Este estudo parte de uma leitura do conceito de anedota de Guimarães Rosa, bem como de seu emprego poético e hermenêutico. A análise indica que o discurso rosiano não compartilha da compostura usual das teorias científicas e filosóficas do cômico. O compromisso do autor com suas ideias é antes estético e translógico que lógico: jogada crucial cuja mira é o salto do cômico ao suprassenso.
O presente artigo tem por objetivo demonstrar como Guimarães Rosa, no conto Páramo, de Estas Estórias, inaugura uma encenação ficcional da melancolia. O texto rosiano vai sofrendo uma gradual condensação à medida que avança e as ressonâncias melancólicas dessa narrativa funcionam como um rigoroso exercício de subtração da escrita em busca do silêncio, dando sequência às "operações subtrativas" de Tutameia.
Em Tutaméia, o autor se prefacia quatro vezes, num procedimento análogo ao adotado por Sterne em The Life and Opinions of Tristram Shandy, que só apresenta o Prefácio do Autor no capítulo 20 do livro III. Um autor tem o direito de decidir como, quando e quantas vezes deseja prefaciar-se. Os prefácios instalam o domínio do autor, o jogo da autonomia da criação e da liberdade de invenção do seu universo próprio, diverso de tudo o mais. É também em seus prefácios que Fielding instaura a “nova província do escrever”. O Prefácio do Autor, de Sterne, conjuga os dois elementos-chave de uma obra realmente inovadora: wit and judgment, vale dizer, a sagacidade, a originalidade, a audácia criativa, e o discernimento crítico. Em fundo e forma tão distintos de Sterne, Rosa, no entanto, tempera, também, a sua obra com um balanceamento entre a paixão criadora e a razão reflexiva, precisamente porque estes são os dois ingredientes básicos da grande tradição literária ocidental. O prefácio é aquele ponto médio onde poesia e pensamento se aliam, onde a imaginação se urde com a razão, onde o engenho e o juízo unem forças, e onde mais fecundamente pode vicejar o diálogo entre o autor e o leitor. No prefácio, o autor se “desesconde” do leitor, e mesmo se, ao gosto de Rosa, ele continua a praticar um certo brincar de esconde-esconde, nem por isso ele deixa de se revelar, velando, ou de se velar, desvelando, como o próprio ser, que se compraz num ritmo de máscara e ostentação.
A verificação da constituição do livro como objeto requer estudos sobre a história da composição do livro como tal. Até estruturar-se da maneira como o conhecemos o livro passa por diversas etapas em sua dimenão material, dentre elas: os paratextos, a parte pré textual, organizacional de uma publicação. Conhecer os detalhes dessa estrutura editorial contribui para a organização e a leitura de uma obra. No entanto, há autores que usam da transgressão da norma para buscar o espírito artístico. Os prefácios da obra Tutameia de João Guimarães Rosa suscitam a questão essencial deste trabalho: a transgressão do autor os torna os prefácios da obra textos ou paratextos? A trajetória para a efetiva publicação da obra mostra o quão criterioso o autor foi na sua revisão editorial e quão importante é para o leitor entender esse processo.
Este trabalho tem por objetivo investigar o sentido do humor de “Aletria e hermenêutica”, primeiro prefácio de Tutaméia: terceiras estórias de Guimarães Rosa, por meio de uma abordagem imanente e intratextual. Apresenta-se, por conseguinte, uma interpretação do conceito-chave de “anedota de abstração”, de modo a refletir-se sobre algumas anedotas e, principalmente, sobre o arranjo retórico do prefácio, ao mesmo tempo chistoso e sublime.
