Este trabalho faz referências às relações entre o afeto e a escrita, tomando como modelo o impulso criativo de João Guimarães Rosa, um dos grandes autores da literatura brasileira. Parto do pressuposto que o escritor de Corpo de baile (1956) se expõe deliberadamente aos afetos como fonte de conhecimento, forma de criação e de sustentação de sua arte. Assim, destaco de sua produção textual algumas anotações de viagem (manuscritos), cartas e intenções que antecedem a obra literária. Das publicações, são analisadas duas novelas de Corpo de baile: O recado do morro e Uma estória de amor. Sirvo-me dos conceitos de pulsão, sublimação, cadeia significante e transliteração, ligados à psicanálise freudo-lacaniana, para evidenciar que Guimarães Rosa constrói um particular diálogo com os estímulos do mundo. Pretendo argumentar a favor de uma hipótese segundo a qual a escrita deste autor vem de seu corpo, conforme as marcas ou os cortes que incidiram em sua vida, mas, sobretudo, pela sua peculiar disposição em se deixar inscrever pela linguagem a partir dos afetos. Neste trabalho fica a intenção de responder à seguinte pergunta de pesquisa: como João Guimarães Rosa organiza o percurso de criação de duas de suas novelas de Corpo de baile, visando a ser afetado pelas experiências vividas ao longo do período de preparação dos originais de forma a, no momento da escrita, transmudá-las para a ficção? Deste modo, ressalto nesta dissertação os seguintes objetivos específicos: a) a descrição de alguns recursos utilizados por João Guimarães Rosa, quando ele organiza seu percurso de escrita; b) o uso de uma teoria que considere a pulsão e o afeto como molas propulsoras para a invenção de um processo de criação. Trata-se, portanto, de apontar para o modo singular de um autor se deixar inscrever pela linguagem, situandose num posicionamento metódico e paciente na apreensão da palavra, da poética.
A dança é um elemento cultural. Nas pesquisas que se ocupam do universo literário de João Guimarães Rosa, a dança é ainda um elemento insuficientemente pesquisado, embora o baile vinque fortemente os textos, permeando a narrativa lírica com o fenômeno dança. Entre os escritores brasileiros, dois interessam particularmente aos estudos do baile que compõem esta tese: João Guimarães Rosa e Mário de Andrade. O primeiro evidenciou claramente a intenção de apropriar-se do discurso da dança nominando um de seus livros de Corpo de Baile. O segundo, além de produzir uma série diversa de poemas dedicados ao baile, escolheu como fulcro de um dos títulos mais importantes do modernismo Macunaíma os fenômenos culturais da dança. Tanto Mário de Andrade quanto Guimarães Rosa são pródigos na construção de textos labirínticos em que se valem do próprio e do alheio, estabelecendo um diálogo de apropriação que articula a subjetividade lírica a partir de elementos extraídos da cultura popular e do cânone literário. A literatura rosiana constrói um diálogo que, por um lado, embaralha internamente a obra e, por outro, mistura nas cartas embaralhadas entretrechos de obras alheias. A leitura do entretrecho levou o presente estudo de Guimarães Rosa a Mário de Andrade. No universo desses dois escritores labirínticos, a dança e seus fenômenos são o fio de Ariadne estendido do início ao fim desta tese, que objetiva examinar, no diálogo entre linguagens diferentes a da literatura e a da dança a contribuição que a compreensão dos fenômenos da dança pode proporcionar aos estudos literários, já que a dança participa vivamente da construção da palavra literária nas obras examinadas. Esta tese se compõe de três partes. Na primeira, explora a presença da dança nos Primeiros Guimarães, buscando no labirinto dos textos o caminho do baile rosiano, que se inicia em Sagarana, atravessa o Grande Sertão: Veredas e se declara em Corpo de Baile. Na segunda parte, examina a origem e o lugar social do baile. Na terceira, rastreia a dança no cânone literário, pesquisando a função da dança nas obras de João Guimarães Rosa e, em função do diálogo estabelecido nos entretrechos, examinando particularmente a obra de Mário de Andrade e as relações entre o Mutum de Campo Geral, Corpo de Baile, e o Mutum de Macunaíma.
