e campos de experimentação da linguagem poética em relato de histórias em sincronia. Neste desdobramento de meta-narrativas, a dialogia é o método que concretiza o paralelismo conto e cadernetas de campo – entre o passado da recolha (Viagem de 1952) e o presente do relato (em permanente atualização). O grande efeito final é marcado pela viagem da invenção (sete histórias e sete recadeiros), por meio do Outro, humano e geográfico, alteridades que têm a função de representar e refratar as intenções do autor em função de um recado Universal: “O Recado do Morro”, o Morro da Garça na região de Cordisburgo, em transcriação poética para “O Recado da Terra”. Na dinâmica das viagens, a narrativa polifônica encontra seu duplo centro, a singularidade poética e a identidade lingüística rosiana que, uma vez degeneradas pelo fluxo da memória, apontam para a utopia do presente inacabado na obra, em coexistência virtual e atual. Estes são os princípios básicos levantados pela leitura de descoberta e invenção, travessia, contemplação e interatividade, nesta dissertação.
Neste estudo é feita uma análise de três elementos presentes na novela “O Recado do Morro”, de Guimarães Rosa, uma das novelas que integram a obra Corpo de Baile. São eles: o mito, a loucura e o riso. Sugerimos a avaliação desses elementos no texto em análise como uma orientação, ou sugestão, de uma poética do autor. Essa sugestão de uma poética é acentuada e apontada na utilização pelo próprio autor do termo parábase como uma classificação possível a três novelas dentre as sete que integram a citada obra, entre elas “O Recado do Morro”. A parábase representa uma espécie de “voz do autor” na Comédia Antiga, na Grécia do século V a.C. O mito, a loucura e o riso são apreciados aqui como fatores de problematização de uma norma, desestabilização de conceitos fixos. Investigamos essa voz autoral relacionando-a aos três elementos citados e presentes na novela.
Este trabalho de interpretação de "O Recado do Morro" trata da forma mesclada do conto com outras modalidades de narrativa, provindas da tradição oral, em consonância com o processo histórico-social que rege a realidade também misturada do sertão rosiano, múltiplo e labiríntico, fonte e origem do mito e da poesia. O estudo descreve e tenta apreender assim a mistura peculiar que define a singularidade do conto, intrinsecamente relacionada ao mundo misturado que tanto encanta quanto desconcerta. Na reconstrução da mistura como um todo orgânico, em que o conto parece renascer do interior da poesia do mais fundo do sertão brasileiro, se busca tornar inteligível um verdadeiro processo de esclarecimento, que culmina com o reconhecimento de sua própria identidade relacionado à terra natal à qual o herói retorna, de modo triunfal.
Parece imperativo ao crítico literário, quando se trata de viajar pelas hidrografias e veredas do sertão guimarãesrosiano – seu “mundo-texto” - aceitar que o timoneiro seja o próprio escritor. Poderá o crítico verificar então se aquilo que anuncia o artista, seu projeto literário, foi materializado na tessitura das estórias que escreveu, considerando ainda o modo pelo qual se deu essa realização estética. Aí parece nascer algumas possibilidades para o bom trabalho crítico. Tento aqui, seguir essa orientação. Escolhi essa premissa para estudar a poesia em “O Recado do Morro”, conto publicado em 1956 na coletânea Corpo de Baile e que, desde 1965 – quando da sua terceira edição –, passou a ser editado no volume No Urubùquaquá, No Pinhém. Na estória em questão, acreditamos que a busca da poesia se fez de dois modos: pelo encantamento poético do escritor com a natureza dos Campos-Gerais, vivido (nas várias viagens que por ele realizou, com destaque para aquela excursão geográfica de 1952, “A Boiada”) e transformado em artefato literário, bem como pela sua experiência com a linguagem, a palavra poética. Pelo uso de duas de suas regras poéticas – a “multiplicidade de conotações” e o “desvio poético” – articuladas pelo que denominou de “Álgebra Mágica” – o escritor busca a poesia. Desse modo, mais que ser sua literatura uma prosa poética, como vem sendo proposto pela crítica, entende-se que Rosa elaborou regras próprias com as quais conseguiu fazer poesia em prosa, participando efetivamente do movimento que marcou a poesia no século XX, sendo “O Recado do Morro” a súmula dessa poética.
Instituto de Letras e Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Letras.
Novela que ocupa o centro do volume Corpo de baile (1956), de João Guimarães Rosa (1908-1967), “O recado do morro” apresenta elementos que a tornam singular entre as outras seis que compõem o ciclo novelesco, a exemplo do seu final com características míticas, após um percurso no qual o narrador se alonga em descrições marcadas por cientificismo que denotam o vasto conhecimento do escritor mineiro, que também não deixa, no âmbito da prosa modernista, de buscar nos clássicos inspiração para contar a estória de Pedro Orósio. Não é sem motivo que tomamos “O recado do morro” como um texto plural, em que é possível captar diversas formas de arte que, juntas, formam a totalidade de um texto amplamente poético, que, ainda, problematiza a questão do papel da arte e da literatura, ao desvelar, por intermédio de um recado que se torna canção compreendido pelo enxadeiro como um alerta, uma relação entre experiência estética e a vida. Buscamos em Hans Robert Jauß (1921-1997) a base metodológica e teórica necessária para a compreensão do objeto desta monografia, que também conta com o aporte estético-recepcional postulado pelo teórico alemão que, por meio de um levantamento seletivo, mapeia a crítica da obra e se utiliza de estudos que possuem destaque, o que é o caso dos estudos de Ana Maria Machado (1991), Marli Fantini (2008), Erich Soares (2014), entre outros. Longe de uma resposta definitiva, antes procuramos lidar com a pluralidade que a obra de Guimarães Rosa carrega e com a constatação de que, ao longo do tempo, se aprofundou a concepção do texto e, cada vez mais, se desvelou a compreensão do artista acerca da função de sua obra.
