João Guimarães Rosa, em carta escrita ao tradutor italiano Edoardo Bizzarri, afirma que a novela regionalista “Dão-lalalão” foi a única vez em que recorreu a processos intertextuais. Neste artigo, propõe-se analisar as referências indicadas pelo escritor, com a hipótese de que os personagens Soropita e Doralda constituem-se precisamente por meio do diálogo entre textos, na perspectiva bakhtiniana da “carnavalização”.
O amor é um tema universal, abordado tanto na prosa quanto na poesia. É o primeiro e o mais vasto tema da literatura (SANTOS, 2008), seja ele o amor romântico, idealista, platônico ou erótico. Na novela Dão-Lalalão: o devente (1994), de Guimarães Rosa, observa-se a forte presença do amor erótico que se traduz através dos sentidos das personagens. Este artigo, portanto, aborda a forma com que os cinco sentidos são utilizados na construção do erotismo nas personagens, ao mesmo tempo em que são elementos fundamentais na construção do enredo. O trabalho tem como suporte teórico algumas concepções sobre erotismo (BRANCO, 1985), Eros como pulsão de vida (SANTOS, 2008; EAGLETON, 1997), e indagações sobre o amor na prosa de Guimarães Rosa (NUNES, 1994; LAGES, 2002).
A criação de novas palavras é comum no processo de escrita de João Guimarães Rosa. Os neologismos que estruturam as obras do autor mineiro surgem da linguagem sertaneja, da reprodução de sons ouvidos e imaginados ou mesmo da combinação de raízes pertencentes a outras línguas. Isto se deve ao fato de que Rosa, além de poliglota, era atento ouvinte das conversas desenvolvidas no sertão mineiro. Na maioria das vezes, descobrir a origem de suas inventivas palavras favorece a compreensão das narrativas nas quais estão inseridas, e esse é o propósito das investigações do presente artigo, que busca uma conceituação da expressão Dão-lalalão – título para uma das novelas de Corpo de Baile. Para a construção de um conceito para o termo, será considerada a intertextualidade com a novela A estória de Lélio e Lina (2016), bem como a possibilidade de relação com antigas raízes da língua hebraica, cujo sentido emerge em narrativas bíblicas. No decorrer da investigação, será fundamental a percepção de que o significado de Dão-lalalão estende-se sobre as personagens principais da novela, Doralda e Soropita, justificando suas atitudes e personalidades. Este estudo, portanto, além de oferecer uma reflexão detalhada sobre o título de Dão-lalalão (2016), constitui-se também em uma proposta de interpretação para a novela.
O ato de mover-se pelo espaço é marcado por amplos significados que são produzidos por sujeitos para os quais a mobilidade quase sempre representa mais do que um deslocamento físico. Para refletir sobre a produção de sentidos para o deslocamento espacial, propõe-se uma leitura de Corpo de Baile, de João Guimarães Rosa. A imagem central dos “corpos em baile” neste livro remete ao movimento como alternativa de vida, muitas vezes como única opção de sobrevivência, ou como solução que resulta da esperança de mudança de vida no contexto do sertão brasileiro; é também construída por sujeitos em crise, em que a estrada representa seu próprio devir. Este artigo apresenta uma reflexão sobre os mais diversos sentidos produzidos pelos personagens rosianos no que tange a temática da viagem, articulando-os aos conceitos de errância, travessia e peregrinatio. Os personagens das novelas Dão-lalalão (O Devente), Recado do Morro e Estória de Lélio e Lina estimulam uma reflexão sobre o deslocamento como experiência socioespacial e simbólica no contexto do sertão brasileiro. A partir da análise interpretativa das narrativas, o resultado da discussão levantada sugere a viagem como um dos aspectos centrais das estórias e, sobretudo, como condição extremamente arraigada nas relações espaciais e nas noções de ciclos que se sucedem no movimento da vida e da experiência.