Este trabalho realiza uma leitura crítica da obra Corpo de baile de João Guimarães Rosa, composta por sete novelas independentes, com foco na sua unidade. O sertão de Corpo de baile constitui-se como um universo comum em suas dimensões geográfica, econômica, social, temporal, cultural e existencial. As personagens vivem sua condição transitória de vaqueiros e trabalhadores no sertão do gado e buscam um novo lugar social e geográfico onde possam encontrar sentido para suas vidas. O sertão também se transforma ao mesmo tempo que se constitui como ambiente quase anímico, encantado, que oferece contato com a natureza, revela o progresso à espreita como possibilidade ambígua de melhoria e ao mesmo tempo aniquilação de suas condições de existência. A morte da personagem Dito de Campo geral é emblema desse sertão que se forma aos olhos do leitor, carregando as condições de sua dissolução. As outras personagens protagonistas repetem os movimentos que configuram esse estado de coisas: o sentimento de exílio e o cálculo social, a identificação com um duplo e a experiência de uma luta de morte e a fixação em desejos, lembranças ou imagens.
Neste trabalho, analiso a obra Corpo de baile de João Guimarães Rosa, buscando resgatar sua unidade estrutural, comprometida com a fragmentação editorial do livro a partir de 1964. Para tanto, focalizo o personagem Miguel, índice da coesão interna da obra, por seu papel das novelas "Campo geral" e "Buriti".
Faculdade de Letras, Departamento de Letras Vernáculas
A leitura das personagens femininas de Corpo de Baile, baseada na conotação simbólica revelada pelas imagens recorrentes em sua caracterização, demonstra que a mulher rosiana é concebida como ser primordial, associada à Cosmogonia por sua função Terra-Mãe. Seu papel na obra é dimensionado por atributos que evidenciam a vida no seu sentido positivo de renovação cíclica. Em sua concepção mítica, a mulher participa do processo de aperfeiçoamento do ser humano, na direção de uma plenitude de vida que só se obtém atingindo um estágio superior de conhecimento. Ao mesmo tempo em que cumnpre as etapas necessárias para o próprio aperfeiçoamento, a mulher rosiana atua como guia para o homem em sua trajetória, que inclui a plena experiência do corpo para atingir a perfeição da alma e do espírito. A valorização dos aspectos eróticos, bem como das qualidades físicas e esperituais das personagens, aponta para a plenitude da vida que se reitera pelo valor atribuído à linguagem em seu poder de narrar e reatualizar o mito da Criação.
O trabalho procura mostrar como Guimarães Rosa, nos seus três primeiros livros publicados, Sagarana, Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas, integra às duas camadas mais lidas e estudadas dos seus textos, a empírica e a mítico-simbólica, uma terceira, alegórico-histórica. Com ela, o autor procura representar, estilizadamente, algumas constantes da nossa vida social e institucional. Ela foi construída principalmente a partir das novas interpretações históricas que começaram a aparecer com as crises mais profundas vividas pela República, já nos inícios da década de vinte do século passado. Nela, Guimarães explora as tensões criadas pelo embate entre forças ordenadoras e desordenadoras - reeditando aqui a luta entre barbárie e civilização seja no plano da vida privada, seja no da vida pública. Desse modo, o autor norteia também a sua estratégia literária na busca de uma representação do país, na medida em que este participa das mesmas tensões universais resultantes da luta entre a ordem e a desordem, a barbárie e a civilização, o arcaico e o moderno. Cabe lembrar que essas três camadas de textos não foram vistas separadamente, mas nas suas articulações, composicionais e significativas. Um segundo objetivo do trabalho é o de revelar como esses livros acabaram se imbricando um no outro, podendo os dois primeiros serem vistos como uma espécie de estudos preparatórios para o que seria o seu resultado sinfônico maior, que é o Grande Sertão: Veredas. No primeiro e no segundo capítulos, o trabalho mostra como um livro dependeu do outro para chegar ao que chegou, seja no plano das personagens - Riobaldo como o resultado da junção de Lalino eLélio -, seja no dos motivos e temas - por exemplo, os paradigmas amorosos desenvolvidos no Grande Sertão, já estão incubados em Sagarana e têm os seus primeiros ensaios em Corpo de Baile. Como orientação metodológica, é preciso acrescentar, que só foi ) possível chegar a esses resultados, na medida em que se deu atenção às relações dessas estórias com o período histórico em que elas se passam na sua maioria, o da Primeira República, e se considerou o momento em que foram escritas, durante os anos de 37 a 54 (neste ano o autor já anuncia Corpo de Baile e Veredas Mortas, nome original do Grande Sertão), período conhecido como o do getulismo ou varguismo, quer dizer, momento também de grandes instabilidades e indefinições da nossa vida político-institucional.