O presente trabalho tem como objetivo investigar os rastros de budismo em produções de João Guimarães Rosa, como alguns poemas de Magma, o conto Minha gente, de Sagarana, o prefácio Aletria e Hermenêutica, de Tutaméia, e a narrativa Cipango, de Ave, Palavra, e, com base nelas, demonstrar a presença de um aspecto da filosofia budista a ideia de existência ilusória dos fenômenos em Grande sertão: veredas, condensado em um raciocínio de Riobaldo sobre a existência do diabo. Lidas através do conceito de paradigma indiciário de Carlo Ginzburg, em que informações marginais de uma obra podem revelar um dado maior, as referências ao Buda e ao budismo, apontadas nessa pesquisa, explicitarão que a presença budista não é meramente periférica na obra do autor, mas, inclusive, significativa para a construção de uma proposta de leitura de Grande sertão: veredas.
O presente estudo tem como proposta investigar quais são os elementos discursivos que compõem a anedota de abstração e os efeitos de sentidos gerados devido à presença recorrente desses recursos nos contos de “Tutameia- Terceiras Estórias”, de Guimarães Rosa. Para tanto, procedemos um exame da fortuna crítica, em especial, sobre o primeiro prefácio, “Aletria e Hermenêutica”, em virtude das reflexões estéticas apresentadas por Guimarães Rosa a respeito da composição da anedota de abstração e da teoria do conto, uma vez que são consideradas pelo autor como um subgênero do conto. Ademais, observamos que o conto rosiano desdobra-se em diversos planos narrativos e acessa a diferentes dimensões do real por meio desse recurso. Desse modo, parte do sentido do texto está em um plano diferente do da narrativa principal e, ao utilizar a anedota de abstração, o autor contorna a ausência da onisciência do narrador e fluxo de consciência para sugerir uma nova maneira de se aproximar das emoções e sentimentos das personagens. Com base nessa premissa, investigamos, de forma qualitativa, as principais características da anedota da abstração levando em conta as relações desse gênero com a anedota, o cômico e a estética do conto. Para tanto, foram utilizados os conceitos palavra bruta, palavra essencial e neutro de Maurice Blanchot; a definição “fora” de Maurice Blanchot, Michel Foucault e Gilles Deleuze; a concepção da vontade de verdade de Michel Foucault; os procedimentos do cômico e da linguagem cômica de Henri Bergson; e a teoria do conto de Ricardo Piglia, Cleusa Rios Passos e Regina Pontieri. Nesta pesquisa, a análise dos contos “Estória nº 3”, “Faraó e a água do rio” e “− Uai, eu?” demonstraram que a anedota de abstração é a proposta estética de Guimarães ao conto moderno, visto que há uma narrativa aparente. No entanto, são os elementos discursivos da anedota de abstração que acessam a estória secreta e revelam a outra dimensão do real nos fazendo sentir aquilo que nos deseja contar
O objetivo deste trabalho é analisar trechos de duas versões de um texto de João
Guimarães Rosa: “Risada e meia”, publicado no jornal Correio da manhã, em 1954, e
“Aletria e hermenêutica”, o primeiro prefácio do livro “Tutaméia (Terceiras estórias)”, de 1967. Considerando as alterações percebidas, os textos são examinados pelo
viés da Crítica Genética e da Estilística Lexical, a fim de vislumbrar um dos passos do
percurso criativo de Rosa. Para isso, optou-se pelo trecho da “Anedota fósforo”,
comum às duas versões. Alguns dos resultados encontrados foram a adição, a exclusão
e a alternância de palavras, a sinonímia, a adjetivação, a metonímia e a mudança de
tempos verbais. A Crítica Genética defende que um texto nunca é definitivo, podendo
passar por diferentes alterações até se tornar o publicado pelo editor (de livro ou de
periódico). Logo, o texto considerado final de “Risada e meia”, publicado pelo jornal Correio da manhã, do Rio de Janeiro, passou, ao longo de 13 anos, por alterações
que o transformaram em “Aletria e hermenêutica”, o prefácio do último livro publicado em vida, de Rosa. Por outro lado, isso não garante que seja a versão final, mas
mais uma das etapas de seu processo criativo. Desse modo, observamos a construção
textual do léxico de Guimarães Rosa em trechos publicados em dois momentos distintos, utilizando para isso os aportes da Crítica Genética e Estilística.
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