Embora a obra de Rosa dedique um espaço importante ao problema amoroso e erótico, não são muitos os estudos dedicados ao romance breve Dão-Lalalão, onde as personagens Soropita e Doralda vivem e experimentam um amor carnal, perfeito, esponsal, que lhes permite alcançar a perfeição do desejo. Rosa reescreve o desejo, não como obstáculo ou limite à perfeição da alma, nem como separação maniquéa entre o corpo impuro e o espírito afastado do corpo, mas como saudade última de bem, de satisfação, de radicalização da realidade.
A crítica sobre a obra de Guimarães Rosa assumiu diferentes perspectivas no decorrer dos anos, da estilística à sociológica. No interior desta tradição crítica ocorreram alguns deslocamentos conceituais que ilustram o processo recepcional descrito por Jauss, em obras como Pour une hermenéutique littéraire ( 1988). Nesse contexto, o exame da recepção critica da obra “Dão- Lalalão”, de Guimarães Rosa, permite indicar o deslocamento do conceito de alegoria. Assim, de uma leitura mítico- religiosa à sócio- histórica, a alegoria de “Dão- Lalalão” serviu a diferentes horizontes de interpretação, evidenciando, assim, a dinâmica estético- recepcional postulada pela teoria jaussiana.
O desejo sexual de um jagunço por uma prostituta é razão suficiente para um pedido de casamento. Passados três anos de matrimônio no religioso e no civil, o relacionamento do matador com a meretriz sofre abalo quando do reencontro de um velho amigo e um tropeiro que o acompanha. Aparentemente ciumento, a insegurança de Soropita camufla uma vaidade. O presente artigo procura demonstrar em que medida o desdobramento do relacionamento de Soropita com Doralda dialoga com as três acepções de amor que o léxico grego comporta: Eros, Filía e Ágape, segundo os filósofos contemporâneos André Comte-Sponville e Paul Ricoeur.
Em Dão-lalalão, Soropita apresenta-se mergulhado em
devaneios. As vozes deste e as do narrador alternam-se, assim como
o espaço ficcional e o espaço psicológico, fruto da imaginação do
protagonista. Desenrolam-se, pois, duas ações: no plano ficcional e
no plano psicológico, isto é, nos devaneios e lembranças de Soropita.
O devaneio é um estado psíquico entre o sono e a vigília que apresenta
as mesmas características do sonho. O exame desses elementos
psicanalíticos – os devaneios e as lembranças –, segundo os estudos
de Freud e Lacan, conduzirá o leitor a camadas mais profundas da
compreensão do texto roseano.
A novela "Dãolalalão", do livro Noites do sertão de Guimarães Rosa, mostra a presença daquilo que Northrop Frye nomeou o "Grande código" da literatura ocidental, a Bíblia, transculturada no sertão brasileiro, e as contradições daí advindas. Aponta-se aí, em clave de "estranhamento", a relação de um ex-jagunço e de uma ex-"militriz", aferida ao amor arquetípico de Salomão e da Sulamita, o "Amado" e a "Amada" do "Cântico dos cânticos" bíblico, criptografado ao longo da novela. No entanto, observe-se que em "Dãolalalão" comparecem também paráfrases do "Apocalipse" e referências várias a Afrodite Pandêmia, deusa do Amor no panteão grego, bem como ecos velados da prostituição sagrada, abrindo a possibilidade para uma abordagem desse tópos caro à ficção roseana, que é o amor da prostituta. Temos, concentrados nesse vértice bíblico-grego (à raiz da cultura ocidental), os elementos de uma literatura "mimetizada" - ou, mais especificamente, marcada por aquilo que é a mola da organização da sociedade brasileira: uma formação social de extração escravista.
A construção dos nomes próprios em Dão-Lalalão, de Guimarães Rosa, realiza-se através do processo intertextual que possibilita a mudança contínua de sentido. Os nomes que batizam seus personagens, formados algumas vezes por nomes antigos, ressemantizados, remetem a outros personagens de outras histórias que se contam em paralelo à história contada em Dão-Lalalão.