A tese tem por objetivo estudar Corpo de baile, de João Guimarães Rosa, como uma
unidade, o que é apontado já desde o título da obra, em acordo com o projeto original do autor
para o livro. Para tal, utilizaremos a primeira edição de Corpo de baile, de 1956, tendo em
vista sua gradativa descaracterização, a partir da terceira edição, quando a obra é tripartida e
cada volume recebe um novo título, a saber, Manuelzão e Miguilim (1964), No Urubuquaquá,
no Pinhém (1965) e Noites do sertão (1965). A coexistência de dois índices, nomenclaturas
diversas para os textos (novelas, romances e Gerais, contos e parábases), epígrafes comuns e
específicas, referências e citações, migração de temas e personagens, inserção de estórias,
representação de cantigas e danças, com o uso, muitas vezes, de recursos do teatro e da
poesia, fazem de Corpo de baile uma síntese celebrativa da arte e da vida, considerando,
dentre outros aspectos, seu caráter cíclico e repetitivo. Assim, dedicamos o primeiro capítulo
da tese à análise da organização da obra, para, na sequência, examinarmos uma a uma as sete
narrativas, segundo a disposição original, perfazendo, deste modo, o percurso sugerido pelo
autor.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas / Literatura Brasileira
Dados toponímicos, corográficos e geodésicos colhidos em "Corpo de baile" permitem visualizar a unidade das partes ("poemas") do livro no mapa de Minas Gerais. Ao seguir pelo avesso a "loxía" proferida por Gorgulho, o primeiro recadeiro de "O recado do morro", percebe-se que as coordenadas geográficas dos cenários dos sete poemas desenham uma imagem constelar do teatro de palcos múltiplos rosiano. Na cartografia do Sertão, as posições dos membros do baile ficcional, quando carregadas com os atributos dos planetas enxergados no livro por Heloísa Vilhena de Araújo, determinam uma reveladora transposição anamórfica dos polos alegóricos que controlam os movimentos de motivos, temas e personagens entre os poemas. O mapa é a partitura em que se unificam as distintas temporalidades dos enredos, reproduzindo as correspondências entre micro- e macrocosmo efetuadas nos panos de fundo naturais. Procura-se demonstrar como a cenografia de Rosa transcende o realismo de suas fontes científico-naturalistas - em que se destacam cartas geográficas, literatura de navegação e relatos de exploradores e viajantes - ao engendrar uma minuciosa reprodução da forma interna da Natureza na visualidade inteligível das paisagens ficcionais.
Este trabalho apresenta uma leitura crítica das novelas de Corpo de Baile (1956) de João Guimarães Rosa, com o foco nas figuras dos contadores de estórias e dos cantadores de cantigas e suas respectivas performances. Pretende-se ressaltar que, numa espécie de mise en abyme, estórias são contadas dentro da estória, enfatizando, portanto, os eventos dessas performances no momento da enunciação. Verifica-se que em Corpo de Baile a performance das figuras dos contadores de estórias e dos cantores gera uma reflexão sobre a relação entre escrita e oralidade, bem como uma reflexão sobre a representação de uma forma de oralidade encenada. Assim, questionamentos sobre as experimentações formais nos levam a equacionar as escolhas de Rosa na elaboração da sua obra em forma de ciclo. Tanto sua forma assume novas variantes, quanto parece estar em constante prolongamento. Pretende-se destacar que Guimarães Rosa, numa espécie de roman-fleuve, constrói as narrativas de Corpo de Baile por meio de uma estrutura harmônica composta de textos que se relacionam entre si pelo transbordamento de personagens que transitam entre as novelas, sustentado pelos signos da musicalidade e do recomeço. Conclui-se que Corpo de Baile apresenta uma esfera composicional que visa uma construção de um espaço artístico cujas performances são ao mesmo tempo uma espécie de ferramenta narrativa e de reflexão sobre aspectos da criação poética.