Sustentado pelo método hermenêutico triádico da estética da recepção, sobretudo baseado nos textos “A história da literatura como provocação à teoria literária” (1994), proposto por Hans Robert Jauss (1921-1997) vinculado à temática da Literatura Brasileira deste encontro, esta comunicação tem por objetivo analisar a temática da representação do estrangeiro em “O recado do morro” (1956), de João Guimarães Rosa (1908-1967), pertencente à coletânea Corpo de baile, especificamente da na figura de seo Alquiste ou seo Olquiste, um pesquisador e naturalista, que realiza uma excursão em torno do Morro da Garça (MG), juntamente com outras pessoas (o guia Pedro Orósio, Frei Sinfrão, o fazendeiro Seo Jujuca do Açude e Ivo Crônico), com intuito de explorar o sertão. Viagem esta guiada por Pedro Orósio, moço, com estatura alta, que viajava com os pés descalços, de passadas muito extensas e ligeiras, tão forçoso, de corpo nunca se cansava, namorador, e conhecedor da região, um exemplo nato da perso
Esta comunicação pretende examinar o conto “Recado do Morro” de Guimarães Rosa (1908-1967) à luz dos estudos culturais bem como referenciando-se na filosofia de Vilém Flusser (1920-1991), em suas ricas contribuições a esse campo de análise. É sabido que tal filósofo conheceu pessoalmente Guimarães Rosa e, embora grande parte da obra de Rosa seja anterior, o pensamento flusseriano pode a ter influenciado. Flusser defendeu que “o estrangeiro, categorizado como tal, se opõe diretamente à repulsa daqueles que se encontram acomodados, à repulsa dos monoglotas e dos experts que desenham fronteiras entre os territórios do conhecimento e da memória” (Cf. Finger, 2008). Para ele, “não há fronteira, não há dois fenômenos no mundo que possam ser divididos por uma fronteira, que seria sempre uma separação artificial.” (Cf. Finger, 2008). A partir disso, cabe aqui analisar a personagem Alquiste ou Olquiste, do conto “O Recado do Morro”, de Guimarães Rosa, considerando a problematização do estrangei
Neste artigo, buscamos contextualizar o legado de Mikhail Bakhtin relacionado a
Goethe e apresentar informações sobre a atualização da obra do próprio Bakhtin, a qual teve, em
anos recentes, sua versão completa e definitiva. Também realizamos um pequeno estudo
comparativo do tratamento expressivo dispensados aos números no Fausto de Goethe, em
Gargântua e Pantagruel, de Rabelais, e no conto “O recado do morro”, de Guimarães Rosa, de
uma perspectiva bakhtiniana
O artigo reflete mais diretamente sobre duas das sete narrativas de Corpo de Baile, de João Guimarães Rosa (1956). Com o desdobramento em 3 outros livros que se dá na 3ª edição (1964/65), “O recado do morro” e “Cara-de-Bronze” passam a integrar o “Livro 2” da obra: “No Urubuquàquà, No Pinhém”, também formado pela novela “A Estória de Lélio e Lina”. A proposta coloca em diálogo as mudanças editoriais do livro no tempo, atestadas nas correspondências do escritor, com os enredos e temas das duas narrativas, apontando e analisando um movimento de escrita que ao mesmo tempo é artística e histórica. Nessa perspectiva, concebe-se o sentido histórico delineado em uma composição literária elaborada no uso de outras linguagens artísticas. Assim, menciona-se no artigo a linguagem cinematográfica, elaborando historicidade na narrativa, e corporeidade sonora das imagens, onde se situam as marcas musicais. Pela trama literária, estará marcada o que apontamos como temporalidades múltiplas, que escrev
Na novela “O recado do morro”, temos a contraposição de duas ordens da realidade (plano real e plano mítico) que, dialeticamente, se desdobram em um espaço, ou seja, este se caracteriza como um ambiente que faz parte do espaço físico (real), mas também apresenta “referências míticas”. Diante dessa dupla feição do espaço pretendemos desenvolver um breve estudo sobre a composição do espaço em “O recado do morro”, novela de Corpo de baile (1956), no intento de esclarecer como Guimarães Rosa se vale de elementos advindos de diferentes campos do conhecimento, neste caso o científico e o poético, na constituição de uma narrativa em que há correlação desses diferentes campos do saber no que diz respeito ao espaço percorrido pela expedição guiada por Pedro Orósio. Este trabalho será realizado por meio de uma interpretação que pretende analisar como se evidenciam os mecanismos utilizados por Guimarães Rosa para compor um espaço com a presença do real e do mítico, ao comparar trechos da narrativa em foco aos relatos de viagem de Spix (1781-1826) e Martius (1794-1868) e aos trabalhos paleontológicos (Ciência que estuda a vida passada da Terra) e espeleológicos (estudo de cavernas e grutas) desenvolvidos por Peter Lund (1801-1880) no sertão mineiro. As referências a esses trabalhos transparecem na narrativa por meio da utilização de nomenclaturas e descrições científicas registradas pelos naturalistas em termos como o megatério, o tigre-de-dente-de-sabre, a protopantera e os homenzarros. Para desenvolver esta tarefa, utilizamo-nos como aporte teórico dos estudos estético-recepcionais de Hans Robert Jauß (1921-1997), sobretudo em A História da Literatura como provocação à Teoria Literária, das teorizações de Mircea Eliade (1907-1986) acerca do mito e, no que tange às possibilidades de um estudo comparativo nos utilizaremos de textos de autores como Henry Remak (1994) e René Wellek (1994).
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