O trabalho tem dois planos. Um primeiro, temático, versa sobre a figura do valentão (ou do jagunço), como um instrumento de que se aproveita, de início, o poder privado dos coronéis e grandes proprietários para afirmá-lo, e, depois, o próprio Estado para combatê-lo. Para isso foi decisivo o estudo do valentão na novela, ou seja, de seu protagonista, Soropita. E, um segundo plano, agora intrinsecamente ligado à forma de composição, que é o estudo voltado para a especifi cação de como se dá na novela a relação entre o mito e a história. Parto do princípio de que não basta dizer que ambos estão presentes na obra, mas como eles se combinam e se relacionam, de um modo tenso, como o existente entre a universalidade e a particularidade, de tal modo que uma tende a substituir a outra.
Analisaremos o conto "Dão-Lalalão" (ROSA, 1995), de Guimarães Rosa, composição calcada em fabulações contínuas, típicas da fala do sertão mineiro. Essa estrutura mostra originalidade, revelando sua marca própria: a oralidade; mas esse contar, que parece espontâneo, revela tendências regionalistas e pós-modernas. O ambiente é regional e as personagens intrinsecamente ligadas a ele. Contudo, o nó - o conflito do protagonista - e o narrador - polifônico - são próprios do pós - modernismo. A aparência de perfeição dessas personagens - visto que são ajustadas ao seu mundo de valores – se desconstrói, enquanto o texto se aprofunda na psicologia dos personagens; mostrando seus medos e suas desconfianças, enfim sua humanidade.
O objetivo desse trabalho é analisar a imagem construída da prostituição nas obras Dão-Lalalão (o devente) e A estória de Lélio e Lina, contos da obra Corpo de Baile (1956) de João Guimarães Rosa. Será um trabalho sinuoso, pois se tentará apanhar os significados que estão por debaixo dos fatos banais que são contados pelos narradores, ou até mesmo, por de trás de suas omissões: sob uma camada de cordialidade há uma crueldade gerada pelo preconceito de gênero e de cor. Tentaremos demonstrar como a idealização do mundo da prostituição construída por esses narradores e personagens, nas duas obras, serve de azeite para as engrenagens do mundo da opressão patriarcal, que tem como centro de recreação o prostíbulo.
É este um estudo sobre os prazeres da mesa na vida e obra de Guimarães Rosa. Serão aqui analisados tanto os cadernos de receitas culinárias de sua esposa, Aracy, quanto os romances “Dão-Lalalão” e “Buriti”, de João Guimarães Rosa. Nossa hipótese era que as receitas poderiam trazer à tona a cozinha mineira. Descobrimos que a vida doméstica era o espaço onde se cultivava a culinária cosmopolita alemã, enquanto a literatura rosiana era o espaço onde se preservava a culinária regionalista mineira. Descobrimos também um convite das receitas para o amor, que aparece tanto nos nomes de doces, quanto nos romances de Noites do sertão. Afinal, a psicanálise mostra que o ato de comer busca a satisfação da fome e do amor.
In the present essay, I examine eroticism in "Dão-lalão," by Brazilian fictionist João Guimarães Rosa (1908-1967). Calling into question Benedito Nunes’s argument that the dialectics of love in Guimarães Rosa's oeuvre points to a sense of harmony and totality, I view the erotic element in Guimarães Rosa’s work as a form of transgression. Focusing on the body in “Dão-lalão,” I revisit Guimarães Rosa’s skepticism regarding reason as the primary vehicle for understanding reality. Whereas Nunes relies on Plato, the Neoplatonists, and the mystic traditions of hermeticism and alchemy, I turn to the philosophy of Georges Bataille (1897-1962). Finally, I propose that in addition to asking probing questions about eroticism as an expression of what Bataille called non-savoir, "Dão-lalão" invites its readers to reconsider race and gender relations within a Brazilian cultural and historical context.