Em 1956 e 1964, o artista plástico Poty Lazzarotto ilustra as capas Corpo de baile, obra do escritor mineiro João Guimarães Rosa. A articulação entre palavra e imagem, ou melhor, entre o texto rosiano e o desenho de Poty é a questão central desta pesquisa. A partir do conceito de tradução intersemiótica, cunhado por Roman Jakobson e discutido no âmbito da arte contemporânea por Júlio Plaza, é possível pensar a tradução para além dos limites da língua, alcançando outros horizontes de linguagens. O conceito de tradução intersemiótica refere-se ao processo de interpretação de um sistema sígnico em outro, ou seja, a tradução criativa de um sistema de linguagem para outra. Neste estudo, debruçamo-nos sobre a obra Corpo de baile, produzida pela Livraria José Olympio Editora, sobretudo a primeira edição, publicada em 1956, inicialmente em dois volumes; e a terceira edição, em 1964, dividindo a obra desde então em Manuelzão e Miguilim; No Urubuquaquá, no Pinhém; e Noites do sertão. Sublinhamos as aproximações e afastamentos entre a palavra e a imagem a fim de discutirmos os aspectos plásticos e textuais nessas duas narrativas, tanto escrita quanto imagética. Corpo de baile é composto por sete novelas que convergem entre si, estórias que contam estórias. A partir do deslocamento de personagens e estórias que se cruzam, alguns autores percebem unidade nesta narrativa. Entendemos que a unidade neste texto rosiano ganha dimensão plástica nas imagens de Poty, que propõem novas formas de interpretação e diálogo.
O trabalho A noção de erro em Corpo de Baile, de Guimarães Rosa: uma estratégia poética visa destacar as passagens nas quais o léxico erro aparece em Corpo de Baile, de Guimarães Rosa, compreendendo o vocábulo enquanto escolha intuitiva do autor para construção e tratamento epistemológico dado às trajetórias de seus herois. Baseado na teoria de juízo de eliminação da dúvida, o trabalho tenta compreender de que forma o flagrante do erro imputa aos herois do ciclo a responsabilidade sob seus atos. A dissertação faz uma leitura a contrapelo do erro trágico, defendendo que a percepção de um engano e as questões éticas que dele decorrem constituem o argumento rosiano de Corpo de Baile. A pesquisa procurou compreender de que forma a escolha pelo léxico erro responde à necessidade dos herois rosianos refutarem a si próprios, amparados pela emoção, e não exclusivamente pela razão. A pesquisa detectou que, para traçar esse movimento rotação, os herois de Corpo de Baile operam transposições: da dúvida à decisão; da decisão à esperança. Do flagrante do próprio erro, cada protagonista, primeiramente, se mantém no melindre da decisão; suficientemente munido de confiança, opta por um ou outro caminho. Circunscrevendo nas sete narrativas o princípio de autorreparação, a pesquisa ata a trama do erro num movimento de translação em torno do tema. O trabalho conclui que os protagonistas, submetidos à eliminação de uma dúvida interna, conseguem rever a si próprios e despertar no leitor uma motivação.
