ISSN 2359-5191

13/01/2006 - Ano: 39 - Edição Nº: 24 - Sociedade - Escola de Comunicações e Artes
60 anos da rosa social de Carlos Drummond de Andrade
Professor da ECA-USP analisa “A Rosa do Povo”, uma das grandes obras do poeta modernista voltado às preocupações de seu tempo.

São Paulo (AUN - USP) - “Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. / A vida apenas, sem mistificação” (Os ombros suportam o mundo, 1945). Considerado um dos maiores poetas brasileiros, ícone do segundo tempo modernista, Drummond possui fases diversas ao longo de sua carreira. No entanto, uma das peculiaridades de sua antologia é a abordagem de temas sociais e da inserção do indivíduo em um mundo contemporâneo “errado”, em certo sentido desalentador. É nesse contexto que se insere “A Rosa do Povo”, publicada em 45.

O professor Ivan Teixeira, que leciona Cultura e Literatura Brasileira na Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), lembra que o poeta – grande manipulador de estruturas verbais e de aguçada percepção da realidade – construiu no livro em questão um discurso eficiente para seu tempo, em boa medida, atual ainda hoje. Sua abordagem crítica do mundo, através de temas diversos como tempo, morte e família, possui correspondências com uma época que ainda é desigual, repleta de desafios.

Ivan comenta o momento de criação da obra e algumas de suas faces. Drummond recebeu influências da primeira geração modernista, caracterizada pela ruptura com os padrões literários tradicionais e pela incorporação das correntes artísticas difundidas na Europa (Futurismo, Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo). Tais ações consolidaram novas tendências da arte da palavra no Brasil, como a abordagem do cotidiano, o coloquialismo, o abandono do vocabulário solene, a rima simples, entre tantas outras.

Contudo, intervém o professor, a referida “importação” de estilos europeus fortaleceu o pensamento de que o que era adequado à modernidade derivava das experiências do Velho Continente, modelos a serem seguidos no Brasil. Contra as idéias em voga, Drummond percebeu que tal procedimento não era suficiente para a construção de uma linguagem poética nacional do século XX.

A constatação de que era possível “ser moderno sem ser modernista” levou-o a abandonar certas tendências da primeira fase, como a crença no valor radical da experiência formal. Contudo, manteve algumas conquistas dessa época em sua obra, como o coloquialismo, o gosto pelo cotidiano e a linguagem simples e misturou-as a formas tradicionais, como as métricas dos séculos anteriores. O fato de Drummond conciliar o “antigo” e o “novo”, na construção da arte da palavra brasileira, é apontado como um de seus méritos.

Ivan explica que esse estilo mesclado aparece em “A Rosa do Povo”, onde se encontram o solene e o prosaico. Uma análise minuciosa da obra permite-nos ver influências de temas em moda na Europa naquela época, como o existencialismo, o marxismo e a psicanálise. A “revolta” do indivíduo com o mundo tem, em certos momentos, perspectiva filosófica (como em “A flor e a náusea”) e, em outros, enfoque social (como em “A morte do leiteiro”).

No entanto, destaca o professor, essa “revolta” é tênue, não explícita; não é convicta. Há em Drummond a tendência a não crer enfaticamente em nada. A ironia do autor, utilizada principalmente para a crítica, dá a dica dessa postura frente ao mundo. O poeta é cético.

Quanto à psicanálise, Ivan menciona que é mais um recurso técnico que temático. O método é usado na investigação do indivíduo, no fluxo de idéias; na forma com que questiona o mundo errado e situa-se nele.

O indivíduo, aliás, é um dos eixos da “Rosa do Povo”. Também se destacam a busca pela linguagem (presente em “Considerações do poema” e “Procura da poesia”) e o olhar social. Sobre este último, há uma discreta euforia com a hipótese de reconstrução democrática do mundo, posterior à Segunda Guerra Mundial.

O professor Ivan cita que, dentro dessa temática, surge uma exceção no contexto da obra: não há a ironia que relativiza certezas. A simpatia do autor pelos ideais comunistas, capazes de combater a direita totalitária, transparece em “Mas viveremos”, “Telegrama a Moscou”, “Carta a Stalingrado” e “Com o russo em Berlim”. Trata-se, talvez, de um dos poucos momentos em que há crença na obra do poeta que tão bem analisou a criticou a modernidade.

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