Em seu livro The open: man and animal, Giorgio Agamben argumenta que, embora a idéia do “humano” na sociedade ocidental tenha sido pensada, desde sempre, como uma misteriosa conjunção de um corpo natural e de um elemento sobrenatural, social ou divino, é preciso aprender a pensar o “humano” como o resultado de uma prática e de uma política intencional e deliberada de separação entre “humanidade” e “animalidade”. Baseando-nos nos conceitos deste crítico, e de outros como John Berger, W. J. T. Mitchell e Cary Wolfe, percorremos alguns textos de autores brasileiros, como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Osman Lins, analisando como a metáfora animal é utilizada para representar o ser humano abjeto, em condições de sujeição, marginalização e degradação, o que não só revela o modo como o “humano” pode vir a se relacionar com os seus semelhantes em situações adversas, mas também o modo como esse relacionamento reproduz o preconceito atávico de sua superioridade sobre a natureza e os animais.
O artigo problematiza códigos de masculinidades para entender o homem da literatura atual. Objetivou-se analisar comportamentos adotados pelos homens dessa literatura. Comparou-se protagonistas de dois romances contemporâneos – Por enquanto... Outra Estação (PÁDUA, 2014), Barba Ensopada de Sangue (GALERA, 2012) – a três narrativas clássicas – São Bernardo (RAMOS, 2012), Dom Casmurro (ASSIS, 2019) e Grande Sertão: Veredas (ROSA, 2019). Trabalhou-se com teorias comportamentais e sociológicas, a partir de Cuschnir, Mardegan Jr. (2001); Nolasco (1995, 1997) e Albuquerque Junior (2003). Percebeu-se que protagonistas da literatura atual incorporaram condutas antes consideradas não masculinas, negando a afirmação da virilidade pela violência.
Os manuscritos atestam um modo de memória e um processo criativo que dizem muito de um momento cultural. Simultaneamente memória social e mecanismo mental aqui se conjugam. O geneticista busca o fio complexo que liga a memória social à individual, no arranjo peculiar de que o manuscrito dá indícios; e os elementos esparsos que compõem a imprevisível lógica do manuscrito. Assim, os manuscritos permitem acompanham a lógica de composição; o ato de criar, concernindo o texto literário; do silêncio inicial ao ritmo que a escritura persegue, entre rasuras, hesitações, variantes e retomadas, A aposta do geneticista é a recolha de elementos que permitam ver o texto em ação -- o manuscrito -- a partir da detecção das descontinuidades do processo de escritura. Este processo criativo pode bem ser explicitado nos manuscritos de Graciliano Ramos, de Gustave Flaubert ou de Guimarães Rosa. O presente artigo busca mostrar o quanto o estudo dos manuscritos acrescentam à compreensão do texto final.
Este trabalho tem por objetivo analisar a condição de proprietários das personagens Paulo Honório e Riobaldo, protagonistas dos romances S. Bernardo e Grande sertão: veredas, escritos por Graciliano Ramos e João Guimarães Rosa, respectivamente. Vamos investigar o percurso que ambos traçaram para sair da condição de pobreza e serem alçados ao posto de donos de terras, os mecanismos de violência que empregaram e a maneira como lidam com seus dependentes. Tentaremos demonstrar como a formação desses proprietários se deu em um momento no qual o país vivia um processo de modernização conservadora, totalmente dissociado da inclusão social. Dessa forma, eles não hesitarão em empregarem violência, práticas clientelistas e presentear seus dependentes com migalhas, para conseguirem e assegurarem suas propriedades.
Num poema intitulado “Desterro”, que está presente na, aparentemente, única obra poemática escrita pelo literato João Guimarães Rosa, datada de 1936, é possível observar-mos, conquanto sucintamente, dois notáveis caracteres constantes das Primeiras Estórias, do já mencionado autor, e das Vidas Secas, do escritor Graciliano Ramos, de modo geral, e no conto “Sorôco, sua mãe, sua filha”, daquele primeiro livro, e no capítulo “Festa”, deste último, de modo particular, visto que os referidos caracteres podem, respectivamente, ser representados pela tristeza e pela viagem – estúltima, permeada por amplas e tortuosas lou-curas – que as personagens de ambas as estórias devem realizar para cumprir as incumbên-cias às quais, por vezes, creem haverem sido predestinadas.
Trata-se de ensaio, circunscrito aos estudos e pesquisas em Direito e Literatura, especificamente Direito através da Literatura, que expõe o potencial dos textos literários para a reflexão do constitucionalismo. A premissa adotada é de que certas ficções, sobretudo as que tematizam o ressentimento, permitem acessar o contexto histórico, social e cultural em que vigoraram as constituições brasileiras ao longo da história. Conclui que, na companhia de Machado de Assis, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, é possível não somente compreender o passado, mas também antecipar momentos em que a cultura jurídica nacional cederia a processos de retrocesso na separação dos poderes e garantia dos direitos fundamentais.
Este artigo tem por finalidade refletir sobre as contradições entre a forma literária – em seu processo de composição, ou seja, o trabalho do escritor – e o processo social, principalmente nos problemas que surgem na representação do outro de classe nas narrativas de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. Buscou-se estabelecer na própria narrativa como São Bernardo e Grande sertão: veredas formularam questões acerca do problema da representação em nações periféricas.
Esta é uma reflexão sobre como Graciliano Ramos lê as obras de Rosa e sobre como ambos os autores inspiraram minha própria produção literária: através de uma transposição artística de nossas raízes.