O escritor João Guimarães Rosa, além de toda a elaboração estética, do significado mítico-místico e da profunda concepção psicológica de seus personagens, deixa transparecer também em sua obra uma preocupação sobre as questões sociais e ambientais que envolvem o cenário regional, nacional e universal do sertão, que também é o mundo. No projeto literário do autor, o sertão e o Cerrado transcendem seus destinos de moldura narrativa, para se conformarem em personagens co-protagonistas das narrações. Um espaço-palco permeado por uma rica e sofrida história, um mundo muito misturado no coração do país. Apesar de evidenciar um continuum espacial em todas as suas narrativas, existem nuances socioespaciais intercaladas entre os livros do autor. Selecionamos nesta pesquisa três momentos ficcionais e alegóricos deste espaço movimentante: a) o sistema jagunço de Grande Sertão: veredas; b) os gerais em movimento de Corpo de Baile; c) e o mundo maquinal de Primeiras Estórias. As nuances ficcionais são reflexos das transformações dos gerais, desde a decadência do jaguncismo no final do século XIX e início do século XX, passando pelo desenvolvimento getulista nos anos 40 e 50, até a inauguração de Brasília, no início da década de 1960. O autor, contudo, não pode acompanhar as intensas transformações do Cerrado nas décadas subsequentes à sua morte em 1967. As mudanças de matrizes de racionalidades levadas pela modernização para o ambiente artístico de Rosa induziram profundas modificações na dinâmica dos recursos naturais e no sistema de uso da terra. Desta forma, objetivou-se nesta pesquisa, além da análise das obras de Guimarães Rosa, conceber uma experiência sensorial com o sertão rosiano na atualidade para absorver sabedorias in locu e compreender de que maneira se articula este espaço movente. A vivência de campo contribuiu para a escritura de sete episódios/insights, contextualizando os três momentos ficcionais de Grande Sertão: veredas, Corpo de Baile e Primeiras Estórias e suas relações com o sertão presente. Concluiu-se que apesar das pressões externas, a cidade não acaba com o sertão. A matéria vertente integradora do ser-tão cerrado continuará a conduzir sua alma, enquanto for dimensão da vida humana, de existência, onde é percebido, vivido e afetivamente experienciado pelos sertanejos. E é de dentro deste lugar onde deve estar o núcleo de resistência que represente uma resposta veemente às tentativas de homogeneização do espaço. Vimos alguns exemplos de resistências socioambientais, cujas propostas locais partem da inspiração na matriz literária de Guimarães Rosa, capaz de transmitir, iluminar e estimular um olhar artístico para o espaço, tal como lentes para uma percepção cativante da realidade.
Esta tese analisa no conjunto das sete novelas de Corpo de baile (1956), de Guimarães Rosa, as figurações do espaço, com foco na relação de unidade e fragmentação entre as narrativas. Trazemos à luz de nossa interpretação os diferentes modos de articulação e coexistência na integração das partes que, na composição do conjunto do livro, se unem por meio de várias conexões: espaço comum, mesmo universo ficcional, personagens que se repetem, recorrência de temas, reiteração de motivos. Nesta leitura, demonstramos como esses aspectos que impossibilitam a fixação de limites entre as narrativas interferem no modo ambivalente com que o espaço se configura. Dentro de nosso horizonte interpretativo, destacamos como essas ocorrências que desorientam os limites fixos se intensificam, dando uma visão problematizadora das formas de representação espacial. Em nossos estudos, identificamos o sertão-gerais como uma categoria potencialmente significativa na composição do universo móvel do livro, que se desdobra e se ressignifica em várias dimensões: geográfica, social, cultural, histórica, simbólica e mítica. Acrescentamos ainda ao exame desse espaço paradoxal reflexões acerca da maneira como as personagens aparecem e reaparecem em condição de trânsito, gerando uma tensão entre autonomia e interdependência, que coloca em jogo a rede de referências entre as novelas.
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Letras
O objeto desta tese é Corpo de baile (1956), de Guimarães Rosa, a qual resolve dois problemas: o da unidade da obra (formada de sete estórias) e o da sua relação com os romances de Jorge Amado e José Lins do Rego. A análise baseia-se na Antropologia e na Psicologia. Definições de magia, religião e ciência e relações entre elas provêm de Frazer, Tylor, Nina Rodrigues, Bastide e Prandi. Descrições e interpretações das religiões são tomadas dos estudos sobre cultos afro-brasileiros. Iniciados por Nina no final do século XIX, expandiram-se, a partir da década de 30, com as contribuições de Arthur Ramos, Edison Carneiro, Gonçalves Fernandes, Waldemar Valente, Câmara Cascudo e Mário de Andrade, os quais também embasam esta tese. Esse período coincide com o da publicação das obras literárias que constituem o corpus analisado ('30-56). A estruturação da Universidade no Brasil transferiu para professores do ensino superior a tarefa de efetuar as pesquisas antes feitas por médicos e folcloristas. A consolidação dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia transformou-os em espaços de ciência que hoje produzem os saberes sobre religião e magia, motivo pelo qual trabalhos vindos daí integram nossa plataforma teórica. Da parte da Psicologia, Freud e Jung apoiaram-se na etnografia e na antropologia do fim do XIX e início do XX para teorizarem sobre neurose e psicose, consciente e inconsciente e constituirem técnicas psicoterápicas. Ambos assumem que a religião é realidade antes psicológica que teológica (formada da projeção de conteúdos internos), que as leis da associação de idéias subjacentes à magia são as mesmas que subjazem às produções do inconsciente (sonhos, neuroses), que a ciência não suprime a magia e a religião. O trabalho estrutura-se em cinco capítulos. O primeiro apresenta os conceitos nucleares e caracteriza formas religiosas presentes nas obras literárias. Não esgota a teoria; definições e caracterizações de sistemas de crenças importantes para entender uma obra específica serão dadas quando a análise o exigir. O segundo resolve o problema da unidade. Por ser esta uma tese sobre Corpo de baile, será o mais extenso, em virtude da necessidade de mostrarmos os laços entre uma e outra narrativa. O terceiro e o quarto preparam a resolução do segundo problema, apresentada no quinto. Nas obras, a magia soluciona problemas de saúde, amor e negócios; expressa-se na forma de feitiço, rezas bravas e cerimônias. Quanto às religiões, representam-se o catolicismo (popular, oficial e messiânico), os cultos afros (jeje-nagô e banto), o candomblé de caboclo e o catimbó. Espiritismo é mencionado de passagem em duas obras apenas e a umbanda não aparece. Em função disso, considerações teóricas sobre elas serão menores, visando esclarecer, pelo contraponto, as outras. Todas as expressões religiosas mostram-se em seu lado mágico. A ciência figura ao lado da magia e da religião, às vezes isolada, mas nunca entronizada como visão de mundo privilegiada.
As personagens femininas são determinantes na obra de Guimarães Rosa, pois, quando não constituem o eixo em torno do qual gira o protagonista, elas influem de diversas maneiras na condução das personagens masculinas, ampliando ou modificando seus horizontes. Sabendo-se que os traços míticos e arquetípicos, além daqueles advindos da tradição das narrativas orais, destacam-se na configuração das personagens rosianas, tanto masculinas quanto femininas – em geral, auxiliando a construção de aspectos sociais -, investigamos o papel dos mitos e arquétipos na construção de personagens femininas de três narrativas de Corpo de baile: “O recado do morro”, “Dão-lalalão” e “Cara-de-Bronze”. Justifica-se a definição do corpus pelo fato de o presente estudo se tratar da continuidade da pesquisa realizada em nível de graduação, em que foram analisadas as demais novelas dessa obra do escritor, tendo em vista o mesmo tema. Conscientes de que Corpo de baile é obra que mantém coerência interna pelos temas, espaços e personagens, compreendemos, assim, com mais eficiência o cosmo organizado nessa obra de Guimarães Rosa, em relação às personagens femininas. A detecção e análise dos traços mencionados – míticos e arquetípicos – são realizadas por meio da investigação da ação dessas personagens na narrativa, da relação delas com as personagens masculinas e da maneira como outras categorias da narrativa como narrador, focalização, tempo e espaço enformam tais características. Naturalmente, a percepção desses traços advém de conhecimento anterior acerca de mitos e arquétipos femininos. O apoio teórico para o desenvolvimento da pesquisa é constituído de três dimensões: a) ensaios críticos sobre a obra rosiana de modo geral e, especialmente, sobre o tema em pauta, como o de Heloísa Vilhena...