Desenvolvimento de um estudo comparativo entre três obras de literatura brasileira cujo tema comum é o sertão: Grande sertão: veredas (sertão das águas), de Guimarães Rosa; Os sertões (sertão semiárido), de Euclides da Cunha; Vidas secas (a aridez das grandes secas), de Graciliano Ramos. Nosso objetivo é focalizar as analogias, as convergências e as diferenças entre essas obras, que despontam no cenário literário brasileiro.
Quando um autor expõe suas leituras e o modo como avalia diferentes práticas literárias, ele oferece uma oportunidade de compreendermos particularidades da prática literária, percebidas a partir de um ponto de vista interno. Mais que curiosa, essa visão interna nos dá pistas de mecanismos e escolhas relativas à percepção de valores literários. Os escritores, agentes literários dotados de um singular capital simbólico, podem perceber, elucidar e avaliar a literatura de seus contemporâneos, associando suas assinaturas aos nomes dos que desejam integrar o campo literário, por meio da crítica literária, desdobrando-se em um escritor-crítico. Outra forma de intervenção no campo literário por parte de escritores é a participação como jurados de concursos de literatura, cumprindo então um papel avaliativo. Guimarães Rosa não fazia crítica literária publicamente. Negava-se, sobretudo, a comentar seus contemporâneos, mas publicou textos em que ficcionalizou escritores, apresentando-os criticamente. Além desse jogo lúdico, pouco comentado (talvez pelo tom enigmático da brincadeira), exerceu em seus manuscritos algumas facetas de escritor-crítico, como vemos em suas anotações como jurado do prêmio Walmap (1966). Neste artigo, abordaremos textos sobre o concurso Humberto de Campos (1937), quando Guimarães Rosa foi julgado por Graciliano Ramos, e as anotações do prêmio Walmap, quando o autor mineiro assume o lugar de avaliador, observando quais critérios são reatualizados pelos dois escritores para a compreensão de seus contemporâneos. Além disso, abordaremos os poucos textos assinados por Guimarães Rosa para apresentar escritores estreantes, nos quais podemos perceber outro éthos autoral em cena.
Este trabalho estuda os textos críticos de Graciliano Ramos sobre a versão original de Sagarana, de Guimarães Rosa, que concorreu ao prêmio do concurso “Humberto de Campos”, em 1938, e objetiva mapear e descrever os principais apontamentos da leitura realizada pelo crítico antes e depois da publicação de Sagarana, em 1946. Ao destacar a vivacidade do diálogo, a exatidão da descrição, a segurança da narrativa e a exemplaridade na construção de figuras humanas e na representação do mundo animal, a leitura de Graciliano dialoga com os trabalhos posteriores de crítica de Candido (2002), Milliet (1981) e Lins (1963) sobre o livro de Guimarães Rosa, principalmente, por já indicar aspectos de análise que seriam desenvolvidos de modo recorrente pela crítica.
Neste estudo, propõe-se uma discussão sobre a Literatura, enquanto disciplina, sua aplicabilidade nas práticas pedagógicas de professores em sala de aula de Ensino Médio. A título de ilustração, recorre-se aos recortes das leituras das obras: ‘Os sertões’, de Euclides da Cunha; ‘Vidas Secas’, de Graciliano Ramos; e ‘Grande Sertão: veredas’, de João Guimarães Rosa, uma vez que nestes textos, através do “poder da palavra” (GONÇALVES FILHO, 1988/2000), os autores evocam realidades que retratam o cenário de um Brasil marcado pela plurinealidade de formas de linguagem, comportamentos, valores e expressões dos sujeitos frente às adversidades de seu meio. Assim, a literatura possibilita o desenvolvimento da auto-reflexão, a criticidade; o questionamento e elucidação de princípios e regras sociais.
Este artigo objetiva discutir o percurso do modo como o sertanejo é apresentado em obras literárias brasileiras a partir do Romantismo, primeiro estilo em que aparece como personagem, até a intensa liberdade das Tendências Contemporâneas. Fundamentado em discussões sobre sertanismo e regionalismo com Albuquerque Júnior (2011), Almeida (1999), Castro (1984) e Freyre (1976), este trabalho se direciona para um olhar de como o sertão/sertanejo se insere numa “caminho” trilhado dentro da produção literária no trajeto das épocas mencionadas. Deste modo, com o estudo empreendido, entende-se que o sertanejo mítico e depois realista dos oitocentos, modifica-se no forte lutador diante da seca e das injustiças sociais no século XX, utilizando-se da sua força, resistência e bom-humor que lhe são característicos, encarando as árduas sagas com seus únicos recursos, os impalpáveis.
O objetivo do artigo é abordar a maneira como se deu a recepção crítica das obras de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa nos rodapés que Wilson Martins e Franklin de Oliveira mantinham, sob a condição de crítico titular, respectivamente nos jornais O Estado de S. Paulo (de São Paulo) e Correio da Manhã (do Rio de Janeiro).
Considerando que a psicanálise é uma das diversas maneiras de relacionar literatura e sexo, o objetivo do artigo é abordar questões de método quanto à leitura de narrativas ficcionais na crítica de Adélia Meneses. Assim, identificamos e discutimos pontos-chave das principais referências de Meneses para a leitura psicanalítica. O corpus são escritos que vão de Do poder da palavra até Cores de Rosa, englobando textos teóricos e a recepção crítica de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.