A presente tese centra-se em investigações e análises referentes a questões relacionadas ao espaço enquanto categoria literária, abordando-o em várias de suas acepções e em diálogo com outras áreas do conhecimento. Partindo-se da perspectiva relacional do espaço, que aborda sua configuração com base nas relações entre seus elementos constituintes, são problematizados diversos aspectos do espaço literário dos textos de João Guimarães Rosa, com ênfase na obra Corpo de Baile (1956), corpus do trabalho em questão. Para o estudo analítico da literatura rosiana, além do instrumental teórico pautado em considerações críticas de estudiosos do assunto, também são utilizados documentos originais do escritor, como suas cadernetas de viagens, bem como entrevistas colhidas in loco em viagens de pesquisa realizadas pelo sertão mineiro. A abordagem do conceito de espaço pelo viés dos estudos literários revela-se interessante tanto para o campo artístico, com base em questões estéticas, quanto para discussões acerca de processos sociais que, problematizados na estrutura interna da obra, suscitam a reflexão e o entendimento de dinâmicas sociais externas ao texto. Dessa maneira, as análises focadas em questões relacionadas ao conceito de espaço literário atrelam-se às relações entre literatura e sociedade. Assim sendo, primeiramente o trabalho explana como as interações entre o escritor mineiro e o espaço sertanejo atuaram como estímulos e proporcionaram matéria-prima para a composição de seus textos literários, possibilitando certa investigação de alguns passos do processo criativo do escritor. Em seguida, discutem-se como as interações estabelecidas entre as personagens e os espaços são responsáveis por suas constituições de identidade, assim como o modo que os desenvolvimentos das ações narrativas configuram-se devido à dinâmica social decorrente da constituição dos espaços com os quais os personagens interagem. Além disso, analisa-se o modo como a composição estético-formal dos textos rosianos trabalha com as representações dos elementos constituintes do espaço sertanejo e de suas dinâmicas sociais e culturais, as quais, articuladas com as caracterizações e tensões íntimas dos personagens, bem como com o desenvolvimento das ações narrativas, atuam como constituintes da estrutura de seus textos, aspecto fundamental para a criação dos efeitos estéticos de sua obra. Também são analisadas as importantes movimentações espaciais empreendidas pelos personagens que, tanto dentro das estórias quanto em seus deslocamentos de uma estória para outra, conferem coesão e unidade à obra Corpo de Baile, constituída por uma complexa arquitetura literária. Por fim, problematiza-se como o a literatura rosiana, tal qual o movimento de um pêndulo, tendo como referencial e estímulos para sua composição algumas interações do escritor com o sertão mineiro, irá reverberar neste espaço, configurando-se como geradora de um forte potencial impulsionador para o desenvolvimento de iniciativas de fomento a transformações na dinâmica sociocultural de uma das regiões que atuou de modo decisivo para sua composição. Desta maneira, salienta-se como o espaço literário na obra de Guimarães Rosa funciona como elemento articulador de diversas unidades formais e semânticas do texto literário, possuindo importância capital em sua produção artística.
A Imaginação Poética do Corpo de baile rosiano propõe uma leitura do entrelaçamento das imagens do livro de Guimarães Rosa, a partir do princípio de composição da obra, da relação estabelecida entre as partes e o todo. Imaginação refere-se à consciência que, em autodesdobramento, conjuga ato criativo e reflexão crítica. O livro é o leitor de si mesmo, em “parábase permanente” e indissociável da expressão poética da palavra reveladora de mundividência e forma originais. Imaginação poética corresponde ao verbo, à criação material e dinâmica da linguagem sintonizada ao velamento e desvelamento cosmogônico. Iniciamos a Tese com a concepção editorial do livro, com o pensar poético vinculado a índices e epígrafes. Posteriormente, no segundo capítulo, realizamos a interpretação das novelas, com as quais descerramos o corpo imagético de Corpo de baile. Em autodesdobramento, tal como a imaginação criadora, retornamos aos capítulos anteriores, que sinalizam a tessitura, o espelhamento das parábases e estórias rosianas.
O objetivo geral dessa pesquisa foi analisar a representação das personagens femininas em cinco obras da literatura brasileira: A Menina Morta de Cornélio Penna, Crônica da Casa Assassinada de Lúcio Cardoso, Corpo de Baile de Guimarães Rosa, O Lustre de Clarice Lispector e Cabra-Cega de Lúcia Miguel Pereira. Na primeira parte deste trabalho, capítulo um e dois, procuramos demonstrar como a ideia inicialmente arquitetada para o projeto foi transformada ao longo do processo de desenvolvimento da pesquisa, conforme realizávamos as leituras que compõem o referencial teórico desta tese. No terceiro capítulo analisamos os textos literários que compõem o corpus desta pesquisa, em específico, procuramos observar as personagens prostitutas e tentamos demonstrar como, durante muito tempo, a construção da prostituta como uma mulher que usufrui de liberdade sexual e social, uma mulher livre dos afazeres, serviu como uma ferramenta que contribuiu para acentuar o lugar marginal a que foi destinada na sociedade. No quarto capítulo nos dedicamos a discutir o quanto as personagens adúlteras são as verdadeiras opositoras ao sistema patriarcal, mulheres que ao corroerem a principal base do patriarcalismo, a família, abalaram toda a sociedade patriarcal.